'Empresas têm um papel não previsto em nenhuma constituição'

Entrevista concedida pelo especialista em relações internacionais e presidente da revista Foreign Policy David Rothkopf ao jornalista Luís Fernando Silva Pinto, para o programa Milênio, da Globo News. O Milênio é um programa de entrevistas, que vai ao ar pelo canal de televisão por assinatura Globo News às 23h30 de segunda-feira.

Durante séculos o poder ao redor do planeta se concentrou em países. Menos de 30 anos essa ainda era a realidade. Mas hoje corporações internacionais como o Walmart, a ExxonMobil, tem vendas anuais maiores que o produto interno bruto de todos os países do mundo, com exceção dos 25 países mais ricos. Só uma organização de caridade, a Gates Foundation, distribui mais dinheiro em projetos de saúde todos os anos do que a organização mundial de saúde das nações unidas. E um fundo de investimentos pouco conhecido de Nova York, chamado BlackRock gere 15 trilhões de dólares. Nenhum país do mundo tem tanto dinheiro. Na realidade de 2014, empresas e organizações têm presenças em todos os continentes, têm suas próprias políticas de relações exteriores, muitas vezes têm contingentes de segurança e de informação maiores e mais eficiente que o de vários países, e operam sem obedecer fronteiras. No livro Power Inc., David Rothkopf diz que a coexistência entre o poder dos países e das empresas é delicada e fundamental no século XXI. Onde houver equilíbrio, competição justa e leis prudentes a sociedade vai prosperar. Onde houver excessos, privilégios e corrupção haverá instabilidade social, pobreza e escasses. David Rothkopf é o presidente da revista Foreign Policy e é um dos mais respeitados especialistas em relações internacionais e política econômica nos Estados Unidos.

Luís Fernando Silva Pinto — Você começa seu livro Power Inc. introduzindo o desafio de equilibrar o poder público com o poder privado. Pode descrever a arena na qual... Qual é a dificuldade de se atingir esse equilíbrio?

David Rothkopf — O poder privado, o poder corporativo, foi inventado pelos governos para servir ao governo. Então as primeiras corporações que nasceram na Europa Ocidental foram criadas por governos para, como operações mercantis, para gerar receita para o governo. O que aconteceu de interessante com o passar dos séculos foi que as empresas foram crescendo ao ponto em que hoje há cerca de mil empresas que são maiores, em termos de poder econômico, do que os 100 menos governos nacionais do mundo. As empresas operam melhor globalmente, os países ficam presos às suas fronteiras, as empresas tem a capacidade de comprar influência, de uma forma ou de outra, seja através de suborno, do financiamento a políticos ou de investimentos num país e criação de empregos que beneficiam atores para que comprem influência assim. E elas também, da mesma forma, forçaram a mudança de estruturas legais dos países ao ponto de, por exemplo, aqui nos EUA as empresas terem direitos que foram criados na Constituição para pessoas: o direito à liberdade de expressão. É um excesso de simplificação, uma injustiça e um erro sugerir que todas as empresas, agindo em interesse próprio, fazem coisas ruins. Empresas criam empregos, geram inovação, geram crescimento econômico, criam oportunidades, trazem muitos benefícios ao mundo, mas sempre agem em interesse próprio. O que quero dizer é que hoje, analisando a sociedade globalizada, temos que reconhecer que esses atores econômicos privados superpoderosos têm um papel central que não foi previsto em praticamente nenhuma constituição que tenha sido escrita pelos fundadores de nenhum país do mundo. Precisamos levar isso em consideração e repensar questões de...

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