Estudos, pesquisas e dados em Justiça

AutorMaria Tereza Aina Sadek - Fabiana Luci de Oliveira
Páginas15-61
CAPÍTULO 1
Estudos, pesquisas e dados em Justiça
MARIA TEREZA AINA SADEK
FABIANA LUCI DE OLIVEIRA
Nosso objetivo neste capítulo é fazer um mapeamento dos trabalhos sobre o
sistema de Justiça brasileiro que se basearam para sua realização em metodolo-
gias empíricas de pesquisa.
Para esse mapeamento observamos a produção no país tanto de dados esta-
tísticos quanto de estudos acadêmicos. E por que olhar para o passado?
Já se tornou tão usual afirmar que o país vivenciou profundas transforma-
ções nas últimas décadas, alterando significativamente seu perfil, que muitas
vezes se esquece do que foi feito no passado. A indiscutível mudança, contudo,
não nasceu do nada e tampouco justifica que se ignorem inequívocos ganhos
conquistados anteriormente.
A existência de um acervo formado por estudos e informações sobre a Jus-
tiça, suas instituições e impactos na sociedade são exemplos que demonstram
essa falácia que descreve um passado sem nada, vazio, e um depois iluminado,
com dados e pesquisas.
Assim, os adeptos deste “criacionismo” recente certamente se surpreende-
rão com as primeiras estatísticas realizadas no país, logo no início do século
XX. Com efeito, nelas, por mais inusitado que possa parecer, está reservado um
espaço significativo para questões relacionadas à Justiça. Ainda que esses esfor-
JUSTIÇA EM FOCO
16 ços não tenham se constituído em uma política, há um conjunto apreciável de
informações que não pode ser desprezado.
Da mesma forma, há um considerável número de estudos sobre o Estado e
a sociedade brasileira desenvolvidos nas primeiras décadas do século passado,
que incluíam questões relacionadas ao direito e à Justiça. A despeito de serem
interpretações genéricas, com esparsos dados empíricos, não haveria como ne-
gar a proposição de análises sobre a realidade nacional com explícitas referên-
cias a problemas de natureza legal e institucional.
Essas afirmações não implicam desconhecer o salto em quantidade e em
qualidade verificado nas últimas décadas, a partir da redemocratização do país.
A criação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tem exercido um papel rele-
vante no que se refere à coleta de dados e à preocupação com pesquisas. Por
outro lado, deve ser destacado que os cursos de ciências sociais passaram a
incorporar, com muito mais ênfase, questões relacionadas à Justiça e ao direito,
aumentando significativamente o número de teses, artigos, livros e pesquisas
nessa área temática. Mesmo as faculdades de direito, com menor tradição em
investigações de caráter empírico, têm contribuído para o crescimento da pro-
dução de estudos e pesquisas sobre as instituições de Justiça.
O que se pretende enfatizar, entretanto, é a existência de um patrimônio.
Em consequência, um balanço dos dados e pesquisas sobre a Justiça exige um
recorte temporal mais amplo, que se inicia no início do século passado.
O capítulo está dividido em duas partes. Na primeira será exposto, ainda
que sumariamente, o acervo de dados e estudos sobre a Justiça. Assim, se fará
menção às primeiras estatísticas empreendidas no país relativas à Justiça e a
como, posteriormente, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
— a mais importante instituição pública encarregada da coleta de dados — tra-
tou o tema da Justiça. Nesta parte também serão contempladas as primeiras
interpretações sobre a Justiça e seus impactos no desenvolvimento ulterior de
estudos feitos nas áreas do direito e das ciências sociais.
Na segunda parte será apresentado um mapeamento dos estudos e das pes-
quisas mais recentes realizados nos campos do direito e das ciências sociais,
tendo como tema o sistema de Justiça, suas instituições e seus integrantes.
ESTUDOS, PESQUISAS E DADOS EM JUSTIÇA
17
Estatísticas: uma percepção sobre a Justiça
Estatísticas não são neutras nem uma reprodução imparcial e completa da rea-
lidade. Os dados colhidos exibem uma imagem que acentua determinados tra-
ços e põe na sombra ou deixa de lado outros. Trata-se, mais propriamente, de
uma percepção sobre o que se considera significativo e como cada uma dessas
informações participa do conjunto.
Nesse sentido, censos demográficos apontando o tamanho da população,
suas características, atividades e instituições revelam, além de uma específica per-
cepção sobre a sociedade e seus valores, também o momento político. Assim, os
dados fazem transparecer, à sua maneira, as situações democráticas e as autori-
tárias, quais as atividades vistas como centrais e as consideradas periféricas, o di-
ferente grau de apreço às instituições e até mesmo os valores de natureza moral.
As primeiras estatísticas realizadas no país exemplificam cabalmente essas
propriedades dos dados e de sua potencialidade de compor uma determinada
imagem. Elas são anteriores à criação do IBGE.1
Os dados que compõem o primeiro anuário mais abrangente do período
republicano,2 publicado em 1916, mas referente ao período de 1908 a 1912,
são instigantes e merecem um destaque especial. Nele, há informações que vão
além da contagem populacional, modelando uma imagem do país destinada
não só à sua elite, mas voltada para divulgar o Brasil além das fronteiras nacio-
nais. Com efeito, suas legendas são bilíngues: em português e em francês.
Igualmente significativo é o fato de o Judiciário ser alçado a uma posição de
proeminência na organização estatal, sobretudo quando se leva em consideração
seu baixo grau de institucionalização e sua força efetiva na tripartição dos poderes.
São bastante completas as informações sobre o movimento processual da
mais alta corte de Justiça, sobre a organização da segurança pública e da repres-
são, bem como são abundantes as informações sobre os delitos.
1 O IBGE foi criado em 1934 e instalado em 1936, com o nome de Instituto Nacional de Estatística.
O nome atual é de 1938.
2 Em 1750, a mando da Coroa portuguesa foram colhidos os primeiros dados oficiais sobre a
população brasileira, com objetivos principalmente militares. Os primeiros anuários após a
República se restringiram a coletar informações estritamente demográficas.

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