?Então, eu fui à luta!?: repensando as representações e práticas econômicas de grupos populares a partir de uma trajetória de ascensão social

AutorLúcia Helena Alves Müller
CargoDoutora em Antropologia Social pela Universidade de Brasília (UnB). Professora de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
Páginas145-172
Dossiê
“Então, eu fui à luta!”: repensando as
representações e práticas econômicas
de grupos populares a partir de uma
trajetória de ascensão social
Lúcia Helena Alves Müller*
Resumo
Esse texto traz indagações que surgiram no desenvolvimento de uma
pesquisa que tem como temática o processo, em pleno curso no Brasil
atual, de incremento do acesso de grupos populares a serviços e meca-
nismos financeiros, e de crescimento da oferta de crédito aos indivíduos
de baixa renda. Tendo como fio condutor a trajetória de uma informante,
desenvolveremos o questionamento de alguns dos pressupostos iniciais da
pesquisa e tentaremos construir novas hipóteses de trabalho que buscam
relativizar as diferenças e nuançar as fronteiras inicialmente presumidas
entre as lógicas que orientariam a vida econômico -financeira dos indiví-
duos pertencentes às camadas populares e os princípios que regeriam os
procedimentos dos agentes que lhes prestam serviços financeiros.
Palavras-chave: Antropologia Econômica, Sociologia Econômica, crédito e
consumo, classes populares e práticas econômicas, mobilidade social.
1. Introdução
Esse texto traz indagações que foram colocadas ao longo do
desenvolvimento de uma pesquisa cujo tema é o processo, em
pleno curso no Brasil atual, de incremento do acesso a serviços e
mecanismos financeiros por parte de grupos populares, e de cresci-
mento da oferta de crédito aos indivíduos de baixa renda (KUMAR,
2004; MATOSO, 2005). O objetivo da pesquisa é o de compreender
* Doutora em Antropologia Social pela Universidade de Brasília (UnB). Professora
de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul. Endereço eletrônico: lucia.helena@pucrs.br.
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Volume 8 – Nº 15 – outubro de 2009
como os grupos sociais que estão sendo incorporados ao mercado
de serviços financeiros (como resultado do incentivo das políticas
públicas ou através da ação das instituições financeiras que concor-
rem no mercado) vivenciam esse processo, e como esses recursos
e instrumentos financeiros são incorporados ao seu universo sim-
bólico e a suas práticas cotidianas. 1
A problemática embutida na formulação desse objetivo
estava ligada à idéia, dominante em nosso senso comum, de que
as instituições financeiras, assim como os seus usuários e clientes
tradicionais (profissionais, grupos dominantes) teriam suas práticas
orientadas por uma ideologia de caráter individualista, que eles
orientariam suas ações pela lógica da maximização, baseando-se
fundamentalmente no cálculo formal e abstrato.
A proposta seria, portanto, a de investigar como os indivíduos
pertencentes às camadas populares compreendem e incorporam
as ferramentas, os serviços e produtos financeiros que lhes estão
sendo oferecidos, na medida em que, de acordo com diversos au-
tores (VELHO, 1994; JARDIM (1998); SARTI (2003); FONSECA (2000,
2006); DUARTE (2008), entre outros), nos grupos populares urbanos,
as famílias constituem uma rede de relações e obrigações mútuas
que se mantém fundamental para a sobrevivência material e na de-
finição dos parâmetros simbólico da inserção social dos indivíduos.
Esses indivíduos estariam, assim, mergulhados em uma ideologia
de caráter predominantemente holista, submetidos a padrões de
comportamento e de obrigações familiares, nos quais há uma forte
demarcação de papéis sociais de gênero e de geração que impossi-
bilitam ou dificultam a formulação de um projeto individual.
Além dessas hipóteses de trabalho, com as quais guiamos
o trabalho de pesquisa, também buscávamos avaliar outras idéias
que costumam estar implícitas nas dicotomias dominantes no senso
comum. Uma delas é a de que a precariedade material faz com que
as práticas populares sejam predominantemente pautadas pelo
imediatismo e pelo cálculo prático. Outra seria a de que o predo-
1 Esse texto é resultado de uma pesquisa que contou com financiamento do
CNPq. Participou de sua realização a bolsista de Iniciação Científica da Fapergs,
Eleonora França Teixeira.

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