O que é isto, o ativismo judicial, em números?

Recentemente foi publicado um importante livro tratando da temática do ativismo, da judicialização e da representação, da lavra de Thamy Pogrebinschi.[1] Ressalte-se, ainda, o excelente prefácio do prestigiado cientista político Rogério Arantes. A inteligente e zelosa autora levanta sete teses que contestam o imaginário jurídico-social de que o Supremo Tribunal Federal estaria judicializando a política. Ou seja, seu objetivo é desmitificar o discurso de que haja crise de representação ou risco de crise institucional em face de um excessivo intervencionismo do Poder Judiciário no País. Vou procurar resumir as sete teses da professora Thamy:


1) Não é verdade que o STF tem uma atuação contramajoritária, isto porque é inexpressivo o número de decisões declarando a inconstitucionalidade, em todo ou em parte, de leis e atos normativos promulgados pelo Congresso Nacional.


2) Ao contrário do que se diz, o STF reforça a vontade majoritária representada no Congresso Nacional, isto porque ele vem confirmando a constitucionalidade das leis e atos normativos em 86,68% das ADIs e ADPFs.


3) Não é verdade que o STF atua de forma ativista; portanto, não é verdadeiro dizer que ele colmata as supostas lacunas deixadas pelo Legislativo, uma vez que, para cada declaração de inconstitucionalidade, havia uma média de 11,75 projetos de lei tratando da mesma matéria específica em tramitação no Congresso, além de uma média de 2,6 leis tratando do mesmo tema discutido pelo pleno da corte.


4) Não há enfraquecimento do poder majoritário do Legislativo, uma vez que, em decorrência da declaração de inconstitucionalidade, o Congresso propõe uma média de 6,85 projetos de lei versando sobre a mesma matéria.


5) Ao contrário do que se afirma, o STF fortalece a atuação do Legislativo, obrigando-o a legislar sobre determinadas matérias. O prazo médio de resposta do Legislativo foi de 16 meses, sendo que em 45,83% dos casos a resposta vem em menos de seis meses.


6) O comportamento do Supremo não se alia a nenhuma coalizão majoritária do Congresso, porque o a relação entre ADPFs e ADIs reconhecidas é proporcional.


7) Por último: o STF tem se utilizado de recursos jurídicos para preservar ao máximo a palavra do Legislativo, como a interpretação conforme, a nulidade parcial sem redução de texto e a modulação de efeitos.


Comentando os dados da pesquisa

Aparentemente, a pesquisa de Thamy esvaziaria grande parte do que foi escrito até hoje sobre o comportamento ativista do STF. Vejam que ela chega a falar do “Falso silogismo da judicialização”. Entretanto, nem tudo o que parece, é. Façamos, pois, uma anamnese da bela pesquisa.


Como preliminar, há que dizer que o fato de o STF (ou o PJ lato sensu) declarar ou não declarar um ato normativo inconstitucional — e a pesquisa se fixou apenas nisso — não tem, necessariamente, relação com o ativismo/judicialização da política (ponho a barra porque a autora não distingue esses dois conceitos). O STF (ou outros tribunais) podem declarar a inconstitucionalidade de leis em alto índice e ainda assim, necessariamente, tal atitude não poderá ser epitetada como ativista/judiciopolítica. Se as leis forem inconstitucionais, é bom para a democracia — ou, diria, condição de possibilidade da democracia — que sejam assim declaradas. Ativismo ou judicialização não se capta a partir do código “constitucional-inconstitucional” e tampouco do código “ação deferida-ação indeferida”. Os conceitos de ativismo e judicialização que explicito na sequência vão deixar isso bem claro.


Colocada a preliminar, sigo. Assim, primeiramente, tirante os elogios ao minucioso trabalho de pesquisa, é necessário deixar claro que, quando tratamos de determinados assuntos, antes é necessário colocar na mesa os conceitos operacionais com os quais estamos lidando. Com efeito, a autora dá por “batidas” algumas premissas, que talvez não sejam tão evidentes assim.


Para começar, Thamy diz que “um dos principais alicerces sobre os quais se construiu a tese da judicialização da política no Brasil é o significativo e crescente volume de ações ajuizadas por meio de controle concentrado de constitucionalidade”. Assim, o número de ADIs seria um termômetro do coeficiente de judicialização. Aqui, já de pronto, “incluo-me fora” desses alicerces que construíram a equivocada tese de que a judicialização advém do volume de ações ajuizadas no STF. Esses alicerces são falsos.


Permito-me lembrar, portanto, que essa é apenas uma das questões que dizem respeito à judicialização. No plano do controle difuso ou do uso de writs constitucionais, a judicialização (ou o ativismo — e essa diferenciação explicitarei na sequencia) é muito mais significativo. Mas muito mais, mesmo. A judicialização do direito à saúde, por exemplo, passa por poucas ações no Supremo Tribunal Federal (controle concentrado), mas por dezenas de milhares de ações nos fóruns e tribunais da República. Portanto, as ADIs são só a ponta pequeníssima do enorme iceberg, podendo induzir ao erro. Um simples mandado de segurança deferido pelo STF em relação ao direito de saúde, por exemplo, determinando que remédios fora da lista do SUS podem ser objeto de determinação judicial já representa — aqui, sim — um contingente de efeitos colaterais no campo da relação ativismo-judicialização (basta acessar ao site do STF para constatar isso). Ou ações como a STA 175-CE.


Mais ainda, o diagnóstico da judicialização não deve ficar restrito à atuação (ou crítica à atuação) do STF. Basta vermos que vários Estados da Federação gastam mais em pagamento de ações judiciais sobre o acesso à saúde e remédios do que nos próprios orçamentos. Em São Paulo, por exemplo, os gastos da Secretaria Estadual de Saúde com...

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