Inclus?o financeira e desenvolvimento rural: A import?ncia das organiza??es territoriais

AutorAdemir Antonio Cazella - F?bio Luiz B?rigo
CargoProfessor da UFSC, junto ao Programa de P?s-gradua??o em Agroecossistemas. - Doutor em Sociologia Pol?tica (UFSC).
Páginas301-334
Dossiê
Inclusão financeira e desenvolvimento rural:
A importância das organizações territoriais
Ademir Antonio Cazella*
Fábio Luiz Búrigo**
Resumo
Neste artigo são analisado s os condicionant es para a construção de
sistemas de financiamento de processos de desenvolvimento territorial
sustentável em zonas rurais. Em particular, são avaliadas as possibilidades
e os dilemas que se apresentam atualmente para a inclusão financeira
de segmentos sociais empobrecidos e para aumentar a participação das
organizações territoriais na gestão desses sistemas. Com base nesses
dois pressupostos, o trabalho aborda duas experiências empíricas que
demonstram avanços nessa direção: o Programa Crediamigo do Banco do
Nordeste e o cooperativismo de crédito solidário presente na região sul
do País. Conclui-se que os dois casos apresentam arranjos institucionais
inovadores, que têm gerado resultados relevantes em relação ao volume
de empréstimos, à área de abrangência, ao percentual de público atendido
e aos sistemas de governança. Porém, ambos necessitam aprimorar suas
formas de atuação caso desejem atender demandas de caráter intersetorial
e focadas no desenvolvimento dos territórios em que atuam.
Palavras-chave: Desenvolvimento territorial sustentável; Inclusão financei-
ra; Sistemas de governança
1. Introdução
O
objetivo principal deste artigo consiste em analisar os condi-
cionantes para a construção de sistemas de financiamento de
processos de Desenvolvimento Territorial Sustentável (DTS), espe-
cialmente voltados para o atendimento de regiões rurais brasileiras.
* Professor da UFSC, junto ao Programa de Pós-graduação em Agroecossistemas.
** Doutor em Sociologia Política (UFSC).
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Nº 14 – abril de 2009
Procura-se avaliar, em particular, as possibilidades e os dilemas
que se apresentam para a inclusão financeira de segmentos sociais
empobrecidos e para aumentar a participação das organizações
territoriais na gestão desses sistemas. Uma investigação preliminar
realizada pelos autores sobre o conjunto de organizações e arran-
jos institucionais existentes nesse setor revelou duas experiências
que atendem parcialmente esses propósitos1. Tratam-se das ações
de microcrédito empreendidas pelo Banco do Nordeste (BN) e das
atividades microfinanceiras desenvolvidas pelo cooperativismo de
crédito rural solidário, capitaneadas pela Associação Nacional das Co-
operativas de Crédito de Economia Familiar e Solidária (Ancosol).
Essas duas iniciativas, além de consolidadas – pois romperam
os limites dos chamados projetos pilotos –, apresentam um conjunto
de inovações, especialmente na formação de seus arranjos institu-
cionais e nos mecanismos de governança. Tais avanços refletem-se
no grande número de beneficiados diretos, volume de recursos fi-
nanceiros mobilizados, interface com políticas públicas, consistência
institucional, área de abrangência e, não menos importante, pré-
disposição de seus gestores para adoção dos preceitos do DTS.
O trabalho procura demonstrar, também, que as duas experi-
ências apresentam formas inéditas no sentido de ampliar-se a escala
de projetos estratégicos de desenvolvimento territorial sustentável,
rompendo os limites dos chamados “arquipélagos desarticulados”
de ações dessa natureza2. Por distintos aspectos, ambas servem,
portanto, de referência para a deflagração de iniciativas similares,
tanto em territórios onde se deseja ampliar a qualidade dos produtos
e das organizações financeiras existentes, quanto em regiões “pio-
neiras”, isto é, zonas que não possuem serviços dessa natureza.
1 Este estudo integra um projeto de pesquisa sobre a geração de novas políticas
de desenvolvimento territorial no Brasil que está sendo realizado pela equipe
do Observatório de Políticas Públicas para a Agricultura (OPPA – CPDA – UFRRJ),
com apoio do Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA).
Para os primeiros resultados referentes ao tema “Sistemas de financiamento
do desenvolvimento territorial”. ver Cazella e Búrigo (2008a).
2 Para Ignacy Sachs, em palestra proferida durante o III Fórum internacional de
modelos e instrumentos para gestão social dos territórios organizado pelo IICA
entre os dias 05 e 07/11/2008 na cidade de Fortaleza (CE), as ações de DTS pre-
cisam romper a barreira de projetos pilotos e ampliar sua escala e impactos.
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Ademir Antonio Cazella • Fábio Luiz Búrigo
Inclusão financeira e desenvolvimento rural: A importância das organizações territoriais
Dossiê
O artigo está subdividido em três partes principais, além
desta introdução. A primeira apresenta uma reflexão teórica sobre
o tema das microcrofinanças, tido aqui como política de base para a
instauração de dinâmicas de DTS. A segunda analisa o Programa Cre-
diamigo do Banco do Nordeste e o Sistema Cresol, identificado como
a experiência de cooperativismo de crédito rural mais consolidada
dentro da rede Ancosol. Por fim, a título de conclusão, um conjunto
de proposições é elencado, visando à superação, de um lado, da
predominância de linhas de financiamento baseadas em produtos ou
em atividades de caráter setorial, e de outro, da tendência de fuga de
recursos financeiros dos territórios rurais, especialmente daqueles
mais isolados do ponto de vista geográfico e econômico.
2. Pobreza rural e acesso ao crédito
No meio rural brasileiro, um contingente expressivo de ato-
res empobrecidos não integra o público prioritário das principais
agências do Estado, ONG, organizações profissionais agrícolas e
movimentos sociais e sindicais, que atuam na concepção e captação
de recursos financeiros para projetos de desenvolvimento. Dessa
forma, a ampla maioria desses projetos acaba priorizando atores que
reúnem melhores condições sociotécnicas, políticas e econômicas
para empreender no meio rural (CAZELLA, 2006).
Esse quadro exige que se supere a visão predominante de que
o meio rural brasileiro encontra-se dividido entre agricultores fami-
liares empobrecidos versus agricultores patronais bem integrados
nos mercados e, em especial, privilegiados pelas políticas agrícolas.
Não só no interior da agricultura familiar persiste um contingente
expressivo de famílias rurais invisíveis aos olhos dos diferentes
organismos de desenvolvimento, como também se desconhece o
tamanho e as estratégias de vida de assalariados sazonais, diaristas,
empreiteiros e de uma gama de microempreendedores, que se re-
produzem socialmente à margem de qualquer política ou iniciativa
formal de desenvolvimento rural.
Além disso, a compreensão de que a socioeconomia de ser-
viços financeiros territorializados e o desenvolvimento territorial
sustentável são dois corpus indissociáveis ainda encontra-se em

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