Monstruosidade maravilhosa

Uma carta-manifesto do cineasta Felipe Bragança por uma arte que recupere medos e delírios do Rio de Janeiro, contra sua redução a centro de convençõesAcompanhando um encontro aéreo improvável entre o Capitão Nascimento e Blu, o pássaro azul do desenho animado "Rio", o cineasta Felipe Bragança descobre um ângulo novo de um panorama que parece já bem mapeado. Em aparência opostos no modo como "desvendam" e passam a representar o Rio de Janeiro, em filmes de grande sucesso comercial, os personagens se aproximam numa rejeição comum aos problemas cariocas: Nascimento ao deixar a cidade corrupta e voar para Brasília, no final do filme de José Padilha, Blu em seu sobrevoo por um Rio idealizado e reduzido a cartão postal. Jovem diretor com dois filmes em cartaz no Rio ("A alegria" e "A fuga da mulher gorila"), Bragança defende nesta Logo que uma arte interessada na democratização da cidade precisa distinguir entre o desejo de paz legítimo e a ocultação dos conflitos, para evitar a redução da cidade a um "balneário de eventos". (Miguel Conde)Felipe BragançaArquitetos, urbanistas, escritores, cineastas - esta aqui é uma carta: há algo de muito relevante que precisa vir à tona nos questionamentos sobre as formas e os caminhos da cantada "revitalização" da cidade do Rio de Janeiro, e que está além da especulação imobiliária ou da ação policial nessa ou naquela área da cidade como forma de controle criminal. Trata-se aqui também da economia simbólica da cidade e do que está em jogo nela nesse momento histórico de "limpeza" e "ordem" em que, como contraponto ao "inferno da violência", parece querer se erguer uma cidade calcada numa representação plástica de si mesma.A pergunta que me faço é: a reordenação de uma cidade passa necessariamente pelo desaparecimento de seus monstros e fantasmas? É impossível pensar uma cidade menos cruel com seus habitantes sem que no conjunto social da crueldade se inclua também aquilo que há de positivo e afirmativo no imaginário violento e caótico do Rio, hoje?"Positivo e afirmativo?" Sim. É importante que na recomposição de signos que a cidade hoje passa, se coloque em xeque a ideia da violência como um dado meramente negativo, criminal, perigoso ao bem-estar da cidade. E se perceba que a pacificação policial da cidade não pode significar uma pacificação de seus signos, de seus mistérios, de seus delírios e sua imaginação.Zerar as mazelas da cidade e substituí-la por um projeto asséptico e ordeiro de urbanidade é mesmo a única ação...

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