Mesa de Debates 'E' - Tributação setorial

AutorÂngela Maria da Motta Pacheco
Páginas126-146

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Presidente da Mesa (Profa. Ângela Maria da Motta Pacheco) [truncado na gravação] (...) componentes da Mesa, os Diretores, a Diretoria do IGA-IDEPE, na pessoa do Prof. Aires Barreto, a organização desse Congresso, na pessoa de Paulo Ayres Barreto, cumprimentar a Presidente deste Congresso, Elizabeth Nazar Carrazza.

Prezados companheiros congressistas, Esta Mesa é dedicada a específicos se-tores, e justamente pela sua especificidade exige tratamento tributário diferenciado. E, como todos nós sabemos, o tributo não é só arrecadatório, ele é também extrafis-cal, muitas vezes muito extrafiscal, e é o que os Srs. verão, hoje, nas palestras desta Mesa, as normas indutoras de conduta entremeando as normas de arrecadação.

Todos os palestrantes, aqui, são professores e têm sua experiência enriquecida pela prática da Advocacia. Então, vamos começar. O primeiro palestrante é Ricardo Lacaz Martins, que falará sobre a "Tributação do Setor Imobiliário". O Dr. Lacaz é Doutor pela USP e na área tributária. Por favor, tem a palavra o Prof. Lacaz.

Tributação do Setor Imobiliário

Prof. Ricardo Lacaz Martins [Texto sem revisão do autor] - Muito bom dia, Profa. Ângela! Aqui cumprimento os demais membros da Mesa, bom dia a todos, Sras. e Srs.! O tema "Tributação Setorial", sem dúvida é bastante propício, e quando eu recebi esse agradável convite de vir fa-lar um pouco da "Tributação Setorial", do "Setor Imobiliário" em especial, me fez indagar sobre a questão da especificidade das normas que regem na tributação no Setor Imobiliário.

Eu gostaria de dividir com os Srs. alguns pensamentos, algumas indagações, em especial quanto à especificidade do setor. Gostaria de começar pela busca dos princípios e ensinamentos que regem a tributação imobiliária. Devemos indagar primeiramente qual a finalidade da busca e dos princípios que regem determinada tributação. Sem dúvida alguma, a finalidade é o auxílio da interpretação da legislação, com a extração dos valores que regem a tributação. Na verdade, a busca de fundamentos nada mais é que uma forma de auxílio da interpretação da legislação. Lá a gente afirma que o conhecimento das valo-rações escolhidas pelo legislador permite a melhor interpretação e a solução de conflitos não diretamente regulados. Por outro lado, é bastante válida a lição de Klaus Tipke, que explica que os valores e princípios escolhidos pelo legislador, que dão coerência ao sistema, acabam por limitar o próprio legislador em seu campo de produção legislativa. Justamente na medida em que os princípios e valores direcionam a aplicação das normas vigentes. Assim, o legislador não é mais soberano a ponto de anular injustificadamente a coerência do sistema.

Essa exigência de coerência das normas que compõem o sistema é uma exi-

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gência típica do princípio da igualdade. O legislador não somente é visto como produtor de normas para atingir um fim pontual específico, mas transforma-se em um legislador racional, na lição de Tércio Sampaio Ferraz, que busca a coerência e a racionalidade do sistema. Portanto, o legislador deve necessariamente observar os princípios e valores que foram primariamente escolhidos para fundamentar aquelas normas que regem determinado setor. Devamos, então, indagar quais fundamentos e valores regem determinada forma de tributação. Especificamente no Setor Imobiliário, veremos um pouco mais adiante quais valores podemos identificar ou extrair da lição de Eros Roberto Grau, extrair das normas postas que fundamentam ou que regem a tributação nesse determinado Setor.

Há uma discussão muito grande sobre se haveria um sistema jurídico autônomo ou subsistema tributário desses setores específicos, Setor Imobiliário, Setor Financeiro, Setor Previdenciário. Há uma discussão bastante grande, em função da autonomia e da unicidade, autonomia versus unicidade, do sistema jurídico.

Na lição de Eros Roberto Grau, um texto isolado, desprendido do sistema, não expressa significado normativo algum. O texto deve ser necessariamente visto dentro de um sistema. E aí, naturalmente, a indagação sobre de qual sistema esse estamos falando, se o sistema jurídico único ou o subsistema tributário específico. Quais são os pressupostos para que se haja um sistema jurídico? São dois pressupostos, segundo a mais abalizada doutrina, Cano-tilho e Eros Roberto Grau, dentre outros. O primeiro pressuposto é a ordenação interior do sistema, e o segundo pressuposto é a unidade de sentido. Então, vamos verificar o que significa ordenação interior. É adequação valorativa, teológica e axiológi-ca das normas de um sistema, ou seja, as normas dentro dos sistemas têm que ter a mesma adequação valorativa, têm que ter a mesma busca de valores, seja do ponto de vista teológico, seja do ponto de vista axio-lógico, que passam a compor o sistema. Esta é a análise das normas sob o ponto de vista interior do sistema. E há necessidade de uma unidade de sentido, que nada mais é que uma conexão aglutinadora dos princípios que dão coexistência, que dão coerência, àquele sistema normativo. Verificada, portanto, a existência de uma ordenação interior e de uma unidade de sentido, podemos destacar, podemos recortar, determinado corpo normativo e chamar aquele novo corpo normativo de um sistema.

Naturalmente não se pretende, de alguma forma, discutir aquele sistema absolutamente autônomo, desconectado do sistema jurídico maior, ou do sistema jurídico total. Naturalmente, esse sistema faz parte do sistema jurídico. Esse recorte é um recorte metodológico, principalmente um recorte doutrinário.

A existência de subsistemas normativos [truncado na gravação] bastante discutida, e dá como [truncado na gravação] pela existência dos subsistemas constitucionais tributários dentro da própria Constituição Federal, dentre outros.

Mas é bastante interessante a lição de um professor italiano, não tão conhecido pelos tributaristas, Natalino Irti. Esse professor italiano defende que a era dos códigos - onde todas as soluções legislativas eram encontradas em códigos, sabemos do Código de Napoleão e depois, mais recentemente, nas décadas de 60/70, 60/80, dos Códigos Civis, dos Códigos Comerciais, que atribuíram a solução pelos Códigos Tributários a todo e qualquer conflito normativo -, se exauriu, essa era dos códigos acabou. Agora, esse Prof. Natalino Irti chama a era de era das leis especiais, em decorrência da grande especificidade técnica dos setores. O Setor Imobiliário, como é de conhecimento, é um setor que trabalho de uma forma economicamente bastante diversa das demais atividades: enquanto uma empresa comercial vende seu produto à vista ou para receber, na melhor das hipóteses, em 30/60 dias, o Setor Imobiliário

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produz e recebe o produto da sua venda em 5, 6, às vezes até em 10 anos.

Naturalmente, essa característica econômica tem que ser reconhecida pelas normas tributárias. Os Srs. poderiam indagar: como? Essa norma tributária deve seguir princípios de valores comuns às demais normas, sem dúvida alguma, mas economicamente são aplicadas as mesmas normas tributárias vigentes dos demais ramos da atividade econômica ao Setor Imobiliário, e invariavelmente o resultado vai ser diferente. Tomem como exemplo o princípio da competência. O princípio da competência é o princípio pelo qual se registra receita, se tributa receita à medida que ela é reconhecida, ela é auferida, independentemente do recebimento.

Vamos imaginar uma venda de imóveis de 100 mil Reais, em 100 parcelas de 1.000 Reais. Imaginem os Srs. se eu tivesse que reconhecer esses 100 mil Reais à vista, sem ter recebido a segunda parcela, tendo recebido uma primeira parcela, o primeiro sinal de 1.000 Reais. O contribuinte, naturalmente, não teria capacidade econômica de efetuar o pagamento dos tributos pela antecipação de parcelas que ele receberia nos próximos 10 anos. Então, o princípio de competência é afastado da tributação imobiliária, por ser incongruente economicamente com a característica de especificidade do negócio desenvolvido pelo setor. É afastado mas, no entanto, busca-se o mesmo valor, busca-se o valor de adequar a tributação à capacidade contri-butiva do contribuinte, por meio da tributação pelo livro caixa, critério informador do sistema da tributação imobiliária.

Portanto, na lição de Natalino Irti é necessária a criação de subsistemas específicos de tributação, com valores e princípios comuns, como dito; capacidade con-tributiva, mas também com valores e princípios próprios. Valores e princípios, estes, como dito no início, que nortearão o intérprete na solução de conflitos objetivos e também deverão nortear na missão anteriormente citada, a produção legislativa.

Nós devemos ir um pouco mais além, e não só limitar a interpretação, a valoração do sistema, mas, sim, saber que aquelas valorações escolhidas primariamente pelo legislador limitarão a própria produção legislativa.

Evidentemente, o legislador tem a liberdade de escolher outros valores não anteriormente escolhidos. Mas esses valores deverão ser necessariamente justificados. Assim, por exemplo, se se pretender adotar o princípio da competência em determinada tributação do Setor Imobiliário, necessariamente deverá ser justificado, porque o que rege no Setor Imobiliário é a tributação pelo regime de taxa. Como anteriormente citado em relação às pessoas jurídicas, mas podemos citar alguns outros exemplos, o ganho de capital da pessoa física, o lucro presumido da atividade imobiliária, o regime especial tributário do patrimônio de afetação, todas as tributações regem-se pelo regime de caixa.

Gostaria de citar alguns exemplos de princípios extraídos do Setor Imobiliário para ilustrar um pouco mais o que se pretende demonstrar aqui, que nada mais é que a existência, no mínimo do ponto de vista metodológico, de um sistema tributário com...

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