O princípio do equilíbrio financeiro e atuarial no sistema previdenciário brasileiro

AutorLevi Rodrigues Vaz
Páginas5-35

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1 Introdução

As reformas no Sistema de Previdência Social do Brasil, introduzidas pelas Emendas Constitucionais nº 20/1998 e nº 41/2003, promoveram diversas alterações no texto constitucional e na estrutura previdenciária brasileira.1 Um dos pontos mais discutidos foi a desconstitucionalização das regras da previdência privada, possibilitando a definição das regras por lei infraconstitucional, o que resultou na inclusão do fator previdenciário nos cálculos dos benefícios, que foi matéria de discussão de Ação Declaratória de Inconstitucionalidade. Para a previdência dos servidores públicos, o ponto de maior discussão foi a incidência de contribuição previdenciária sobre os inativos, que somente foi possível com a mudança no texto constitucional.

As discussões promovidas após as duas reformas previdenciárias limitaram-se a discutir os direitos suprimidos pelo sistema reformado. Pouco foi esclarecido sobre as novas características do sistema. O Princípio do Equilíbrio Financeiro e Atuarial, introduzido na primeira reforma, não foi discutido suficientemente em quase dez anos de existência. Apesar de ser um princípio constitucional estruturante de todo o novo sistema, pouca atenção foi dada a esse princípio que veio dar segurança ao sistema e corrigir distorções promovidas por legislações anteriores que não se preocupavam com as obrigações que os direitos concedidos geravam para toda a sociedade brasileira.

Com a instituição do Princípio do Equilíbrio Financeiro e Atuarial, uma nova fase da Previdência Social foi inaugurada, trazendo a necessidade de uma legislação que considere a necessidade de sustentabilidade financeira do sistema e que permita a concessão de benefícios com uma estreita relação com os valores contribuídos.

Apesar dessa alteração estrutural, o Princípio do Equilíbrio Financeiro e Atuarial continua obscuro. A doutrina pouco avançou nesses dez últimos anos, deixando para os técnicos atuariais e para a jurisprudência a tarefa de delimitar esse novo princípio. Assim, esse trabalho não procura esgotar o tema, mas auxiliar na compreensão do Princípio do Equilíbrio Financeiro e Atuarial no Sistema Previdenciário Brasileiro.

2 Custeio da previdência social

Antes de adentrar no estudo do Princípio do Equilíbrio Financeiro e Atuarial é necessário conhecer o sistema de custeio da Previdência Social Brasileira, para podermos compreender sua estrutura e forma de funcionamento. Assim, poderemos ter uma visão clara da aplicação do princípio constitucional em estudo.

Existem diversos modelos de previdência social no mundo. Cada país decide a maneira como irá proteger socialmente, contra infortúnios, os seus trabalhadores. Muitos fizeram transição de um sistema para outro, adotando aquele que, conforme suas políticas, melhor se adapta às suas necessidades e características. Page 6

Quanto ao custeio, os sistemas previdenciários se dividem em contributivos e não contributivos. Essa divisão leva em consideração a fonte de arrecadação da receita necessária ao desempenho da política de proteção social.

No sistema contributivo a lei especifica as pessoas que estão obrigadas a contribuir para o regime. Essas pessoas podem ser os potenciais beneficiários do regime, seus segurados, ou outras pessoas que a lei determine. No sistema não contributivo não existem pessoas obrigadas a contribuir para o custeio do sistema, o que acontece é que uma parte da arrecadação tributária geral é destinada à Previdência. Assim, toda a sociedade, através do pagamento de tributos ao Estado, está financiando seu sistema previdenciário.

Outra forma de distinção entre os sistemas previdenciários é quanto à forma de utilização dos recursos obtidos. Nas Previdências contributivas existe o sistema de repartição e o sistema de capitalização. O sistema de repartição é aquele em que existe um fundo único, para onde se destinam todas as contribuições previdenciárias. É desse fundo que saem os recursos para o financiamento dos benefícios pagos aos segurados que sofreram limitações em suas capacidades laborativas, conforme definido em lei. Esse modelo se baseia no ideal de solidariedade, "no pacto entre gerações - já que cabe à atual geração de trabalhadores em atividade pagar as contribuições que garantem os benefícios dos atuais inativos, e assim, sucessivamente, no passar dos tempos -, ideia lançada no Plano Beveridge inglês, e que até hoje norteia a maior parte dos sistemas previdenciários do mundo"2. Já o sistema de capitalização exige um determinado número de cotas para que o indivíduo tenha direito a benefícios. O que existe, nesse sistema, é a criação de um fundo individual, nos seguintes termos:

Assim, somente o próprio segurado - ou uma coletividade deles - contribui para a criação de um fundo - individual ou coletivo - com lastro suficiente para cobrir as necessidades previdenciárias dos seus integrantes. O modelo de capitalização, como é chamado, é aquele adotado nos planos individuais de previdência privada, bem como nos "fundos de pensão", as entidades fechadas de previdência 3 .

O sistema de previdência social público brasileiro se caracteriza como contributivo, quanto ao custeio, e de repartição, quanto à forma de utilização de seus recursos, definindo, assim, seu aspecto de solidariedade. Diferente do sistema de Previdência Privada que se caracteriza como um sistema de capitalização.

Além disso, a composição do sistema de Previdência no Brasil é misto, ou seja, é composto de dois sistemas: um sistema gerido pelo poder público, de filiação obrigatória para todos os trabalhadores definidos em lei, e fundado em um sistema de repartição, de fundo único; e outro sistema complementar, administrado pela iniciativa privada, de filiação facultativa, fundado em um sistema de capitalização, onde cada segurado contribui para um fundo próprio. Assim, o nosso sistema de previdência prevê Page 7 um sistema público de caráter fundamental, baseado na solidariedade social, para todos os trabalhadores brasileiros, e outro sistema privado de caráter supletivo, para aqueles que queiram complementar os valores dos benefícios que irão receber do sistema gerido pelo poder público em caso de algum infortúnio.

O sistema gerido pelo poder público se compõe do Regime Geral de Previdência Social - RGPS, do Regime Próprio dos Servidores Públicos e do Regime Próprio dos Militares dos Estados e do Distrito Federal. O sistema complementar, gerido pela iniciativa privada, se divide em regimes administrados por entidades fechadas e regimes administrados por entidades abertas de previdência privada.

Não podemos esquecer que a Previdência Social faz parte da Seguridade Social, conforme determina nossa Constituição no artigo 194, assim, a Seguridade Social compreende o Sistema de Saúde, a Previdência e a Assistência Social.

A Constituição Federal, em seu artigo 195, define que a "Seguridade Social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios". Assim, toda a sociedade deve financiar a Seguridade Social de forma direta, através das contribuições sociais listadas no artigo 195 da Constituição Federal, e, de forma indireta, através dos repasses dos recursos orçamentários. Temos, então, duas maneiras de toda a sociedade financiar a Seguridade Social, forma direta e indireta, constituindo um sistema misto de financiamento.

As contribuições sociais para a Seguridade Social têm como característica básica e imprescindível a destinação especifica de sua receita ao custeio da Seguridade Social, ou seja, a receita dessas contribuições são vinculadas diretamente ao custeio da Seguridade Social. Assim, a União somente cria contribuição para a Seguridade Social quando destina a sua receita de arrecadação ao custeio do sistema de saúde, assistência social ou previdência social, conforme artigo 195 da Constituição Federal.

A exceção a esta vinculação se dá com a DRU (Desvinculação de Receitas da União), conforme o artigo 76 do ADCT (Ato das Disposições Constitucionais Transitórias). A DRU determina a desvinculação de 20% da arrecadação de impostos ou contribuições sociais da União, instituídos ou que vierem a ser criados.

A DRU foi instituída em 1994 com vigência transitória, apesar disso, foi prorrogada diversas vezes. Sua última prorrogação se deu com a Emenda Constitucional nº 56 de 2007. Com a DRU o Governo Federal pode utilizar 20% da arrecadação das contribuições da Seguridade Social com total liberdade, sem respeitar a vinculação ao financiamento da Seguridade Social.

Dentre as contribuições da Seguridade Social, a Constituição Federal define algumas para serem destinadas especialmente ao custeio da Previdência Social, é o que diz o inciso XI do artigo 167. Nesse artigo, a Constituição veda expressamente a utilização dos recursos provenientes das contribuições dos empregadores sobre a folha de salários e demais rendimentos e dos trabalhadores para outros fins que não sejam o custeio do RGPS, o regime dos trabalhadores da iniciativa privada. Assim, essas Page 8 contribuições, que recebem o nome de Contribuições Previdenciárias, devem ser destinadas ao pagamento dos benefícios do RGPS, como aposentadorias e pensões.

O custeio do RGPS está baseado, principalmente, nas contribuições dos empregados e empregadores, em regra, no percentual de 8, 9 e 11% sobre os rendimentos do trabalhador e de 20% sobre a folha de salários, respectivamente, afirmando o seu caráter contributivo.

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