O interesse constitucional na investigação de paternidade oficiosa

AutorDiego Pimenta Moraes
CargoDiscente em Direito pelas Faculdades de Vitória (FDV)
Páginas120-134

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Introdução

Com o fulcro da Constituição Federal de 1988, também denominada Constituição Cidadã, o Brasil ingressou em um novo momento de consagração de direitos fundamentais, de dimensões da cidadania e de respeito às eras de direito.

O simples fato de romper com a lógica ditatorial esculpida pelos militares e “legitimada” (ou mesmo acobertada) pelo ordenamento jurídico anterior, estabelece, na sociedade brasileira, um momento de se preocupar com o elemento povo. Dentro dessa perspectiva, de cunho mais humanitário, a nova Carta Constitucional direciona o Estado brasileiro para a real promoção de políticas públicas que visem assegurar as garantias mínimas e os direitos fundamentais de todos os cidadãos.

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Especialmente, no que tange às crianças, a referida Carta Magna demonstrou total interesse de assegurar uma tutela especial, assim sobre o viés do capítulo VII (Da Família, da Criança, do Adolescente e do Idoso) esculpiu uma proteção especial aos menores, exigindo, pois, do legislador infraconstitucional o mesmo cuidado na proteção dos direitos destes pequenos cidadãos.

Pautadas em tal perspectiva, urgiram, em nosso ordenamento, legislações específicas de proteção ao menor, vide a lei nº 8.069/90 (conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente - ECRIAD) que, em seu bojo normativo, busca garantir a Proteção Integral a tais brasileiros. Inclusive, segundo Murillo José Digiácomo1, o Estatuto da Criança e do Adolescente “estabeleceu diversos mecanismos que, se corretamente interpretados e aplicados, sem a menor sombra de dúvida têm reais condições de garantir a cidadania plena de todas as crianças e adolescentes, deflagrando, assim, um processo de verdadeira transformação social que irá impulsionar o desenvolvimento do Brasil num ritmo até então nunca visto”.

Obviamente, o papel protetivo aos menores não se restringe ao ECRIAD, diversas outras leis asseguram a proteção integral dos direitos das crianças. Destaca-se a lei nº 8.560/92, que em seu parágrafo 2º institui a Investigação de Paternidade Oficiosa. Vale ressaltar que a lei nº 8.560, de 29 de dezembro de 1992, estabeleceu novas diretrizes para a investigação de paternidade no ordenamento brasileiro. Dentre as diversas alterações trazidas pelo novo dispositivo legal, destaca-se: a regulamentação das formas de reconhecimento de paternidade; a investigação de paternidade oficiosa; a vedação de registros na certidão que indique a procedência conjugal ou extraconjugal do filho, entre outras.

Voltando ao cerne deste trabalho, é imprescindível delinear o assunto, começando pelo entendimento de como se dá o reconhecimento de paternidade. De regra, este pode ser feito de duas formas, quais sejam: por desejo espontâneo, já que tanto o pai quanto a mãe podem revelar o vínculo que os liga ao filho de maneira voluntária, ou por meio de sentença judicial proferida para este fim (reconhecimento judicial).

Em se tratando do reconhecimento espontâneo, frisa-se que este se dá por diversos mecanismos, a saber: firmação no termo de nascimento; reconhecimento por escritura pública; reconhecimento por testamento e manifestação direta e expressa perante o magistrado (termo nos autos). Já no que tange ao reconhecimento judicial, há que se considerar que ele é feito via de investigação, pela qual o filho ou representante propõe ação visando obter a declaração de paternidade ou de maternidade (conforme o caso).

Entretanto, como exceção a essas formas de reconhecimento, estabeleceu a lei nº 8.560/92, a investigação de paternidade oficiosa. Literalmente, dispõe em seu artigo segundo2:

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Art. 2º Em registro de nascimento de menor apenas com a maternidade estabelecida, o oficial remeterá ao juiz certidão integral do registro e o nome e prenome, profissão, identidade e residência do suposto pai, a fim de ser averiguada oficiosamente a procedência da alegação.

§ 1º O juiz, sempre que possível, ouvirá a mãe sobre a paternidade alegada e mandará, em qualquer caso, notificar o suposto pai, independente de seu estado civil, para que se manifeste sobre a paternidade que lhe é atribuída.

§ 2º O juiz, quando entender necessário, determinará que a diligência seja realizada em segredo de justiça.

§ 3º No caso do suposto pai confirmar expressamente a paternidade, será lavrado termo de reconhecimento e remetida certidão ao oficial do registro, para a devida averbação.

§ 4º Se o suposto pai não atender no prazo de trinta dias, a notificação judicial, ou negar a alegada paternidade, o juiz remeterá os autos ao representante do Ministério Público para que intente, havendo elementos suficientes, a ação de investigação de paternidade.

§ 5º A iniciativa conferida ao Ministério não impede a quem tenha legítimo interesse de intentar investigação, visando a obter o pretendido reconhecimento da paternidade.

Diante de tal exposição, constata-se que nasceu em nosso ordenamento jurídico uma nova forma de reconhecimento de filiação. Trata-se de um procedimento obrigatório, que tem a sua importância na medida em que o Estado reconhece a necessidade de assegurar a todos uma paternidade, mesmo que apenas (documental) no registro de nascimento.

Dentro de tal lógica, o presente artigo busca articular a paridade deste procedimento administrativo como a nova ordem constitucional, valorando princípios e normas de direitos fundamentais, bem como, examinar o caminho do legislador na produção desta modalidade investigativa de paternidade. Desta forma, aborda o texto: a investigação de paternidade oficiosa em seus aspectos gerais, tratando-se, na verdade, da funcionalidade prática de tal procedimento investigativo; as fundamentações legais e o interesse constitucional na efetivação deste procedimento, momento em que se abordam os direitos do menor que são protegidos pelo reconhecimento de paternidade; objetivos gerais e fundamentações da norma (que institui a investigação de paternidade oficiosa), em outras palavras, trata-se da exposição do desejo normativo de se garantir a identidade moral, a perfeita socialização e o amparo econômico do menor; suporte e avanço à cidadania (propiciado pela efetivação do registro), vislumbrando a premissa de que um registro de nascimento completo é pressuposto de cidadania; o papel da investigação de paternidade oficiosa no desenvolvimento e na garantia dos direitos fundamentais (sobretudo, dignidade humana e personalidade) do menor e, por fim, um último tópico que explana a contradição de se ter uma norma que impera para criar uma “paternidade” que sequer atende aos pressupostos mais importantes de sua existência.

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Frisa-se, que para conduzir o raciocínio do artigo, será utilizado a abordagem metodológica hipotética dedutiva, amparada por um procedimento monográfico3. Com efeito, o trabalho se desenvolverá com um cunho teórico buscando aprofundar o estudo da investigação de paternidade oficiosa e seus embasamentos na Constituição Federal. Outrossim, frisa-se que se trata de uma pesquisa descritiva4 utilizando por base documentos bibliográficos, com os quais se pretende compilar diversas informações acerca do tema proposto.

É sempre conveniente ressaltar que a relevância do tema investigação de paternidade oficiosa reside no fato de que se propôs o legislador constitucional a uma proteção especial ao menor. À conta disso a lei 8.560/92, além de ditar novos padrões para a investigação de paternidade, inovou com a criação do procedimento de investigação de paternidade oficioso.

Por fim, afirma-se que, consoante a tal inovação legal, o presente artigo pretende afirmar, dentro da perspectiva da investigação de paternidade oficiosa, os direitos do menor garantidos por tal procedimento.

1. Aspectos gerais da investigação de paternidade oficiosa

Inspirado no Direito Luso5, a legislação brasileira, em 29 de dezembro de 1992, incorporou, em seu bojo normativo, mais uma espécie de investigação de paternidade. Trata-se da Investigação de paternidade oficiosa, que, como prescreve o “caput” do artigo 2º da lei 8.560, é um procedimento segundo o qual, diante de um registro que contenha apenas o nome da mãe do menor, o oficial de registro remeterá ao juiz certidão integral do registro, bem como o nome e o prenome, a profissão, a identidade e a residência do suposto pai, no intuito de que o magistrado averigúe a procedência da alegação.

Frisa-se que, para tal caso, o suposto pai pode ou não aceitar a imputação de paternidade. Na primeira hipótese, terá que assinar o termo de reconhecimento de paternidade lavrado pelo juiz de registros público. E, na segunda hipótese, basta refutar a imputação que lhe foi atribuída. Sendo que, na última conjetura restará ao Ministério Publico (MP) a legitimidade para que, de acordo com sua discricionariedade e seu juízo de valor, ajuíze ou não uma ação de investigação de paternidade, usando como base os instrumentos probatórios produzidos na investigação oficiosa.

Inclusive, há que se considerar que a investigação de paternidade oficiosa, não exaure a legitimidade do menor (ocasionalmente assistido por sua mãe, pelo tutor ou pelo curador), bem como sua faculdade, de propor tal ação na vara de família.

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Ainda acerca do procedimento de investigação de paternidade oficiosa, é proveitoso observar que tem a competência para tais casos a vara de registro civil de pessoas naturais, e não o juiz da vara de família. A lógica jurídica para tal opção de competência se dá em razão de que seria uma ofensa à imparcialidade dos magistrados...

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