Um eterno retorno: A (I)legitimidade sistêmica da tipificação dos delitos de trânsito no Brasil

AutorLeonel Severo Rocha - Suelen Webber
CargoPós-doutor em Sociologia do Direito pela Universita degli Studi di Lecce - Doutoranda em Direito na Universidade do Vale do Rio dos Sinos na Linha Sociedade, Novos Direitos e Transnacionalização. Bolsista CNPq
Páginas66-89
UM ETERNO RETORNO: A (I)LEGITIMIDADE SISTÊMICA DA TIPIFICAÇÃO
DOS DELITOS DE TRÂNSITO NO BRASIL
AN ETERNAL RECURRENCE: THE SYSTEMIC LEGITIMACY OF TYP IFICATION OF
TRANSIT CRIMES IN BRAZIL
Leonel Severo Rocha1
Suelen Webber2
Resumo: O presente artigo tem como objetivo central analisar qu ais são as comunicações que ressoam na
sociedade no momento da criação de uma lei penal. Tal foco impõe-se no momento em que se percebe que cada
dia aumenta o clamor social por mais punição, através do Direito Penal, para questões que não são
verdadeiramente problemas a serem administrados pelo Direito, mas por outros Subsistemas Sociais. Prova disto
são as tipificações de delitos de trânsito incorporadas pelo atual Anteprojeto do novo Códi go Penal brasileiro.
Partindo da premissa sistêmica, de que cada Sistema possui uma diferenciação e função própria, é preciso
verificar co mo o Sistema da Polít ica, responsável pela criação das leis, absorve as informações que lhe são
dirigidas, inclusive pelos Meios de Comunicação, e como isto será refletido no Sistema do Direito, responsável
por operacionalizar essas leis, e manter expectativas. Após essas considerações será possível analisar que muitas
vezes, diante dos influxos aceitos pelo Sistema da Política, as leis promulgadas carecem de legitimidade
sistêmica, e acabam gerando um paradoxo. Por fim, será possível perceber que, como as leis são feitas sem
qualquer estrutura de pesquisa sociológica, está-se em u m eterno retorno em busca de algo que permita que se
puna cada vez mais, como se isso fosse a solução.
Palavraschave: siste ma do direito, sist ema da política, meios de comunic ação, delitos d e trânsito.
Abstract: The main goal of the present paper is t o analyze the communications that resonate at t he moment
that a criminal law i s created. This focus shows it s importance as long as it is noticed that th e social clamor
for more punishment increases every day, within Criminal Law, to questions t hat are not really problems to be
managed by Law, but by other Social Subsystems. Typifications of transit c rimes incorporated by current
Preproject of the new brazilian Criminal Code are proof of that. Starting from the systemic premise, in
Luhmann's st eps, in which e very Syst em has its own differentiation and function, it is needed to verify ho w
the System of Politics, responsible for the creation of l aws, deal with in formation towards it managed, even by
mass media, and how this will be reflected in System of Law, responsi ble, subsequently, for op erationalizing
these laws, and keep so cial exp ectation. After these considerations , it will be possible to analyze that, be fore
influxes accept ed by the S ystem of Politics, which moves throu gh necessit y of acceptance b y the huge mass ,
often the laws promulgated la ck of syste mic legitimacy, so they produce a paradox. Finally, it will be possible
to notice th at, as laws are created without an y sociological research, occurs an eternal recurrence in search of
something able to make possi ble punishing even more, as it could be a solution.
Keywords: system of Law, system of politics, mass media, transit crimes.
Considerações Iniciais
O objetivo deste trabalho é observar quais as comunicações que são recepcionadas
pelo Sistema da Política quando da elaboração de uma lei penal e, a partir disto, verificar qual
a legitimidade sistêmica de uma legislação que sofreu grande interferência dos Meios de
1 Pós-doutor em Sociologia do Direito pela Universita degli Studi di Lecce. Mestre em Direito pela
Universidade Federal de Santa Catarina e Doutor pela Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales de Paris.
Atualmente é Professor Titular da Universidade do Vale do Rio dos Sinos e Coordenador Executivo do Programa
de Pós-Graduação em Direito (Mestrado e Doutorado) e Professor do curso de Mestrado da Universidade
Regional Integrada do Alto Uruguai (URI), estabelecendo Convênio PROCAD. Membro pesquisador do CNPq.
Email: leonel.rocha@uol.com.br.
2 Doutoranda em Direito na Universidade do Vale do R io dos Sinos na Linha Sociedade, Novos Direitos e
Transnacionalização. Bolsista CNPq. Email: suelenwebber@terra.com.br.
Comunicação. Assim, desde já é preciso deixar claro que o referencial teórico que sustentará o
desenvolvimento desta pesquisa é a Teoria dos Sistemas de Niklas Luhmann, aliada aos
trabalhos de diversos penalistas que também observam os problemas do Direito Penal de uma
perspectiva luhmanniana, entre eles Carlos Jara-Gómez Díez e Juan Ignacio Piña Rochefort.
A partir do momento em que as leis criadas no Brasil têm assumido u ma tendência
expansionista, ou seja, tipificando um maior número de condutas e aumentando penas de
delitos já previstos, é preciso analisar quais são as comunicações que têm fomentado este tipo
de decisão do Sistema da Política. Mais do que isso, quando se percebe que o Sistema do
Direito também vem sendo sugado por essas expectativas sociais por mais punição, é preciso
questionar quais os instrumentos de que se dispõe para enfrentar essa situação, já que ela é
colocada por outro sistema, com códigos e funções totalmente distintas.
Para trilhar o objetivo aqui proposto e poder tecer algumas considerações sobre os
problemas elencados, o artigo encontra-se dividido em duas partes. Na primeira delas, são
apresentadas algumas noções básicas de Teoria dos Sistemas, a fim de que se possa facilitar a
comunicação do que se pretende dizer com este texto, mostrando que a situação da expansão
do Direito Penal é ainda mais complexa do que a dogmática tem tratado. Nesta linha, serão
observados os códigos e funções de Sistemas como a Política, o Direito e os Meios de
Comunicação, e quais as possibilidades de uma comunicação bem sucedida entre Subsistemas
com linguagens tão distintas. Afinal, há como conciliar os interesses da Política com os
interesses do Direito?
Já no segundo ponto, a proposta foi analisar como esta comunicação entre os Sistemas
tem realmente se apresentado na prática. Para isso, analisou-se pontualmente o capítulo que
trata dos delitos de trânsito (embriaguez ao volante) no Anteprojeto do Código Penal
encaminhado ao Senado, comparando o mesmo com as legislações anteriormente postas e a
lei em vigor. Assim, a pretensão foi a de mostrar que nem tudo que é comunicado na
sociedade passa pelo filtro da Política, e nem tudo que a mídia informa efetivamente
representa os interesses de uma sociedade, embora ela tenha um grande poder de dominação,
tanto sobre o Direito e a Política, como em relação à realidade. Por fim, é o Sistema do
Direito que tem que gerenciar todas estas expectativas, e inclusive manter as expectativas do
próprio sistema. É assim que o presente artigo se desenvolve.
1 Teoria dos Sistemas e Direito Penal: algumas considerações necessárias em tempos de
expectativas de grandes mudanças de expectativas normativas
Há diversas formas de abordagem do Direito Penal na atualidade e diversos enfoques
que se modificam de acordo com esta escolha de observação: o fim do Direito Penal, que
poderá ser a proteção de bens jurídicos ou a garantia da norma; a culpabilidade; o dolo e a
função da punição. Contudo, uma discussão que antecede esses pontos (e por fim acaba
entrelaçando-se com eles) é a criação da lei que irá tipificar as condutas e moldar algumas
expectativas dos indivíduos. Assim, em uma sociedade de alta complexidade, prefere-se
estabelecer os pontos desta discussão com base na Teoria dos Sistemas Sociais Autopoiéticos
de Niklas Luhmann, que se torna interessante em tempos de discussões sobre as diversas
expectativas de punição que podem vir a ser recepcionadas ou não porque permite
observar como as comunicações advindas de diversos Sistemas têm interagido e irritado-se
neste caso específico.
Mais do que isso, neste momento de reelaboração do Código Penal, a Teoria dos
Sistemas demonstra-se a forma de observação mais elaborada, porque trabalha com a
percepção de diversos aspectos sociais, possibilitando a discussão dos mesmos.
Considerando-se que o Direito Penal tem base totalmente sociológica, mais propriamente, em

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