Habermas e o outro do saber jurídico

AutorJosé Carlos dos Santos
CargoDoutor pela Universidade Federal do Paraná. Docente efetivo do Curso de Direito da Universidade Estadual do Oeste do Paraná
Páginas445-470
SANTOS, J. C. 445
Rev. Ciên. Jur. e Soc. da Unipar, v. 11, n. 2, p. 445-470, jul./dez. 2008
HABERMAS E O OUTRO DO SABER JURÍDICO
José Carlos dos Santos*
SANTOS, J. C. Habermas e o outro do saber jurídico. Rev. Ciên. Jur. e Soc. da
Unipar. Umuarama. v. 11, n. 2, p. 445-470, jul./dez. 2008.
RESUMO: O pensamento habermasiano é uma das grandes referências para
pensar losocamente os parâmetros da modernidade. De modo especial, quan-
do devemos pensar a losoa do direito, contribui para uma retomada critica da
tradição kantiana, propondo o agir comunicativo como forma de ruptura de uma
tradição positivista, que remeteu o direito a um fazer técnico restringente das
experiências forjadas no agir cotidiano. Neste artigo, demonstram-se as fontes
do pensamento do autor, de modo especial a hermenêutica e o construtivismo,
como vertentes do pensamento do autor e apontam-se implicações destas para a
superação do tecnicismo jurídico.
PALAVRAS-CHAVE: Validade. Soberania. Agir comunicativo. Ensino jurídi-
co.
1- INTRODUÇÃO
Jürgen Habermas, em conferência proferida em junho de 1981, promo-
vida pela Associação Hegeliana Internacional, retomou um tema fundamental
nas discussões feitas no Brasil sobre os parâmetros da modernidade. Este tema
vem, há pelo menos uma década, ocupando todas as áreas de conhecimento, o
que pode ser percebido através da intensa produção bibliográca, eventos, pro-
duções acadêmicas – dissertações e teses etc.
À moda de muitos autores, o autor situa a discussão a partir de um pon-
to bastante visível, qual seja, o de apontar os limites do conhecimento racional,
fundador da modernidade. Embora a vários autores possa ser atribuído este peso
de “fundadores”, Habermas se utiliza dos fundamentos losócos propostos por
Kant. Segundo as palavras do autor, “Kant coloca, no lugar do conceito substan-
cial de razão, da tradição metafísica, o conceito de uma razão que se dividiu em
seus elementos e cuja unidade de agora em diante só tem caráter formal.” (2003,
p. 18). O reclamo de Habermas se faz no sentido de que uma metafísica – ou
teoria do conhecimento – ocupa o lugar da razão prática. A modernidade seria,
então, o mundo do saber instrumental e cienticamente analítico-dedutivo.
Esta marca procedimental dos campos de saber, e neste caso, especi-
*Doutor pela Universidade Federal do Paraná. Docente efetivo do Curso de Direito da Universidade
Estadual do Oeste do Paraná. e.mail: jcarlos@rondotec.com.br
Habermas e o outro do saber jurídico
446
Rev. Ciên. Jur. e Soc. da Unipar, v. 11, n. 2, p. 445-470, jul./dez. 2008
camente do saber jurídico, importa ser pensado para o autor. O modo de procedi-
mento na construção ou aplicação do conhecimento foi sedimentado pela visão
kantiana, criando um reducionismo para a compreensão dos fenômenos sociais.
O dever ser kantiano assumiu uma postura de sobreposição ao vivido cotidiano,
ignorando regras e éticas que emanam das pessoas e não dos sistemas, porque es-
tes são, a priori, estabelecidos como práticas normativas metafísicas e superiores
ao universo da experiência individual. Neste ponto reside toda a discussão sobre
a modernidade habermasiana. Por questão de delimitação, demonstraremos os
fundamentos construtivistas e hermenêuticos propostos pelo autor como forma
de pensar o agir comunicativo, fórmula proposta pelo autor como meio de supe-
ração do tecnicismo da modernidade.
2. DESENVOLVIMENTO
2.1- Como Kant imaginou o conhecimento cientíco
Antes de avançar, faz-se necessário entender melhor a proposição feita
por Emanuel Kant sobre conhecimento e que Habermas aponta como limite da
compreensão dos fenômenos sociais. Em Critica da Razão Pura, Kant armou:
Até hoje se admitia que o nosso conhecimento se devia regular pelos objetos;
porém, todas as tentativas para descobrir a priori, mediante conceitos, algo que
ampliasse o nosso conhecimento, malogravam-se estes pressupostos. Tentemos,
pois, uma vez, experimentar se não se resolverão melhor as tarefas da metafísi-
ca, admitindo que os objetos se deveriam regular pelo nosso conhecimento [...]
(2004, p. 34)
A proposição se fundamenta no velho dilema sobre a ação da razão.
Ao pensar o conhecimento empírico, Kant deniu como aquele que ocorre a
posteriori, ao passar pelo crivo de um pensamento metafísico. Este movimento
do conhecimento seria daquele que se refere aos dados fornecidos pelos sentidos.
Há, então, um processo mental descolado de todo ambiente gerador do conhe-
cimento, ou seja, apenas processado mentalmente pelo sujeito que conhece e a
partir de conceitos universais fornecidos pela cultura de que tal experiência do
conhecer faz parte.
Este ato gerador do conhecimento, contudo, vem fundamentado pelo
conhecimento puro, aquele que ocorre a priori. Esse movimento de isolamento
ocorreria no momento em que a reexão seria uma espécie de “elevação” da
alma – no sentido Agostiniano. A elevação seria a puricação, o contato com
uma compreensão supranatural, desligada dos interesses imediatos. Consistiria
na universalidade do saber. Na ordem do conhecimento, então, estaria assim pos-
ta a questão kantiana do conhecimento: o ato de conhecer está fundamentado

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT