Tratando as nanopartículas com precaução: reconhecendo a incerteza qualitativa na avaliação científica do risco

AutorFern Wickson - Froydis Gillund - Anne Ingeborg Myhr
CargoFern Wickson é pesquisador no GenØk Centre for Biosafety, da Noruega, com PhD transdisciplinar na Schools of Biological Sciences and Science, Technology and Society da University of Wollongong (Austrália)- Frøydis Gillund é PhD pelo GenØk Centre for Biosafety, da Noruega, e pesquisa gestão de recursos naturais, entre outros temas - Anne ...
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Política & Sociedade - Florianópolis - Volume 11 - Nº 20 - abril de 2012
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Tratando as nanopartículas
com precaução: reconhecendo a
incerteza qualitativa na avaliação
cientíca do risco1
Fern Wickson2
Froydis Gillund3
Anne Ingeborg Myhr4
Invenções científicas e tecnologias, como a nanotecnologia, in-
teragem com sistemas ecológicos e sociais complexos em vários
níveis e têm o potencial de causar consequências ímpares e sem
precedentes. Isso traz desafios para abordagens de avaliação de
risco convencionais, as quais pressupõem que não apenas é possí-
vel prever os riscos potenciais de novas tecnologias com precisão
através de métodos científicos, mas também que existe uma clara
distinção entre uma avaliação de risco factual e objetiva realizada
por um especialista, e uma avaliação de risco normativa / baseada
em valores. Neste artigo descrevemos várias formas qualitativas
de incerteza e procuramos demonstrar como valores, crenças e
interesses estão, inevitavelmente, emaranhados na ciência envol-
vida em processos de avaliação de risco. Em seguida, apresenta-
mos dois referenciais disponíveis para a exposição e a análise das
formas qualitativas de incerteza na ciência orientada à formulação
1 Originalmente publicado como: Wickson, F., Gillund, F. & Myhr, A. (2010) “Treating
Nanoparticles with Precaution: Recognising Qualitative Uncertainty in Scientific Risk As-
sessment” in Kjølberg, K. & Wickson, F. (eds) Nano meets Macro: Social perspectives on
nanoscale sciences and technologies. Singapore: Pan Stanford Publishing, pp. 445-472.
Traduzido por: Luiz Armando Silveiro Sozinho. Revisão técnica por: Julia S. Guivant.
2 Fern Wickson é pesquisador no GenØk Centre for Biosafety, da Noruega, com PhD
transdisciplinar na Schools of Biological Sciences and Science, Technology and Society
da University of Wollongong (Austrália).
3 Frøydis Gillund é PhD pelo GenØk Centre for Biosafety, da Noruega, e pesquisa gestão
de recursos naturais, entre outros temas.
4 Anne Ingeborg Myhr é pesquisadora do GenØk Centre for Biosafety, com Phd pela Univer-
sity of Tromsø (Noruega). Investiga os usos da engenharia genética e da nanotecnologia.
http://dx.doi.org/10.5007/21757984.2012v11n20p171
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Fern Wickson  Froydis Gillund  Anne Ingeborg Myhr
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de políticas e descrevemos abordagens de precaução como uma
alternativa à tomada de decisões baseada em riscos. Utilizamos as
nanopartículas como um estudo de caso ilustrativo e argumentamos
que a adoção de abordagens de precaução para a tomada de deci-
são implicaria necessariamente o reconhecimento da importância
das formas qualitativas de incerteza, o que ajudaria a promover
uma governança socialmente mais robusta e transparente deste
campo emergente de desenvolvimento de tecnologia.
1. Introdução
Os formuladores de políticas dependem, em grande parte,
dos pareceres científicos de especialistas para avaliar e tomar deci-
sões sobre tecnologias emergentes. Geralmente, esse papel privi-
legiado da ciência na tomada de decisões é baseado na opinião de
que a ciência oferece conhecimento objetivo, livre da influência de
determinados valores, interesses ou crenças. Atualmente, a abor-
dagem mais importante para a incorporação da ciência no proces-
so de tomada de decisões políticas, especialmente para as novas
tecnologias, é baseada no conceito de “risco” (WINNER, 1986).
A abordagem baseada no risco para a tomada de decisões (ou o
processo de análise de risco) é muitas vezes descrita como sendo
composta de três etapas – avaliação de risco, gestão de risco e
comunicação de risco. Segundo esta abordagem, primeiramente
os cientistas realizam avaliações de risco, onde ocorre a identifica-
ção e o cálculo da probabilidade dos impactos adversos potenciais
associados com a introdução de uma determinada tecnologia. Em
seguida, os riscos identificados pelos cientistas são avaliados pe-
los formuladores de políticas, que decidem sobre a importância
relativa dos riscos em questão e a forma como eles serão gerencia-
dos. Por fim, após essas decisões terem sido tomadas, o público
em geral é informado sobre os riscos e as iniciativas de gestão
escolhidas. Uma característica fundamental desta abordagem con-
vencional é que ela pressupõe uma clara distinção entre as fases de
avaliação de risco factual e objetiva realizada por um especialista,
e a de avaliação de risco normativa / baseada em valores.
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Tanto a abordagem baseada no risco para a tomada de de-
cisões quanto a separação clara que ela propõe entre a avaliação
de risco objetiva e a gestão de risco baseada em valores, têm sido
bastante questionadas pelo reconhecimento crescente da existên-
cia e do impacto de várias formas de incerteza. No entanto, as
abordagens convencionais baseadas no risco para a tomada de
decisões continuam a tratar a incerteza de uma forma puramente
quantitativa, não reconhecendo outras formas mais qualitativas de
incerteza. Neste artigo descreveremos os vários tipos de incerteza
qualitativa e tentaremos mostrar como, mesmo na fase objetiva da
chamada avaliação científica de risco, a presença dessas formas de
incertezas significa que valores, crenças e interesses estão, inevi-
tavelmente, emaranhados na ciência envolvida. Em seguida, deli-
nearemos dois referenciais disponíveis para a exposição e a análise
destas formas mais qualitativas de incerteza – o quadro referencial
de incerteza desenvolvido por Walker et al. (2003) e a noção de ava-
liação de genealogia sugerida por Funtowicz e Ravetz (1990). Após a
descrição dessas abordagens, examinaremos a noção de aborda-
gens de precaução como alternativa à tomada de decisões basea-
da no risco. Usamos o caso das nanopartículas para ilustrar nossos
argumentos sobre a influência dos valores na avaliação científica
do risco, a importância do reconhecimento das várias formas de
incerteza, e as diferenças que podem acarretar uma abordagem de
precaução para a governança.
2. Risco e ciência no processo decisório
Em sua tese bastante citada, Ulrich Beck (1992) sugeriu que
o risco é, atualmente, o princípio organizador dominante das so-
ciedades ocidentais modernas. De acordo com Beck, nas modernas
sociedades ocidentais tornamo-nos cada vez mais conscientes de
como a aplicação da ciência e tecnologia pode ser acompanhada
de efeitos adversos indesejados e, posteriormente, ficamos cada
vez mais preocupados com a forma de lidar com os problemas

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