Estruturalismo – história, definições, problemas

AutorLéa Silveira Sales
Páginas160-188

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A* o longo1 dos anos 50 e 60, as produções intelectuais francesas viveram o que se denominou retroativamente de momento estruturalista. Esperança de um espírito científico para as Ciências Humanas e contraponto à Fenomenologia, o chamado programa estrutural suscitou o interesse e a dedicação de pensadores tão distintos entre si quanto, por exemplo, Lévi-Strauss, Lacan, Foucault, Althusser ou Roland Barthes -, mesmo que alguns dentre eles tenham negado veementemente este possível rótulo. De qualquer forma, quer seja o termo estrutura recusado ou abraçado, importa que, se quisermos compreender os desdobramentos do pensamento francês assim demarcado, teremos que visitar a questão “que é o estruturalismo?”. Torna-se necessário, então, tentar circunscrever a problemática colocada por este modo de pensar investigando um pouco de sua história, algumas definições de estrutura e algumas críticas que lhe foram dirigidas. Vale informar de saída que o que será apresentado a seguir constitui apenas um entre tantos recortes possíveis e que, como tal, obviamente não pretende esgotar o assunto, mas oferecer elementos que possam apontar direções de respostas para a pergunta em jogo.

Breve histórico

Primeiramente, é preciso apontar a existência de dois tipos de conceito de estrutura e, a partir dessa distinção, delimitar a área para a qual se voltará o interesse. Segundo Pouillon ( apud LIMA, 1970), podemos falar de um “conceito diacronizado de estrutura” e de um outro conceito mais específico, próprio ao estruturalismo em seu momento francês. Fica claro, pelo resumo deste artigo, que se trata aqui de pensar mais detalhadamente o campo do segundo tipo de conceito. Quanto ao primeiro tipo, pretendemos apenas esboçar algumas linhas que lhe pertencem, pois, apesar da radicalidade de suas diferenças, é possível pensar que esse conceito diacronizado de estrutura forneça uma espécie de pano de fundo para o que queremos analisar.

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Segundo Bastide (1959), a palavra “estrutura” tem sua origem no latim structura (do verbo struere = construir), e seu primeiro sentido vem da arquitetura, significando a maneira como um edifício é construído. A partir do século XVII, seu uso sofreu uma expansão que ocorreu em duas direções: em direção ao homem, especialmente por meio de uma comparação de seu corpo com uma construção arquitetônica, e em direção às suas obras, principalmente à língua. Fazendo referência à existência de um conjunto que pode ser pensado em termos de suas partes componentes e ainda às relações que essas partes estabelecem entre si, a estrutura ganhou terreno na Anatomia e na Gramática. O que explica essa expansão do termo para outras disciplinas além da arquitetura é justamente a riqueza heurística fornecida por um método comparativo, ou seja, é possível reproduzir, de forma abstrata, o plano segundo o qual o objeto é constituído para reconhecê-lo em outros conjuntos, o que torna possível o cotejamento entre diversas totalidades (BASTIDE, op. cit.). Essa idéia de estrutura seria sinônima, de acordo com Pouillon (op. cit.), da noção de harmonia, e a observação empírica seria suficiente para captar a estrutura, pois ela pertenceria à ordem do visível. Os termos estrutura, organização, agenciamento das partes e arranjo dos elementos são substituíveis sem perda de significado.

A ampliação do conceito de estrutura para o âmbito das Ciências Humanas, ainda seguindo Bastide (op. cit . ), só foi efetivada no século XIX com Spencer, Morgan e Marx, e alcançou a consagração na obra de Durkheim com a publicação de As regras do método sociológico em 1895. Spencer toma do modelo biológico os insumos para forjar a expressão “estruturas sociais”, que nasce, assim, de um contexto organicístico – ele pensa a estrutura social em termos de organismo, apesar de ter insistido nas diferenças entre o organismo social e o organismo biológico 2 . Segundo Bastide (op. cit . ), Morgan, apesar de não falar de estruturas, mas de “sistemas de parentesco”, estava mais próximo de Lévi-Strauss porque se opunha àquela tendência naturalística.

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De fato, é o próprio Lévi-Strauss (1953) quem o situa como fundador daquele que seria o domínio específico do etnólogo: o estudo dos sistemas de parentesco. Já a contribuição de Marx está relacionada às suas importantes definições das relações entre a base, a estrutura e as superestruturas da sociedade. Lefebvre (1959) mostra que seria necessário distinguir no projeto de Marx vários termos que corresponderiam aos diversos significados de “estrutura” no estruturalismo moderno, tais como sistema, forma, todo, indivíduo e a própria palavra estrutura.

No início do século XX, surge, então, o neologismo “estruturalismo”, desta vez, no seio da Psicologia e refletindo uma postura de oposição à Psicologia funcional e ao associacionismo. Inicialmente, foram descobertas estruturas lógicas na Psicologia do pensamento da escola de Wurzburg, daí sua conclusão: “o pensamento é o espelho da lógica”. Para esta escola os processos mentais são conduzidos por uma estrutura cognitiva e motivacional subordinada a uma “tendência determinante” capaz de organizar o pensamento. Todavia, a estrutura em Psicologia foi bem mais fecunda com os trabalho de Psicologia da Gestalt desenvolvidos por Köhler, Wertheimer, Lewin e Koffka. O que existe para a Gestalt, desde o início, é a totalidade; os elementos psicológicos da experiência imediata não podem ser pensados em si mesmos como se possuíssem uma existência prévia à estruturação. Era importante descobrir, com base na suposição do isomorfismo psicofísico, as leis que determinavam esse campo organizado – leis da totalidade perceptiva, da boa forma, das relações entre figura e fundo, etc 3 .

No entanto, o método estruturalista, em sua concepção moderna e na medida em que promove conseqüências em todas as Ciências Humanas, tem sua origem nos limites da Matemática e da Lingüística. Aqui, uma referência importante é o Curso de Lingüística geral de Saussure, obra resultante das anotações de seus alunos relativas aos cursos que ele proferiu entre 1907 e 1911, e publicada em 1916. Se, para a vertente historicista da Lingüística, compreender era estabelecer a gênese e o sentido da evolução das palavras, para Saussure, no Curso de Lingüística geral , importava a inteligibilidade dos arranjos e das organizações sistemáticas.

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Por influências vindas da economia, Saussure afirmava que a história de uma palavra não dava conta de sua significação atual. Essa inversão das relações entre sistema e história é introduzida, segundo Ricoeur (1970), pela distinção entre língua e fala, e termina na formalização de três regras que serão generalizadas para outras disciplinas: a idéia de sistema, a relação entre sincronia e diacronia (com privilégio para a primeira) e o nível inconsciente, não reflexivo e não histórico das leis que operam na língua. A Lingüística saussureana tem como objeto o sistema de signos constituído pelas relações de determinação recíproca entre uma cadeia de sons (significantes) e uma cadeia de conceitos (significados):

Nesta determinação mútua, o que conta não são os termos, considerados individualmente, mas os afastamentos diferenciais; são as diferenças de som e de sentido e as relações entre ambos que constituem o sistema dos signos de uma língua. (RICOEUR, op. cit., p. 159).

A pesar de Saussure ser muitas vezes colocado como o pai fundador do estruturalismo, ele praticamente não usou o termo estrutura (e sim “sistema”), e a difusão de sua obra foi constantemente mediada pela Escola de Praga, sobretudo por Trubetzkoy e Jakobson. Certamente, não se trata apenas de uma questão de nomenclatura. Ocorre que a concepção fonológica com ênfase na sintaxe diz mais respeito às características centrais do estruturalismo tal como se difundiu pelas diversas Ciências Humanas (como veremos adiante) do que a concepção ainda semântica de Saussure 4 . Isso se reflete, por exemplo, na recusa, por parte de Jakobson, da arbitrariedade do signo e no fato de que, enquanto Saussure confundia som e fonema, Trubetzkoy dizia que o específico do fonema não era seu caráter puramente psíquico, mas que seu valor lingüístico residia exatamente em seu caráter diferencial.

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Nesta esteira é Hjelmslev quem promove o estruturalismo como programa fundador ao lançar a revista Acta Linguistica em 1939 5 . Trubetzkoy, Jakobson e Hjelmslev dão início a uma revolução epistemológica nas Ciências Humanas que passam a imaginar ter finalmente encontrado no estruturalismo aquilo que lhes garantirá um caráter verdadeiramente científico.

Essa difusão das sementes do instrumental estruturalista a partir da Lingüística como disciplina piloto na direção de todas as Ciências Humanas encontra seu primeiro solo na Antropologia por ocasião do tão famoso encontro, em Nova York, entre Lévi-Strauss e Jakobson. É lá que o filósofo convertido à Antropologia assiste às aulas do lingüista sobre fonologia estrutural, o que lhe conduz a formular tanto a tese de correspondência formal entre a língua e o sistema de parentesco, quanto o modelo da metodologia estruturalista. Nasce As estruturas elementares do parentesco , obra que se torna referência para o que será produzido em seguida.

Em paralelo a essas origens na Lingüística, é possível seguir um outro afluente: a influência, sobre os pensadores estruturalistas, daquela que é a linguagem formalizada por definição, a Matemática. Segundo Piaget (1968), a estrutura mais antiga que foi conhecida e estudada como tal foi a “estrutura de grupo”, descoberta por Galois. Vejamos como Piaget a define:

Um grupo é um conjunto de elementos (por exemplo, os números inteiros, positivos e negativos) reunidos por uma operação de composição (por...

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