Breves considerações sobre a função descritiva da Ciência do Direito Tributário

1. Introdução

Foi publicado texto, recentemente, a respeito da função da Ciência do Direito Tributário, em que o autor[1] conclui pela adoção do assim chamado Estruturalismo Argumentativo. Para chegar a esse resultado, firma premissas que envolvem a crítica do caráter descritivo da atividade científica nos domínios do direito, consignando, a meu ver, referências isoladas, apressadas, que distam de corresponder ao pensamento dos autores citados, sobre transmitir visão superficial e incorreta de tema tão relevante para a Epistemologia Jurídica.

Não serão necessárias muitas linhas para demonstrar a improcedência dos fundamentos oferecidos pelo autor, além, é claro, de certos registros que não poderiam passar despercebidos numa leitura mais atenta de trabalho que se pretende colaborar para o aprimoramento da Ciência.

2. O sentido: aquilo que lá está sem nunca ter estado

Iniciemos pelas citações. Depois de referir-se ao “Círculo de Viena” e a Hans Kelsen como aqueles que “forjaram” a concepção segundo a qual o discurso científico há de ser meramente descritivo — o que já começa com uma proposição equivocada, uma vez que a tese é bem mais antiga, passando, com insistência, pelos empiristas ingleses — declara o autor que esse específico paradigma empírico de ciência foi recebido no âmbito da Teoria do Direito no Brasil pela obra de Lourival Vilanova. Tal linha de raciocínio teria “migrado” para a Ciência do Direito Tributário: primeiro, pela obra de Alfredo Augusto Becker, sendo difundida mais tarde por mim mesmo, no Curso de Direito Tributário.[2] Contudo, o pensamento do jusfilósofo citado é bem diferente, para não dizer oposto, àquele que o jovem professor anuncia. Para percebê-lo, bastariam dois dedos de paciência e a atenção que escritos de tal profundidade cobram incessantemente do leitor. No livro mencionado, mesma edição, encontramos:[3]

Se o formal permite a neutralidade do comportamento cognoscitivo do homem, se o homem concreto, em face das formas e de sua articulação em sistema — assim, na Lógica — comporta-se como sujeito puro, quando trava contato com o mundo dos conteúdos sociais e históricos, vem a travar contato consigo mesmo, e, em vez da relação sujeito-objeto, mescla-se essa relação com uma inevitável parcela de atividade prático-valorativa.

A propósito, é conhecidíssimo o ponto de vista de Lourival Vilanova sobre o tema da interpretação do Direito, insistindo na circunstância de que interpretar não é revelar, descobrir, mas, sim, atribuir sentido aos signos do suporte físico, conferindo-lhes significado, concepção totalmente incompatível com o que relata o autor do artigo. Aliás, a trajetória intelectual do professor pernambucano sempre foi marcada, fortemente, pela presença de sólida formação lógica, animada com os influxos do culturalismo da Escola de Baden, o que impediria, desde logo, pensar-se no mero e singelo descritivismo — naquele sentido de mera repetição — da Ciência do Direito que a ele se imputa. Não será exagero afirmar, sobre a obra do Professor Vilanova, que é a proclamação farta e solene, do caráter construtivo das ciências sociais e, dentro dela, a do Direito.

3. Descritividade crítico-explicativa

Acontece, e parece-me ocioso esclarecer, que a descritividade empregada em seus escritos é a crítico-explicativa, vale dizer, ao adjudicar significações à literalidade textual, o cientista descreve seu objeto, no caso, o ordenamento positivo, isso equivale a dizer, por outros torneios, que o termo descritividade assume feições semânticas diversas, consoante a qual dentre as quatro regiões ônticas pertença a matéria de suas preocupações, como já o afirmara Edmund Husserl em sua fenomenologia, pensador que muito influenciou os escritos do Professor Vilanova. Desse modo, tratando-se de (a) objetos físico-naturais, ensejam eles a explicação como ato gnosiológico, operando com o método empírico-indutivo, já que estão na experiência, existindo no tempo e no espaço, conquanto se manifestem neutros de valor, o que também ocorre com os (b) objetos ideais. Esses, porém, são irreais e, portanto, não se subordinam às coordenadas de tempo e espaço. Seu ato gnosiológico é a intelecção e o método próprio é o racional-dedutivo. Agora, os (c) objetos culturais, entre os quais se aloja o direito, são todos aqueles que estão na experiência, tendo existência real, contudo sempre valiosos, positiva ou negativamente. O ato gnosiológico próprio é a compreensão e o método da correspondente ciência é o empírico-dialético. Aqui, a descritividade adquire outra proporção de significado, precisamente porque a experiência é condicionada por múltiplos fatores, entre eles os econômicos, ideológicos, sócio-políticos, históricos, psicológicos etc. O plano empírico é de avaliação instável, variando muito em função da subjetividade de quem observa e analisa o território de seu interesse. Mesmo assim, para a Epistemologia, é uma conotação válida e os cientistas dela (descritividade) se utilizam para expressar os fenômenos da cultura.[4]

Vê-se que tal posição está longe de imaginar um sentido pré-constit...

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