Separação, igualdade, aproximação. Três modelos da relação estado-igreja

AutorWinfried Brugger
Páginas15-32

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Introdução

A questão sobre como os Estados devem tratar a religião é um dos temas mais polêmicos da atualidade. Isso se torna mais evidente quando deciframos o conceito Religião e assim temos o problema mais claramente diante de nós: 12

Primeiramente, religiões aparecem no plural, o que nos conduz à questão de como se deve lidar com o pluralismo religioso: todas as religiões devem ser tratadas de forma igualitária? Deve a religião tradicionalmente sedimentada em um país, no caso do Ocidente o Cristianismo e no Oriente Médio o Islamismo, possuir certos privilégios? Ou deveria ser exatamente o contrário: as religiões minoritárias devem ser fortalecidas face às religiões majoritárias?

Em segundo lugar, religiões aparecem em versões moderadas e adaptadas aos valores sociais, bem como em variantes radicalmente fundamentalistas. Pense-se em algumas variantes do Islamismo. Como Direito e Estado devem reagir quando sanções Page 16 contra a parte fundamentalista são classificadas como preconceito/animosidade implícita e desconsideração da religião em geral, o que ameaça uma colisão de culturas e religiões?

Em terceiro lugar, discute-se se as religiões e os órgãos estatais prosperam estando em grande distância ou em proximidade. Qual dos casos pode ser melhor para cada um, mas também para o bem de toda a sociedade, que deve igualmente integrar e compreender os interesses religiosos e secular-estatais?

Estes são grandes e complexos temas para cuja solução não há uma saída mágica. Primeiramente, vou apresentar os pressupostos mínimos de uma cisão ou separação dos âmbitos de Estado e religião ou igreja, bem como da garantia de liberdade e igualdade de religião, válidos para a Modernidade e para o entendimento atual dos Direitos Humanos. (I.) Na sequência serão apresentados três modelos de equilíbrio diferenciado dos critérios de separação, igualdade e proximidade inclusive de seus pontos fortes e fracos. (II., III., IV), de forma que deve ser criada, nas controvérsias atuais sobre religião, uma base mais informadora para a reflexão sobre a 'correta' relação entre Estado e igreja.

I O ponto de partida jurídico: separação entre estado e igreja, garantia de liberdade e igualdade de religião

Com a formulação 'separação fundamental dos âmbitos do Estado e da religião ou igreja'3 excluem-se, já de início, sistemas Estado-Igreja, caracterizados pela ampla identificação ou união de domínio espiritual e secular, que, portanto, não aponta nenhuma ou quase nenhuma distância entre si.4 Hoje encontramos sistemas unitários em alguns Estados islâmicos. Eles influenciaram por muito tempo também na história europeia, como no Santo Império Romano, a princípio homogeneamente cristão (entretanto, com concorrência interna entre o Papa e o Imperador) e depois, após a Reforma, na bipartição das igrejas estatais católicas e evangélicas, no âmbito do regime cuius regio, eius religio.5

Movemo-nos aqui, portanto, num âmbito apresentado por modernas Constituições e catálogos de Direitos Fundamentais e de Direitos Humanos: fundamentalmente está claro que em uma ancoragem de liberdade de religião e visão de mundo, como no art. 4º da Lei Fundamental alemã6, não é possível uma relação Estado-Igreja no âmbito da Page 17 identificação material; o art. 137 I da Constituição de Weimar7, incorporado na Lei Fundamental de 1949 pelo art. 140, com a afirmação de que "não há igreja estatal", é uma expressão clara dessa distinção. Um sistema eclesiástico-estatal com união material de Estado e Igreja iria confundir-se já em sua estrutura e poder de coerção de natureza interna e externa, tornando impossível uma livre decisão de fé/crença e impedindo, em geral, uma igualdade de religião, seja ela de que natureza fosse. Aos Direitos Humanos se aplica algo semelhante, apesar dos Pactos Modernos de Direitos Humanos, como a Convenção Europeia de Direitos Humanos, garantirem somente direitos subjetivos e não prescreverem, como tal, as estruturas organizacionais dos Estados - isso excederia seu âmbito de atuação.8 Apesar disso, o patamar dos Direitos Humanos pode excluir certas estruturas organizacionais como no âmbito nacional-estatal sobre a garantia dos Direitos Fundamentais. Impede-se, de toda forma, sistemas de união entre Estado e Igreja nacional, desde que não prevejam, jus materialmente, liberdade e igualdade de religião de forma ampla, como é o caso característico para as igrejas estatais formais, cite-se o Reino Unido da Grã-Bretanha.9

O Direito moderno prescreve, portanto, três pressupostos para as relações atuais entre Estado e Igreja: cisão (distância ou separação em sentido amplo10), liberdade e igualdade, o que leva à questão sobre se e até que ponto pode-se pensar em aproximações entre Estado e Igreja no seu âmbito. Todas as três características podem ser entendidas em uma determinação mínima dissociada, permeável e disposta ao compromisso ou de uma forma estrita, rigorosa, absoluta ou concorrente; o esquema seguinte resume isso literalmente.

Os três modelos apresentados a seguir de separação (II.), igualdade (III.) e aproximação (IV.) mantém-se no âmbito das exigências mínimas do pensamento jurídico e constitucional moderno.11 Textos constitucionais ou decisões de Tribunais podem, naturalmente, dizer algo diferente e privilegiar um dos três modelos. Eles Page 18 podem prever, como na França, algo como a laicidade, com a maior distância possível entre Estado e Igreja. Mas isso também não seria um impedimento para nossa reflexão como cidadãos, juristas e cientistas, pois os textos constitucionais podem ser modificados e os Tribunais podem mudar sua jurisprudência. Isso significa que no parâmetro mínimo apontado da moderna organização Estado-Igreja são possíveis outros modelos com diferentes prioridades12, sobre os quais é necessária uma discussão aberta face ao crescente significado da esfera religiosa bem como do conflito dessas questões. Tal discussão pode ser elucidada através de uma clara visão sobre as diversas prioridades nos três modelos a serem apresentados - separação, igualdade, proximidade.13

Pressupostos mínimos da relação Estado-Igreja e amplas determinações nos três modelos de distância, igualdade e proximidade

Estado moderno e Pactos dos Direitos Humanos Pressuposto mínimo: Modelo da cisão ou separação Exigência intensificada: Modelo da separação estrita e da grande distância no 1º modelo
Liberdade de religião exclui coação jurídica e acentuada coação fática exclui no 1º modelo qualquer forma de coação psicológica ou mesmo distanciada
Igualdade de religião exclui desvantagens jurídicas e discriminações fáticas acentuadas exclui no 1º modelo qualquer forma de tratamento desigual, mesmo que de natureza marginal. Alternativamente: Permite ou possibilita fomento da minoria no 2º modelo
Possível aproximação entre Estado e religião/igreja? Proximidade, reconhecimento, fomento possíveis desde que âmbitos nucleares e mensagens nucleares permaneçam separadas No 1º modelo: proíbe qualquer forma de aproximação, pois recomenda-se o maior distanciamento possível. Alternativamente: permite aproximação no âmbito das religiões minoritárias (2º modelo) ou da religião tradicional (3º modelo)
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II O primeiro modelo: liberdade das religiões do estado através de grande distância e separação estrita

Partamos, primeiramente, de uma prioridade do Direito Fundamental de liberdade de religião e interpretemos isso não somente de forma minimalista através de certa distância dos dois poderes, como o Direito moderno certamente pressupõe, e sim através do pensamento da separação estrita.14 Ampla liberdade de religião significa, com isso, maior distância entre Estado e religião em si, bem como das outras religiões, pois na maior distância do poder estatal, como pressupõe essa premissa, fiéis e igrejas podem desenvolver-se livremente sem a coerção do poder estatal. Em maior distância as religiões podem desenvolver sua doutrina de forma mais pura, formular suas próprias regras e as aplicar. Tal regime é uma vantagem, a princípio, para todas as religiões, mas faticamente ganham, primeiramente, as religiões minoritárias, para o caso de não serem bem vistas, até mesmo desprezadas ou combatidas pelos poderes dominantes na política ou também por religiões mainstream,15 o que vale, na Alemanha, para as chamadas 'seitas'. Mas no modelo de distanciamento é difícil proibir ou regulamentar de fora. No modelo da distância qualquer religião é igual para o Estado, tem igual validade, mas é também indiferente. Tanto faz se a comunidade religiosa é grande ou pequena, rica ou pobre, comporta-se ponderada ou radicalmente, condiz com os valores constitucionais ou os recusa, o Estado não se ocupa disso, a princípio. Religiões são simplesmente Page 20 concorrentes no amplo e desenfreado mercado da transcendência. O modelo subentende, além disso, que tal distância não é somente para as religiões, mas também para o poder secular.16 Este se omite das disputas fundamentalistas que às vezes, ou também frequentemente, ocorrem entre as religiões isoladas, e se concentra na preservação dos interesses seculares de proteção da vida, bem estar e não violência.17

O limite para a proteção da distância está lá onde uma comunidade de fé torna-se externamente violenta e com isso ameaça a paz geral e a proteção da vida como bem secular, de toda forma, quando da presença de uma violência evidente e direta.18 O limite da proteção da distância também repousa, possivelmente, onde internamente se usa de coerção e violência contra fiéis ou se pratica...

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