A liberdade de religião precisa ser limitada pelo Estado?

Neste ano, participei de um curso sobre a proteção dos direitos humanos no qual tive a oportunidade de ouvir afirmações que me levaram a refletir sobre o embate entre a universalidade dos direitos humanos e o relativismo cultural. Os participantes da turma, originários de 28 países com realidades completamente diferentes entre si, vivenciaram troca de experiências inestimável. Ocorre que alguns posicionamentos manifestados durante as aulas foram chocantes para quem pensa na igualdade de todos e na proteção às liberdades como alicerces do constitucionalismo.


Entre os pensamentos inusitados, destaco: 1) as mulheres têm dever de obediência em relação aos maridos e são obrigadas a cumprir todas as suas obrigações conjugais, como educar os filhos, cuidar da casa e manter relações sexuais quando o patriarca quiser; 2) não existe lógica em legitimar a prática de certos atos que vão contra a natureza, como o homossexualismo, mas impedir o incesto; 3) a poligamia é também uma questão de sobrevivência da espécie humana, na medida em que as mulheres são maioria na sociedade e representam cerca de 51% da população; 4) os maiores problemas atualmente enfrentados por muitos Estados são consequências do reconhecimento da família monoparental.


Essas manifestações me impulsionaram a produzir este artigo, para refletir sobre os limites do multiculturalismo e perquirir em que medida um Estado deve promover, internamente, a proteção do pluralismo cultural.


Boaventura de Sousa Santos leciona que as pessoas têm o direito a ser iguais quando a diferença as inferioriza, assim como a ser diferentes quando a igualdade as descaracteriza. Disso decorre a necessidade de um princípio da igualdade que reconheça as peculiaridades de cada ser.[1] A diversidade é um bem que precisa ser protegido.


A propósito, a Declaração Universal de Direitos Humanos (DUDH) estatui que toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades nela estabelecidos, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição (artigo II). No mesmo sentido, a Constituição brasileira estabelece, entre os objetivos fundamentais do Estado, a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade ou quaisquer outras formas de discriminação (artigo 3°, IV).


Portanto, há previsões normativas que dispensam ampla proteção ao pluralismo, em suas diversas ramificações. A partir dessas premissas, este artigo analisa a possibilidade de limitar o direito à diversidade cultural, o que se propõe a examinar na conjuntura da liberdade de crença ou de religião.


Especificamente sobre essa liberdade, a DUDH ratifica o dever de proteção dos Estados ao pluralismo e garante a livre manifestação religiosa ou de crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular (artigo XVIII). No Brasil, a Constituição consagra igualmente o direito à liberdade de religião (artigo 5°, VI, VII e VIII).


Nesse contexto, questiona-se se, diante da obrigação estatal de resguardar o multiculturalismo, o direito subjetivo...

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