Aplicação da Teoria Menor da Desconsideração da Personalidade Jurídica da Empresa no Direito do Trabalho e o Princípio da Livre Iniciativa

AutorJuliana Bezerra Assis
CargoBacharel em Direito pela FDV
Páginas485-589

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“Não se planeja e depois se procura fazer com que as circunstâncias se ajustem aos planos. Procura-se fazer com que os planos se ajustem às circunstâncias.”

George C. Patton

1. Introdução

A complexidade social levou os homens, que buscavam objetivos comuns, a se organizarem em grupo, tendo em vista a dificuldade na realização de determinadas tarefas e projetos quando praticadas sem cooperação. Dessa forma, com o desenvolvimento da sociedade humana e, também dessas organizações (agrupamento), a pessoa jurídica foi reconhecida, sendo definida como o agrupamento de pessoas, previsto em normas jurídicas e com personalidade própria para a realização de suas finalidades, possibilitando o desenvolvimento econômico e social.

A pessoa jurídica é detentora de direitos e de obrigações, o que caracteriza sua personalidade jurídica, sendo esta conferida a partir do registro nos órgãos competentes. Cumpre esclarecer que, com a personalização, adquire-se autonomia negocial, processual e, principalmente, patrimonial.

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A autonomia patrimonial consiste na não comunicação do patrimônio da empresa com o dos sócios (particular), entretanto, dependendo do caso concreto, este princípio não será absoluto, mormente quando pessoas se valerem da personalidade jurídica usando da fraude, do abuso de poder, para lesar terceiros ou se desvirtuarem da sua finalidade, exposta no contrato ou no estatuto social, surgindo a possibilidade de se desconsiderar a personalidade jurídica conferida à empresa para responsabilizar o sócio, atingindo, desse modo, seu patrimônio pessoal, para satisfação das dívidas sociais.

A aplicação da teoria da afetação ocorre no sentido de favorecer o interesse coletivo com o intuito de inibir o uso indevido da personalidade jurídica. No Direito brasileiro a Desconsideração da Personalidade Jurídica teve início na doutrina, seguido pela jurisprudência e, depois foi inserida na legislação, passando a ser aplicada em determinadas situações e utilizada em várias áreas do Direito, inclusive no Direito do Trabalho.

A aplicação da Teoria disregard of doctrine neste último ramo do direito (Direito do Trabalho), provoca grande celeuma quanto a previsão legal no diploma Celetista, quanto ao modo de sua aplicação, que não obedece aos requisitos mínimos necessários enunciados na lei, quais sejam: fraude à lei ou abuso de direito.

Contudo, o entendimento que prevalece defende ser o artigo 8° da Consolidação das Leis do Trabalho a previsão legal no diploma celetista da teoria da desconsideração, em razão deste prever a possibilidade de se usar o Direito Comum de forma subsidiária em caso de omissão da lei trabalhista.

Há que se esclarecer que, no âmbito da Justiça Trabalhista, a simples possibilidade de prejuízo à satisfação plena dos direitos dos empregados, por ser este crédito de natureza alimentar, justifica, a aplicação da doutrina da desconsideração, independentemente da ocorrência de fraude ou de abuso de poder.

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Ocorre que a Constituição Federal assegura o desenvolvimento da atividade econômica com o mínimo intervencionismo estatal, como forma de estimular a atividade empresarial privada e, conseqüentemente, o desenvolvimento social, sendo certo que a ordem econômica, tem como um de seus principais pilares a livre iniciativa. Entretanto, a teoria da afetação da forma como vem aplicada na Justiça do Trabalho, sem a observância dos requisitos, pode ser um causador de desestímulo a iniciativa privada.

Assim, com a finalidade de discutir o aludido problema, qual seja a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica no âmbito da Justiça do Trabalho (ou as conseqüências da aplicação) e o princípio da livre iniciativa, o presente trabalho foi dividido em três capítulos.

O primeiro capítulo trata do instituto da pessoa jurídica, onde traz um breve histórico sobre o seu surgimento, conceito, pressupostos de sua existência, o princípio da autonomia patrimonial e, por fim, as formas de extinção.

Já num segundo momento, o trabalho trata da teoria da desconsideração da personalidade jurídica da empresa, partindo do seu histórico, de sua noção e de seu conceito, analisando sua importância para a sociedade, chegando-se às hipóteses de previsão legal dentro do ordenamento jurídico brasileiro, inclusive e principalmente na Consolidação das Leis do Trabalho.

O terceiro capítulo define o que são conflitos trabalhistas, abordando o conceito, os tipos existentes e as formas de solução, após, examina a forma de aplicação da desconsideração no âmbito da justiça trabalhista, suas implicações, abordando também o conceito do princípio da livre iniciativa, para ao final analisar o tema central do trabalho, qual seja, a aplicação da teoria da desconsideração dentro da Justiça do Trabalho e o princípio da livre iniciativa.

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Cumpre esclarecer que a teoria em tela visa preservar o instituto da personalidade jurídica, e dúvida não há quanto a sua aplicação no Direito do Trabalho, porém, o objetivo principal do presente trabalho é averiguar se a aplicação da teoria menor da desconsideração, sem a exigência da fraude ou do abuso de direito, ou seja, bastando o simples prejuízo à satisfação dos direitos dos empregados desestimula ou pode vir a desestimular a livre iniciativa privada.

Para finalizar, ressalta-se que com o intuito de tratar o tema de forma adequada elegem-se, para o presente estudo, o método monográfico como principal instrumento, sendo que através deste serão investigados as posições doutrinárias acerca do assunto em questão para que, ao final, se possa sustentar um posicionamento mais aprofundado sobre o mesmo, sendo que a técnica de pesquisa privilegiada será a bibliográfica.

2. Pessoa jurídica

Inicialmente, sem adentrar ao tema propriamente dito, indispensável se torna a análise acerca da origem, evolução, conceito, características, tipos e importância da pessoa jurídica no ordenamento pátrio e para a sociedade em geral, permitindo assim uma melhor compreensão acerca da aplicação da desconsideração da personalidade jurídica no âmbito da justiça do trabalho confrontando-o com a livre iniciativa empresarial.

2.1. Breve histórico e conceito

O direito romano e o direito germânico desconheciam o instituto da pessoa jurídica, tendo em vista que nestes ordenamentos, apenas as pessoas naturais, ou seja, físicas, que integravam a coletividade, eram sujeitos de direito. (MIRANDA, 2002, p. 348).

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Foi somente no direito Canônico, que tal instituto teve reconhecimento e maior desenvolvimento, isso porque, a deficiência humana e a complexidade social levaram os homens, que buscavam objetivos comuns, a se organizarem em grupos, juntando suas forças e recursos, em razão da impossibilidade de, individualmente, realizarem determinadas tarefas e projetos. (MONTEIRO, 2003, p. 121).

Tem-se que os citados grupos, com o tempo e evolução da sociedade humana, passaram a alcançar os objetivos almejados pela coletividade em geral, conseguindo, através dessa união de esforços, a viabilização de uma multiplicidade de atividades.

Assim, da concepção dos canonistas surgiu a noção de pessoa jurídica, bem como a de “persona ficta”, isto é, uma personalidade abstrata, distinta do simples conjunto de seus membros componentes. (MONTEIRO, 2003, p. 121).

No início, eram simples e pequenos núcleos primitivos de produção, confundidos com a própria família, sendo certo que, com o desenvolvimento social e tecnológico surgiram grandes conglomerados empresariais. (VENOSA, 2003, p.285).

Neste contexto, tal instituto tornou-se de grande importância para a sociedade em geral, tendo em vista a geração de empregos, incentivo ao desenvolvimento sócio-econômico e cultural, atuando como instrumento de produção e circulação de riquezas, aumentando a arrecadação de tributos, gerando riquezas para o país, de tal forma que interessou a intervenção do Estado no regramento de suas atividades.

Devido a essa importância da atividade empresarial, foi conferida às pessoas jurídicas personalidade própria, tornado-as sujeitos de direito e obrigações, o que significa dizer que elas passaram a ter autonomia funcional, patrimonial e negocial, tornando-a mais atrativa a investimentos.

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A esse respeito assegura Gonçalves que “a concessão da personalidade às pessoas jurídicas é fruto de uma necessidade da sociedade humana, que percebe ser possível atingir determinados fins através da conjugação de esforços”. (2005, p. 35).

A partir de sua importância para o desenvolvimento da sociedade e a forma de sua criação é que estão baseados os diversos conceitos de pessoa jurídica.

No dizer de Gagliano & Pamplona Filho pessoa jurídica é “o grupo humano, criado na forma da lei, e dotado de personalidade jurídica própria, para a realização de fins comuns”. (2006, p. 205).

De acordo com esse autor, a pessoa jurídica é o conjunto de pessoas naturais, que juntam um patrimônio, adquirem direitos e obrigações reconhecidos pelo ordenamento jurídico brasileiro, com o intuito de obter determinados objetivos.

Nas palavras de Rodrigues pessoas...

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