Ética e direito

AutorOsvaldo Ferreira de Melo
CargoO Autor é Doutor em Direito. Professor Titular aposentado da UFSC e Professor no CPCJ/UNIVALI. E-mail: cpcj@univali.br
Páginas35-39

Osvaldo Ferreira de Melo1

Page 35

1 Introdução

As tentativas de conceituar categorias das chamadas ciências sociais ou culturais têm sido bastante tormentosas ao longo da história da Filosofia. Não obstante, sempre se procurou, com maior ou menor grau de frustração quanto aos resultados, enfrentar o grande desafio que nos traz a necessidade de separar da objetividade dos significados a serem construídos, o sentido emocional que impregnam os significantes utilizados.

Tratando-se de Ética e Direito, palavras que polarizam enorme carga emocional por parte do estudioso, essas dificuldades se mostram bem evidentes. A emotividade que lançamos sobre essas categorias, que já se incorporaram ao nosso patrimônio espiritual, forma uma capa que dificulta o acesso ao mínimo de racionalidade e de objetividade que nos permita fugir de proposições meramente emotivas, para adentrarmos epistemologicamente na análise dos conteúdos.

Page 36

Fazemos esta observação introdutória para exteriorizar nossa preocupação com as imperfeições que devam brotar das tentativas realizadas, com o propósito de demonstrar a possibilidade de tratamento objetivo na delimitação de territórios comuns da Ética e do Direito.

Se aceitarmos que, na justificação do direito vigente, deve-se considerar a tábua de valores aceita pela sociedade em referência, então a Ética, enquanto princípio dominante na formação da consciência jurídica, estará presente no julgamento axiológico de toda norma jurídica de caráter atributivo. Só essa diretriz deontológica permitirá a existência de uma política jurídica para a construção do direito que deve ser e como deva ser.

2 Sobre Ética e Moral

A palavra Ética é empregada nos meios acadêmicos com três acepções.

Numa faz-se referência a teorias que têm como objeto de estudo o comportamento moral, ou seja, como entende Adolfo Sanchez Vazquez; "[...] a teoria que pretende explicar a natureza, fundamentos e condições da moral, relacionando-a com necessidades sociais dos homens."2 Teríamos, assim, nessa acepção, o entendimento de que o fenômeno moral pode ser estudado racional e cientificamente por uma disciplina que se propõe a descrever as normas morais ou mesmo, com o auxílio de outras ciências, ser capaz de explicar valorações comportamentais.

Um segundo emprego dessa palavra é considerá-la uma categoria filosófica e mesmo parte da Filosofia, da qual se constituiria em núcleo especulativo e reflexivo sobre a complexa fenomenologia da moral na convivência humana. A Ética, como parte da Filosofia, teria por objeto refletir sobre os fundamentos da moral na busca de explicação dos fatos morais.

Henrique Cláudio de Lima Vaz, em sua obra Ética e Direito, discorrendo longamente sobre essa concepção puramente especulativa dos domínios da Ética, nas várias escolas filosóficas, entende que, embora muitas teorias contemporâneas ponham em dúvida a possibilidade de uma Ética filosófica, "[...] parece difícil admitir que uma teoria do ethos no sentido filosófico da sua justificação ou fundamentação racional possa desaparecer do horizonte cultural da nossa civilização, a menos que desapareça a própria filosofia e a civilização venha a mudar de alma e de destino."3

Numa terceira acepção, a Ética já não é entendida como objeto descritível de uma Ciência, nem tampouco como fenômeno especulativo. Trata-se agora da conduta esperada pela aplicação de regras morais no comportamento social, o que se pode resumir como qualificação do comportamento do homem enquanto ser em situação. É esse caráter normativo de Ética que a colocará em íntima conexão com o Direito.

Nesta visão, os valores morais dariam o balizamento do agir e a Ética seria assim a moral em realização, pelo reconhecimento do outro como ser de direito, especialmente de dignidade. Como se vê, a compreensão do fenômeno Ética não mais surgiria metodologicamente dos resultados de uma descrição ou de uma reflexão, mas sim, objetivamente, de um agir, de um comportamento conseqüencial, capaz de tornar possível e correta a convivência, dando-lhe inclusive o aporte estético - a correlação do bom com o belo - conceito que nos vem da filosofia clássica.4

Esta terceira possibilidade do uso da palavra Ética guarda conexão com o enunciado proposto por Max Weber como ética social ou...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT