Acéfalo III - IV

AutorFernando Scheibe
Páginas169-221
Tradução – Revista Acéfalo III – IV – Fernando Scheibe Boletim de Pesquisa NELIC v. 9, nº 14. 2009.2
ACÉFALO
III – IV
DIONYSOS
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Tradução – Revista Acéfalo III – IV – Fernando Scheibe Boletim de Pesquisa NELIC v. 9, nº 14. 2009.2
D I O N Y S O S
# Toda a antigüidade viu Dionysos como o dispensador* do
vinho. Mas ela o conheceu também como o Frenético que faz
dos homens possessos, que os leva à selvajaria, que os faz
mesmo espalhar sangue. Dionysos era o familiar e o
companheiro das almas dos mortos e misteriosas
consagrações o nomeavam seu mestre. É a seu culto que
pertencia a representação dramática... É ele quem fazia
nascer as flores da primavera; a hera, o pinho, a figueira
eram-lhe ligados; mas o dom mil vezes bendito da vinha deve
ser colocado muito acima desses benefícios da natureza.
Dionysos era o deus da embriaguez feliz e do amor extático.
Mas ele era também o Perseguido, o Sofrente, o Morrente e
todos aqueles que amava e que o acompanhavam deviam
tomar parte em sua sorte trágica (Walter Otto, Dionysos,
Frankfurt, 1933, p. 49).
# Quem é Dionysos?
O deus do êxtase e do pavor, da selvajaria e da entrega feliz,
o deus louco, cuja aparição põe os homens em delírio,
manifesta já em sua concepção e em seu nascimento o
caráter misterioso e contraditório de seu ser.
Ele era o filho de Zeus e de uma mortal. Mas antes de tê-lo
posto no mundo, esta foi queimada no fogo de raio de seu
noivo celeste (Dionysos, p. 62).
# Assim como os mitos do nascimento, os mitos da aparição
de Dionysos manifestam também já muito de sua essência.
Em sua concepção, o elemento terrestre tinha sido tocado
pelo estalo do céu divino. Mas na associação do celeste e do
terrestre que se exprime no mito do duplo nascimento, o
* N.d.T.: dispensateur: generoso distribuidor.
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Tradução – Revista Acéfalo III – IV – Fernando Scheibe Boletim de Pesquisa NELIC v. 9, nº 14. 2009.2
caráter pesado de lágrimas da vida humana não era
suprimido (levé) mas mantido em contradição brutal com o
esplendor sobre-humano. Aquele que nasceu assim não é
somente aquele que grita de alegria, aquele que aporta a
alegria, ele é o deus doloroso e morrente, o deus da
contradição trágica. E a violência interior dessa dupla
natureza é tão grande que entra como uma tempestade no
meio (milieu) dos homens que ela terrifica e dos quais ela
abate a resistência com o chicote da loucura. Tudo o que é
habitual e ordenado deve saltar em estalos. A existência
devém subitamente embriaguez — embriaguez da felicidade
estalante, mas também embriaguez do espanto (Dionysos, p.
74).
# Quando Dionysos veio a Argos, como não queriam celebrar
seu culto, ele tornou as mulheres dementes a tal ponto que
elas fugiram para a montanha e dilaceraram as carnes de
seus filhos recém-nascidos... Aura, amada de Dionysos,
matou e devorou um de seus filhos de pouca idade...
(Dionysos, p. 98-99)
# Um deus frenético! Um Deus à essência do qual pertence
ser louco! Que viveram ou viram os homens aos quais se
impunha o que há de impossível nessa representação?
A cara desse verdadeiro deus é a cara de um mundo. Não
pode haver deus louco a menos que exista um mundo louco
que se manifeste por ele. Onde está este mundo? Pode ele
ainda ser achado e reconhecido por nós? Só o deus ele-
mesmo pode nos ajudar nessa via...
Aquele que engendra o vivente deve se engolir nas
profundezas originais, moradas das potências da vida. E
quando ele revém à superfície, há um estalo de loucura em
seus olhos, porque lá, embaixo, a morte coabita com a vida.
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