Empresariado industrial, representação de interesses e ação política: trajetória histórica e novas configurações

AutorEli Diniz
CargoProfessora titular do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento/ Instituto de Economia/ Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPED/IE/UFRJ
Páginas101-139

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Eli Diniz

Introdução1

Este texto tem por objetivo analisar as principais características da trajetória política do empresariado industrial brasileiro ao longo das várias décadas do processo de industrialização do país.

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Quatro são os pontos a serem destacados. Em primeiro lugar, ao contrário do pressuposto da passividade salientado pela literatura sociológica convencional, os empresários industriais, desde os primórdios do desenvolvimento do capitalismo industrial brasileiro, revelaram uma alta capacidade de mobilização e de participação política na defesa de seus interesses específicos. Em segundo lugar, destacaramse por uma forma de ação essencialmente pragmática, apoiando diferentes governos e distintos regimes políticos – ditaduras ou democracias – adaptandose ao alto grau de instabilidade política típico do país desde a chamada Primeira República até meados dos anos 1980. Em terceiro lugar, durante cerca de cinco décadas, representaram um papel de destaque na sustentação política do modelo nacionaldesenvolvimentista, em seus diferentes desdobramentos, integrando as diversas coalizões políticas de apoio à ordem industrial. Nesse sentido, aderiram ao golpe militar de 1964 e integraramse ao pacto autoritário, entre 1964-1974. Finalmente, a última década (2001-2010) está marcada por importante ponto de inflexão, cuja natureza deixa de ser econômica, caracterizandose por uma dimensão essencialmente política. Refirome à socialização nos valores, regras e práticas democráticos, incluindo a aceitação do princípio da alternância do poder. Este aspecto será analisado tendo em vista o comportamento do empresariado industrial durante o primeiro governo Lula. Em contraste, uma linha de continuidade pode ser observada dos anos 30 ao atual momento. Tratase do pragmatismo doutrinárioideológico, caracterizado por sucessivas adaptações a posturas de maior ou menor alinhamento com um papel mais ativo do Estado.

1. Trajetória e ação política: um breve retrospecto

Durante a década de 1930, ainda que reticentes num primeiro momento, os empresários acabaram por incorporarse à coalizão de apoio a Getúlio Vargas. Assim, integraramse ao pacto que conduziu à transição da economia agroexportadora para a sociedade urbanoindustrial.

A estratégia da industrialização por substituição de importações (ISI), então desencadeada, baseavase em três pilares. Em

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primeiro lugar, observouse a formação de um Estado forte e protecionista, com alta capacidade de intervenção na economia e nas demais esferas da vida social. Em segundo lugar, destacouse a defesa de uma visão de planejamento econômico enquanto instrumento essencial para o desenvolvimento do país. Finalmente, ascenderam ao primeiro plano a doutrina e prática do corporativismo estatal como forma de articular as relações entre os principais atores da ordem capitalista e canalizar suas demandas para o Estado.

O suporte doutrinárioideológico desta fase resultou da confluência, em primeiro lugar, do pensamento autoritário e da doutrina corporativa2. Em segundo lugar, expressou a ascensão do pensamento industrialista, este último desenvolvido pelas principais lideranças do empresariado industrial em expansão, com destaque para a figura de Roberto Simonsen. Entre 1933-1939, o setor industrial cresceu 11,2% ao ano, superando o ritmo de crescimento da produção agrícola (DINIZ, 1978).

No período que se estende entre 1945-1961, consolidase o chamado modelo nacionaldesenvolvimentista, com forte respaldo das teorizações da CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina) para o conjunto dos países latinoamericanos e, no caso do Brasil, do pensamento do ISEB (Instituto Superior de Estudos Brasileiros). Articulouse o chamado pacto nacionaldesenvolvimentista, que teve um amplo suporte social, incluindo as forças políticas de centroesquerda, os sindicalistas, os militares nacionalistas, um expressivo segmento do empresariado industrial e setores da intelectualidade brasileira. À burguesia nacional atribuiuse um papel relevante na rede de alianças para o fortalecimento do capitalismo industrial no país. Segundo a visão dominante, a aliança com setores da burguesia industrial nacional era prérequisito para romper a hegemonia das oligarquias agrárias. Nesta fase, o Brasil experimentou altas taxas de crescimento econômico, cerca

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de 7% ao ano. O auge deste processo se deu sob o governo Juscelino Kubitschek (1956-1960), com a execução do Plano de Metas e o desenvolvimento da indústria automobilística, carrochefe do modelo industrial que se implantou.

No final do governo Kubitschek, ocorreu um importante ponto de inflexão. Entre os anos 1961 e 1964, no contexto internacional da Guerra Fria, sob o impacto de uma conjuntura econômica adversa, seguida internamente de forte instabilidade política, rompeuse a coalizão nacionaldesenvolvimentista. Num clima de polarização e confronto entre forças políticas de esquerda e de direita, os empresários industriais aliaramse às demais frações dominantes da burguesia agroexportadora e financeira, integrandose à coalizão golpista que destituiu o governo de João Goulart. Tem início o mais longo período autoritário da história política do país (1964 -1985).

Os atores empresariais integraramse ao pacto autoritário que sustentou os governos militares, responsáveis pela retomada da estratégia nacionaldesenvolvimentista, sob novas diretrizes. Aprofundouse o processo de industrialização baseado no chamado modelo do tripé: empresa nacional, empresa estrangeira e um forte setor estatal. O desenvolvimentismo militarista combinava desenvolvimento e segurança nacional, com base na doutrina da Escola Superior de Guerra, criada em 1949, e na ideologia do Brasil Grande Potência (DINIZ, 1994). O auge desta estratégia foi o Milagre Econômico (1968-1973), sob o governo do general Médici, quando o país cresceu a uma taxa anual de 10,1% ao ano, tendo a indústria alcançado o ritmo de crescimento de 12,2% ao ano3. Entre 1930 e início dos anos 1980, o Brasil havia realizado a construção de um parque industrial complexo e altamente diversificado, sendo o porte da industrialização um importante diferencial da economia brasileira em relação aos demais países latinoamericanos. Deste ponto de vista, não há dúvida de que a ISI alcançara inegável êxito.

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Foi no final dos anos 70, após as duas crises do petróleo e do colapso do modelo de Bretton Woods, que este pacto começa a desestruturarse. Nesse período, os empresários desencadeiam a campanha contra a estatização da economia, questionando o Estadoempresário e o poder discricionário da cúpula burocrática. Entre suas principais demandas, figuravam a retirada do Estado da economia, além da redução do centralismoautoritário, este percebido como responsável pelo fechamento crescente do processo decisório, alijando a classe empresarial do acesso aos principais centros de poder. Levando à prática tais princípios, integraramse à coalizão antiestatista que contribuiu para o enfraquecimento e a queda do regime autoritário. Desta forma, os empresários integraramse ao processo de liberalização política e da instauração da nova ordem democrática, entre 1975-19854.

Durante o governo Sarney, as elites empresariais tiveram intensa atuação no Congresso Constituinte, através de seus representantes diretos e de suas entidades de classe, defendendo o refluxo do Estado e o fortalecimento do mercado. Desta forma, dois importantes estudos sobre a composição da Constituinte mostram uma significativa presença de interesses ligados ao capital em contraposição à reduzida expressividade da representação dos interesses mais diretamente ligados às classes trabalhadoras (RODRIGUES, 1987; GÓES, 1987). Do ponto de vista ideológico, as lideranças empresariais retomam a conhecida equação que associa a possibilidade de vigência de um regime plenamente democrático ao predomínio do sistema econômico calcado na livre iniciativa, típica da visão liberal. Entretanto, naquele momento, ainda não se formara um consenso acerca do esgotamento do antigo padrão de desenvolvimento e da necessidade de se forjar um novo pacto em prol de uma estratégia mais adaptada às condições de uma ordem mundial globalizada.

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2. A década de 1990: os empresários e a agenda neoliberal

Quanto a este último aspecto, os anos 1990 representaram um importante ponto de inflexão na trajetória do capitalismo brasileiro. É nesta década que podemos efetivamente identificar um corte com o nacionaldesenvolvimentismo. Este momento caracterizouse, como é sabido, pela execução das reformas orientadas para o mercado. Do ponto de vista ideológico, observouse a articulação de um consenso entre os empresários em torno da postura neoliberal de questionamento do modelo econômico consagrado nas décadas anteriores. Questionavam, sobretudo, o teor estatista da estratégia desenvolvimentista. Persistiu, porém, um amplo desacordo quanto aos aspectos mais específicos do novo modelo calcado no mercado, notadamente quanto à forma e ao ritmo de implementação dos itens da nova agenda, como a privatização e a liberalização comercial. A defesa de algum grau de protecionismo, a utilização de subsídios, a concessão de tratamento especial a determinados setores, a participação dos empresários no processo decisório seriam pontos sistematicamente enfatizados nas declarações das lideranças empresariais. Cabe salientar...

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