Irmandade Muçulmana falhou no Egito por inexperiência

Entrevista concedida pela escritora Alison Pargeter ao jornalista Silio Boccanera, para o programa Milênio , da Globo News . O Milênio é um programa de entrevistas, que vai ao ar pelo canal de televisão por assinatura Globo News às 23h30 de segunda-feira, com repetições às 3h30, 11h30 e 17h30.

A crise política no Egito joga luzes sobre uma das mais influentes organizações do mundo árabe: a Irmandade Muçulmana. Criada no Egito há 85 anos, a Irmandade inspirou a cópia de organizações parecidas em outros países árabes. Todas reprimidas ao longo dos anos pelos regimes autoritários da região. Hamas, por exemplo, na faixa de Gaza, surgiu da Irmandade. Com seus líderes periodicamente presos ou executados, a Irmandade sobreviveu na clandestinidade em vários países. Realizou trabalhos de assistência em comunidades pobres, onde ganhou o respeito que iria ajudá-la a conquistar votos depois das revoltas populares conhecidas como Primavera Árabe. Chegou ao poder no Egito com maioria no parlamento e presidência em mãos de seu ex-líder Mohammed Morsi. Até que um golpe militar afastou do poder o presidente e a irmandade. Continua no poder na Tunísia, onde quem assumiu após rebelião popular foi a coirmã Ennahda. E na Líbia, ainda em transição, a irmandade tem influência no governo provisório, como tem entre as variadas forças de oposição em luta contra o regime de Bashar al-Assad na Síria. Para entender melhor essa organização tão influente na nova dinâmica do Oriente Médio, o Milênio procurou em Kent, perto de Londres, Alison Pargeter, autora de livro recém-atualizado sobre a Irmandade Muçulmana

Silio Boccanera — A Irmandade Muçulmana existe há 85 anos, foi fundada no Egito, e passou quase toda sua existência na clandestinidade, reprimida pelos sucessivos regimes militares — Nasser, Sadat, Mubarak e tudo o mais. E parece que eles vão voltar a isso. Eles sentem confortáveis assim? Como oposição clandestina?

Alison Pargeter — Devo concordar com você. Provavelmente, sim. Sendo as vítimas, os perseguidos. É sempre muito mais fácil ser a oposição do que estar no poder e lidar com a realidade disso. Sempre houve a preocupação na Irmandade de que quanto mais se envolvem em política de verdade, mais eles são forçados a se tornarem seculares. Por causa do dia a dia governamental, perderiam o apoio de base, que os apoia justamente porque eles representam o islã, algo puro, imaculado, incorrupto. Fizeram na hora certa, era a chance deles. É claro que adorariam continuar lá, mas é mais fácil e confortável voltarem a ser uma oposição clandestina.

Silio Boccanera — Vamos tentar entender a ideologia da Irmandade. O que eles defendem? Uma pergunta simples.

Alison Pargeter — Eles vieram de uma tradição do século XIX, reformista. No mundo islâmico, acreditava-se ser necessário um retorno às raízes do islã. Isso era uma reação contra a modernização, a ocidentalização e contra o colonialismo. Acreditava-se que o mundo islâmico só seria bom de novo se voltasse às suas raízes autênticas, às raízes do islã. A Irmandade surgiu nessa tradição. É um movimento reformista que acredita que a sociedade precisa voltar às suas raízes islâmicas, precisa ser reformadas, precisa viver mais de acordo com as regras islâmicas... Antes da revolução, a Irmandade sempre disse que não era revolucionária, que eles queriam começar de baixo, educando a sociedade de forma islâmica para prepará-la para o futuro Estado ideal que eles buscavam.

Silio Boccanera — Vamos analisar a Irmandade quando estava no poder e logo depois de deixar o poder. Eles estão no poder na Tunísia, eles estão um pouco no poder na Líbia e estão perdendo o poder no Egito. Em todos esses lugares, eles estão diante de muitos problemas. Você acha que eles foram incompetentes no poder ou que seus adversários os fizeram parecer incompetentes?

Alison Pargeter — Eu acho que, provavelmente, é uma mistura das duas coisas. Foi assim no Egito, onde seus adversários venderam uma imagem muito negativa deles. Algumas partes da mídia, no Egito e na Tunísia, se esforçaram ao máximo para criticar a Irmandade e rechaçá-la por ser islâmica e querer defender leis islâmicas nesses países. Eles encararam grandes desafios, e as pessoas tentaram tirá-los do poder. Mas acho que também houve muita incompetência. Por exemplo, no caso do Egito, não podemos esquecer que muitas dessas pessoas foram uma oposição semiclandestina por mais ou menos 85 anos, e não têm experiência no poder. Algumas são parlamentares, mas falta experiência...

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