Marcados para viver

Claudia Andujar faz em Recife uma exposição memorável, nascida a partir de sua luta, nos anos 1980, para salvar os índios ianomâmi na AmazôniaLuisa Duartesegundocaderno@oglobo.com.brFotos de "Marcados". Feitas para catalogar os índios vacinados, as imagens criam desconforto, lembrando seu caráter invasivo, ainda que não intencionalFotos de divulgação/Claudia AndujarA exposição "Marcados" de Claudia Andujar, em cartaz na Fundação Joaquim Nabuco, em Recife, curada por Moacir dos Anjos, possui uma força incomum vista no atual circuito da arte contemporânea. Em tempos nos quais a relação entre arte e política passa a ser objeto de interesse cada vez maior entre artistas e pesquisadores, a obra de Claudia nos leva a indagar estas relações de forma.Na década de 1970 a artista passou longas temporadas na Terra Índigena Ianomâmi, na Amazônia, fotografando os habitantes daquele lugar. No mesmo momento o regime militar começava a ocupar parte da terra amazônica para construir estradas e abrir espaço para uma exploração irresponsável das riquezas locais. Ou seja, a ameaça à vida dos ianomâmi era iminente.Olhares questionadoresEm 1977, a artista é expulsa da região por autoridades da ditadura e retorna a São Paulo. Nesse retorno, ocorre uma inflexão na postura de Claudia. Ela deixa para trás o desejo de apreender visualmente os modos de vida dos índios e passa a lutar diretamente pela sobrevivência dos mesmos. Funda então a Comissão pela Criação do Parque Yanomami - CCPY, cujas atribuições incluíam a prestação de assistência médica aos índios, então infectados por doenças em tudo estranhas a eles. Temos todas estas informações na montagem da mostra.É justamente neste contexto que a artista/militante volta para a Amazônia, entre 1981 e 1984, e faz a série "Marcados". Na época, as fotografias serviam apenas para catalogar cada índio já vacinado por dois médicos voluntários. Entretanto, esta forma de catalogar revela-se em tudo estranha à cultura indígena. Esta forma típica de uma cultura branca, ocidental, estava sendo empregada por Claudia com fins bem objetivos em sua cruzada pela preservação da vida dos ianomâmi.Existe aqui um desconforto, e é nele que reside a força destas imagens - invasivas mesmo sem ter essa intenção. Os olhares dos índios demonstram isso. Eles nos encaram, nos questionam, está ali o outro. O outro, no caso, somos nós. Estes retratos também trazem a memória de eventos terríveis da História dos...

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