“Marco Civil da Internet passou a ser sobre negócios'

Há dez anos, quando a advogada Ana Luiza Valadares Ribeiro conversava com colegas do meio jurídico sobre a possibilidade de que empresas da internet dominassem a economia mundial, a opinião dela geralmente era considerada uma mera teoria da conspiração. Na era do Google, Facebook e YouTube, o papel que as empresas da área passaram a desempenhar na economia e na nossa vida diária virou um dos principais temas em discussão hoje no Congresso, que, em meio a pressões e divergências, acabou empurrando para 2014 a votação do Marco Civil da Internet. A Câmara dos Deputados promete ressuscitar em fevereiro a proposta (PL 2126/2011), cujo objetivo é regulamentar o funcionamento da rede no país. O texto atual, porém, deixa de funcionar como uma “carta de direitos do internauta” para regular modelos de negócios, segundo Ana Luiza.

Ex-procuradora-geral da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), ela está à frente da Associação Brasileira de Direito da Tecnologia da Informação e das Comunicações (ABDTIC), que estuda mudanças jurídicas, econômicas e sociais a partir do uso da tecnologia. A entidade existe há quase três décadas e mudou de nome três vezes, o que para sua presidente simboliza as mudanças vivenciadas desde o aparecimento da informática, a princípio voltada apenas ao mundo corporativo.

Ana Luiza diz que, mesmo ao estabelecer relação direta com as telecomunicações, as pessoas ainda tendem a pensar somente em questões ligadas ao consumo. Pensam em processar uma operadora de telefonia por uma conta errada, por exemplo, sem considerar como seus dados vêm sendo usados, como seu direito de usufruir de informações será respeitado no futuro e quais mudanças haverá no seu bolso.

“Hoje, nós todos temos a sensação de que a internet é de graça, o que é falso”, afirma. O modelo de exploração econômica na rede, que hoje diferencia empresas de telecomunicação (obrigatoriamente reguladas) e de internet, deve passar por alterações, na avaliação de Ana Luiza.

A votação do Marco Civil, para ela, é uma oportunidade para debater esses pontos. Em entrevista concedida durante evento promovido pela ABDTIC em São Paulo, a presidente da associação aborda a neutralidade de rede, a validade da jurisdição brasileira e a tentativa de obrigar empresas estrangeiras a instalarem banco de dados no país. A advogada afirma que a legislação deve estabelecer parâmetros para a divulgação de dados dos usuários, mas eles devem prestar atenção no que informam e assinam.

Leia a entrevista:

ConJur — Como a senhora avalia o debate sobre o Marco Civil da Internet?

Ana Luiza Ribeiro — O Marco Civil era para ser uma carta de direitos do internauta. Era para ser uma coisa, virou outra. O objetivo não era discutir nem solucionar modelos de negócios econômicos. Quando começou a ser debatido, era uma resposta para um processo de criminalização da internet. A sociedade da época se organizou e disse: “Eu quero que digam o que é que eu tenho direito”. Foi feita uma consulta pública enorme, pelo Ministério da Justiça, dezenas de instituições participaram.

ConJur — Por isso é que se falava da Constituição da Internet?

Ana Luiza Ribeiro — Exatamente. Era para ser uma carta de direitos civis relacionada à internet, para que as pessoas pudessem ter conhecimento de seus direitos. Um blogueiro, por exemplo, saberia que não precisa tirar o conteúdo do seu blog se não houver ordem judicial. Discutiu-se também por quantos anos um provedor da internet guardaria os nossos dados. Tudo isso estava ali [na discussão original] e, agora, não. Entramos no papel que as empresas de internet adquiriram no mercado, o que fez empresas de telecomunicações passarem a pressionar para que o jogo fosse mais equilibrado. Um exemplo: o conteúdo disponível no Netflix [canal de vídeos por assinatura na internet]. Qual é a diferença daquele serviço para a TV por assinatura? A diferença é que a TV paga ICMS e o consumidor...

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