Nacionalidade
Autor | Tatiana Waisberg |
Ocupação do Autor | Advogada e Professora da Faculdade de Direito da FP. Mestre em Direito Internacional - PUC-MG e Universidade de Tel Aviv, Israel |
Páginas | 53-76 |
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Os direitos da nacionalidade são regulamentados pelo direito interno de cada Estado e constituem ato decorrente da soberania. Neste sentido, a Convenção de Haia Concernente a Certas Questões Relativas aos Conflitos de Leis sobre Nacionalidade, de 1930, define que "cabe a cada Estado determinar por sua legislação quais são os seus nacionais... e toda questão relativa ao ponto de caber se um indivíduo possui nacionalidade de um Estado será resolvida de acordo com a legislação desse Estado". Apesar desta Convenção refletir costume internacional, no âmbito dos direitos humanos, algumas convenções disciplinam princípios gerais e tendem a limitar a soberania estatal. Este é o caso do Pacto San José de Costa Rica, no âmbito americano, que no art. 20, § 2, estabelece que "toda pessoa tem direito à nacionalidade do Estado em cujo território houver nascido, se não tiver direito a outra". Outros instrumentos internacionais também se referem ao direito a nacionalidade como direito humano, a exemplo da Declaração Universal dos Direitos do Homem (art. 15) e do Pacto de Direitos Civis e Políticos (art. 24). No direito pátrio, os direitos da nacionalidade encontram-se presentes na Constituição Federal, e em leis federais, sobretudo a Lei n. 6.815/80. Este capítulo aborda aspectos relativos aos direitos da nacionalidade do ponto de vista doméstico.
· Vínculo jurídico-político entre o indivíduo e o Estado
· Dimensão pessoal do Estado
Povo v. População v. Nação:
· Povo: refere-se ao elemento humano, ou seja, os nacionais que habitam em um Estado nacional.
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· População: refere-se a todos aqueles que habitam o território de um
Estado nacional, incluindo-se nacionais e estrangeiros.
· Nação: refere-se à ideia de coletivo humano, do ponto de vista historiográfico, cultural, econômico, linguístico e demais aspectos sociais que constroem a identidade nacional.
· Nacionalidade: refere-se ao vínculo jurídico existente entre o Estado e o indivíduo que é nacional deste, pressupõe o exercício de direitos e deveres.
· Cidadania: refere-se ao vínculo político-jurídico existente entre o
Estado e o indivíduo que é nacional deste, pressupondo a nacionalidade, mas ressaltando também o fato de que o nacional é titular de direitos políticos.
Do ponto de vista doutrinário é possível classificar a nacionalidade a partir do momento de aquisição, seja em decorrência do nascimento ou de fatos posteriores, tais como o casamento e a mudança de domicílio. A seguir, as duas espécies de nacionalidade existentes e critérios informadores.
Resulta do nascimento:
· Critérios jus sanguini, solis e misto. Constituem hipóteses de aquisição de nacionalidade reconhecidas pelo ordenamento jurídico brasileiro, especificadas no próximo item.
· Resulta da naturalização.
· Pode ser voluntária ou imposta.
· Conflito positivo: caso em que o indivíduo é nacional de mais de um Estado. Também denominado plurinacional ou pluripátrida. No
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direito brasileiro, a CF-88 faz ressalva em relação à nacionalidade originária, no art. 12, IV, 2, a, ou no caso de nacionalidade secundária imposta ao nacional brasileiro, que pode nessas situações acumular nacionalidade estrangeira, sem incorrer na hipótese de perda da nacionalidade.
· Conflito negativo: caso em que o indivíduo não possui nenhum laço jurídico com o Estado, não sendo nacional de nenhum país. Também denominado apátrida, a situação pode ocorrer sempre que filhos de estrangeiros nascem em Estados que adotam o principio do jus sanguinis. No caso brasileiro, o legislador constitucional adotou a modalidade da nacionalidade potestativa, art. 12, I, c, da CF-88, para garantir a nacionalidade brasileira originária a filhos de brasileiros nascidos no estrangeiro.
A CF/88 estabelece quatro hipóteses de aquisição da nacionalidade brasileira originária, mesclando os dois critérios, o jus solis e o jus sanguinis, aplicando-se também as regas referentes a extraterritorialidade para filhos de representantes do Estado brasileiro que nascem no estrangeiro. Além disso, para resolver o problema dos filhos de brasileiros apátridas, o legislador constitucional adotou o critério relativo aos laços de sangue associado a comprovação de residência no território nacional, bem como a possibilidade de filhos de brasileiros nascidos no estrangeiro, de registrar os mesmos em repartição consular brasileira, equivalendo-se ao registro em cartório nacional.
· No Direito brasileiro, não há reconhecimento do jus sanguinis como critério puro.
Hipóteses de aquisição:
· Ius solis: principal hipótese de aquisição originária da nacionalidade brasileira, refere-se ao local de nascimento como critério que atribui a nacionalidade brasileira a todos aqueles que nascem no território nacional, com exceção dos filhos de representantes de Estados nacionais estrangeiros.
Art. 12. São brasileiros:
I - natos:
a) os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país;
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· Ius sanguinis + critério funcional: hipótese de aquisição originária da nacionalidade brasileira, que pressupõe o vínculo de sangue entre o filho de pai ou a mãe brasileira e a atividade funcional dos progenitores. Isto é, os filhos de funcionários públicos brasileiros domiciliados no estrangeiro adquirem a nacionalidade brasileira originária, mesmo sem terem nascido em solo brasileiro. Trata-se de regra de reciprocidade, ocorrendo o mesmo em relação aos filhos de funcionários públicos de estados estrangeiros domiciliados no Brasil, os quais não adquirem a nacionalidade brasileira em decorrência do fato de terem nascido em território nacional.
Art. 12, I, b) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil;
· Ius sanguinis + Registro: refere-se à regra adotada pela EC n. 54/07, com efeitos repristinatórios no que se refere à Lei de Registros Públicos. Hipótese que permite que os filhos de brasileiros domiciliados no exterior, e nascidos em território estrangeiro, sejam registrados em repartição consular estrangeira para aquisição da nacionalidade brasileira originária. Resolve o problema dos apátridas, filhos de brasileiros, que, nascidos no estrangeiro, não adquiriam a nacionalidade do Estado em que ocorre o nascimento.
Art. 12, I, c) os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionali-dade brasileira. (grifo/autor).
· Ius sanguinis + critério residencial + opção: classificada também como nacionalidade potestativa, refere-se à possibilidade do estrangeiro, filho de brasileiro, nascido no estrangeiro, que venha residir no Brasil, adquira a nacionalidade brasileira originária, desde que opte expressamente pela aquisição. Nesses casos, a opção deve ser manifestada por meio de trâmite judicial, de competência da justiça federal (STJ 18074/DF, 1997), e com efeitos retroativos (STF, Ext 778-5, 2001). A jurisprudência do STF entende que a opção não manifestada constitui condição suspensiva da nacionalidade brasileira, ou seja, a condição de brasileiro nato fica suspensa (STF, Rext 418096/RS, 2005). Vale ressaltar que o menor, por não possuir capacidade civil, não pode adquirir a nacionalidade brasileira originária por esta via, estando sujeito ao registro provisório, previsto no art. 3, para 2, do Estatuto do Estrangeiro.
Art. 12, I, c) os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira. (grifo/autor).
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A CF/88 trata de hipóteses de aquisição de nacionalidade derivada, aplicáveis a estrangeiros e apátridas (heimatlos). Nesses casos, não há quaisquer regras internacionais, referindo-se a ato da soberania estatal, dicricionário, e de competência do Poder Executivo. Neste sentido, a aquisição da nacionalidade secundária pode ocorrer seguindo diferentes critérios, tais como naturalização, casamento, anexação, unificação, cessão territorial e ato uni-lateral do próprio Estado. A seguir, as principais espécies de nacionalidade reconhecidas no direito brasileiro.
· Tácita ou grande naturalização: refere-se à nacionalidade imposta pelo Estado a todos aqueles que não optem expressamente por manter a nacionalidade originária. Essa espécie não é admitida atualmente no direito brasileiro, mas esteve presente na CR/1891, no art. 69, para 4, que atribuía nacionalidade...
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