'Geração pós-Guerra achou que tinha dever de se rebelar'

Entrevista concedida pelo escritor e acadêmico holandês Ian Buruma ao jornalista Lucas Mendes , para o programa Milênio , da Globo News . O Milênio é um programa de entrevistas, que vai ao ar pelo canal de televisão por assinatura Globo News às 23h30 de segunda-feira, com repetições às 3h30, 11h30 e 17h30.

“1945: Ano Zero”. Ano do fim da Segunda Guerra Mundial, a maior da história, com a vitória dos aliados contra a Alemanha, Itália e Japão. Foi uma paz de esperança democrática de reconstrução da Europa, do nascimento da ONU. Mas também uma paz brutal, de fome, prisões, vinganças, Guerra Civil na China e sementes da Cortina de Ferro e da Guerra Fria. A polarização entre comunismo e capitalismo ganhou novos contornos. O holandês Ian Buruma, criador do “Ano Zero”, tem um currículo múltiplo. Na Holanda e no Japão estudou história, literatura chinesa e cinema japonês. Publica seus artigos nos maiores jornais do mundo. Tem trânsito livre nas universidades do Oriente e Ocidente como professor e conferencista. “Ano Zero” é seu décimo terceiro livro.

Lucas Mendes — Vamos começar pelo título do seu livro, “Ano Zero”, e pelo significado de “ano zero”. De onde veio? E provavelmente temos muitos “anos zeros” em nossa história.

Ian Buruma — Não tantos tão dramáticos como foi 1945, porque foi uma guerra mundial. Envolveu a Ásia, a Europa e o continente americano. E a expressão vem do alemão. Os alemães gostam de usar a expressão “Stunde Null”, “hora zero”. A ideia era que o mundo estava em ruínas e que eles recomeçariam do zero, o que é uma ilusão. Nunca se pode recomeçar do zero. Mas a ideia é essa.

Lucas Mendes — Então, a guerra tinha acabado. Dê-nos o contexto de como o mundo estava naquele ano.

Ian Buruma — O que todos os países tinham em comum, tirando os EUA, era que todos tinham fome. As economias tinham entrado em colapso, o abastecimento não funcionava, temia-se que houvesse fome no Japão e na Alemanha em particular, mas também em outros países, como a China. Então, era uma situação de muita penúria. No Leste Europeu, apesar disso, o povo comemorava. Os povos de todos os países comemoraram por um curto período. Na Ásia foi um pouco diferente, porque era o início dos movimentos anticolonialistas, e assim que a guerra acabou, nacionalistas anticolonialistas de países como Indonésia, colônia holandesa à época, Indochina, Malásia e outros se rebelaram contra seus colonizadores europeus, porque não queriam continuar sendo colônias.

Lucas Mendes — Vamos falar de alguns países específicos. Como estava a Alemanha? O que acontecia lá? Ainda havia centenas de milhares de nazistas, refugiados... Como era?

Ian Buruma — Dependia da zona em que você estava, porque países diferentes ocuparam partes diferentes da Alemanha: americanos, soviéticos britânicos e até franceses. Então dependia um pouco disso, mas todo mundo passava fome. Em termos econômicos, o estado era de escassez total. Dependia-se do mercado negro para conseguir comida, roupas e outras necessidades, e muitos não tinham dinheiro para isso, então era uma situação muito desesperadora. Por outro lado, muitos alemães também estavam aliviados por não terem mais um governo nazista. E muitos alemães fingiam sempre ter sido antinazistas, o que certamente nem sempre era verdade, mas a principal preocupação era que o país entrasse em colapso. A Guerra Fria não começou muito tempo depois. Ela já acontecia em 1945. Já havia uma rivalidade entre os aliados ocidentais e os soviéticos. Então, um dos motivos pelos quais os aliados ocidentais não deixaram a Alemanha entrar em colapso foi porque não queriam que as pessoas ficassem vulneráveis ao comunismo. Foi por isso que logo pararam de processar ex-nazistas. No início, houve muito entusiasmo pela punição a ex-nazistas, mas eles logo perceberam que, para reerguer um país daquele porte, precisariam da velha elite, e grande parte dela tinha colaborado com Hitler. O mesmo aconteceu no Japão.

Lucas Mendes — Os aliados ocidentais queriam, como descreve em seu...

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