A Natureza Jurídica do Prazo para o Exercício do Poder Disciplinar da Administração Pública - Prescrição e Decadência na Teoria Geral do Direito Administrativo e do Direito Civil

AutorHidemberg Alves da Frota
CargoPesquisador em Direito Público e em Direitos da Personalidade
Páginas19-28

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Introdução

O presente trabalho doutrinal analisa a natureza jurídica do prazo para o exercício do poder disciplinar da Administração Pública.

Após o exame da legislação funcional da União e dos estados-mem-bros brasileiros, assim como da Península Ibérica e da América do Sul hispânica, explicita-se o conceito de decadência disciplinar, em repulsa à vinculação da potestade disciplinar ao instituto da prescrição.

Uma vez firmado o posicionamento de que a referência, pelo direito positivo pátrio e estrangeiro, à prescrição disciplinar consiste, em verdade, em alusão à formulação, no âmbito do direito administrativo disciplinar, do instituto da decadência, consigna-se raciocínio indutivo, ao se delinear, a partir da circunstância específica da decadência disciplinar, noções gerais sobre decadência e prescrição, de modo que são trazidos a lume os conceitos de prescrição e decadência nas teorias gerais do direito administrativo e civil, resplandecendo-se os seus traços e diferenças marcantes.

1. Direito administrativo positivo
1.1. Estatutos dos servidores públicos da União e dos estados-membros

Referem-se à "prescrição" da ação disciplinar os Estatutos dos Servidores Públicos da União (art. 142, caput, da Lei 8.112, de 11 de novembro de 1990)1, bem como dos Estados do Mato Grosso (art. 169, caput, da Lei Complementar Estadual 4, de 15 de outubro de 1990)2, do Piauí (art. 163, caput, da Lei Complementar Estadual 13, de 3 de janeiro de 1994)3, de Alagoas (art. 144, caput, da Lei Estadual 5.247, de 26 de julho de 1991)4, do Rio Grande do Norte (art. 153, caput, da Lei Complementar Estadual 122, de 30 de junho de 1994)5, do Amapá (art. 158, caput, da Lei Estadual 66, de 3 de maio de 1993)6, do Acre (art. 193, caput, da Lei Complementar Estadual 39, de 29 de dezembro de 1993)7, do Pará (art. 198, caput, da Lei Estadual 5.810, de 24 de janeiro de 1994)8, de Santa Catarina (art. 150, caput, da Lei Estadual 6.745, de 28 de dezembro de 1985)9, de Goiás (art. 322, caput, da Lei Estadual 10.460, de 22 de fevereiro de 1988, conforme a reda-ção dada pelo art. Io da Lei Estadual 14.678, de 12 de janeiro de 2004)10, do Tocantins (art. 165, caput, da Lei Estadual 1.818, de 23 de agosto de 2007)11 e do Maranhão (art. 233, caput, da Lei Estadual 6.107, de 27 de julho de 1994)12.

O Estatuto dos Servidores Públicos do Estado do Ceará (art. 182, caput, da Lei Estadual 9.826, de 14 de maio de 1974) alude à "prescrição" do direito ao exercício do poder disciplinar13.

Reportam-se, de forma genérica, à "prescrição" disciplinar (sem especificar se se trata da prescrição da ação disciplinar, da pretensão, da potestade ou da faculdade punitivas, do dever de ou do direito ao exercício do poder disciplinar) os Estatutos dos Servidores Públicos dos Estados de São Paulo (art. 261, caput, da Lei Estadual 10.261, de 28 de outubro de 1968)14, do Amazonas (art. 168, caput, da Lei Estadual 1.762, de 14 de novembro de 1986)15, do Rio Grande do Sul (art. 197, caput, da Lei Complementar Estadual 10.098, de 3 de fevereiro de 1994, de acordo com a redação alterada pelo art. Io da Lei Complementar Estadual 11.928, de 13 de junho de 2003)16, do Paraná (art. 301, caput, da Lei Estadual 6.174, de 16 de novembro de 1970)17, do Rio de Janeiro (art. 57, caput, do Decreto-Lei Estadual 220, de 18 de julho de 1975)18, do Espírito Santo (art. 157, caput, da Lei Com-plementar Estadual 46, de 31 de janeiro de 1994)19, do Mato Grosso do Sul (art. 244, caput, da Lei Complementar Estadual 2, de 15 de outubro de 1980)20, de Sergipe (art. 269, caput, da Lei Estadual 2.148, de 21 de dezembro de 1977)21 e de Pernambuco (art. 209, caput, da Lei Estadual 6.123, de 20 de julho de 1968)22.

Relativamente ao Distrito Federal, invoca-se o disposto no referido art. 142, caput, da Lei 8.112/90, enquanto se aguarda o advento do Estatuto dos Servidores Públicos Distritais. (Alvissareiro, nesse sentido, o acórdão do Conselho Especial do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, ao julgar, em 15 de junho de 2010 e de forma unânime, procedente a Ação Direta de Inconstitucionali-dade n. 2007.00.2.011613-1 - ADI por omissão, ajuizada pelo procu-rador-geral de justiça do DF e sob a relatoria do desembargador Dácio Vieira -, e determinar que, no prazo de 60 dias, a chefia do Poder Executivo Distrital enviasse à Câmara Legislativa do DF o anteprojeto de lei complementar a estabelecer o regime dos servidores públicos do Distrito Federal23. O art. 34 do Ato das Disposições Transitórias da Lei Orgânica do Distrito Federal estatuíra o prazo de 90 dias para que o governador do DF assim procedesse, contados da promulgação da Lei Orgânica, ocorrida em 8 de junho de 1993)24.

1.2. Legislação funcional da Península Ibérica e da América do Sul hispânica

Na Península Ibérica, o art. 4o. 1 do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local de Portugal - ED/84 (aprovado pelo Decreto-Lei 24/84, de 16 de janeiro) menciona a "prescrição" do direito de instaurar procedimento discipli-

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nar25 e o art. 97 da Lei 7/2007, de 12 de abril, o Estatuto Básico do Emprego Público da Espanha (Estatuto Básico del Empleado Público) faz referência à prescrição das faltas26.

Na América do Sul hispânica, prepondera, igualmente, a alusão à "prescrição" disciplinar:

(a) Na Argentina, remete-se à prescrição para a aplicação das sanções disciplinares o art. 37, caput, da Lei 25.164, de 15 de setembro de 1999, o Marco de Regulamentação do Emprego Público Nacional da Argentina (Marco de Regulación del Empleo Público Nacional)27.

(b) No Chile, refere-se kprescri-ção da ação disciplinar da Administração Pública contra o funcionário o art. 158 do texto consolidado da Lei 18.834, de 24 de julho de 2007, o Estatuto Administrativo, reformado pelo Decreto com Força de Lei 29, de 16 de junho de 2004)28.

(c) Na Colômbia, faz menção à prescrição da ação disciplinar o art. 30, caput, da Lei 734, de 5 de fevereiro de 2002, o Código Disciplinar Único29.

(d) No Equador, alude à prescrição do prazo legal da autoridade para impor sanções disciplinares o art. 100, parágrafo único, da Lei 2003-17, de 25 de setembro, a Lei Orgânica do Serviço Civil e da Carreira Administrativa e de Unificação e Homologação das Remunerações do Setor Público (Ley Orgánica de Servicio Civil y Carrera Administrativa y de Unificación y Homolo-gación de las Remuneraciones del Sector Público)30.

(e) No Paraguai, a Lei 1.626, de 21 de dezembro de 2000, a Lei da Função Pública, reporta-se à prescrição da ação disciplinar (art. 82, alínea c) e à prescrição da faculdade do órgão ou entidade do Estado para aplicar as sanções previstas naquela lei (art. 83, caput)31.

(f) E, na Venezuela, o Decreto com Força de Lei sobre o Estatuto da Função Pública indica a prescrição das faltas de funcionários públicos (arts. 105 e 106)32.

2. A decadência disciplinar

Conquanto, no Brasil, na Península Ibérica e na América do Sul hispânica, o direito positivo em matéria disciplinar reporte-se tivo)33, consubstanciado em pro-à chamada "prescrição" disci- cedimento sobre a esfera jurídica trativo-disciplinar a determinado servidor público, ante a comprovada prática, por este, de ilícito disciplinar previamente tipificado em lei formal34 (desdobramento da conjugação dos princípios da legalidade e da reserva de lei formal), respeitada a moldura do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal - formal e substan-plinar, esta, em verdade, consiste em decadência disciplinar: o poder punitivo estatal de cunho administrativo-disciplinar não espelha uma pretensão nem resulta da violação de um direito material da Administração Pública, mas, isto sim, representa o desempenho de uma potestade administrativa, mais especificamente do exercício da potestade disciplinar, consoante expressa, na Espanha, o art. 94 da Lei 7/2007 (Estatuto Básico do Empregado Público)35 e, na Colômbia, o art. Io da Lei 734/2002 (Código Disciplinar Único)36. (Potestade administrativa traduz a atribuição, pelo direito legislado e de forma expressa, prévia e restrita, de poder à Administração Pública, de modo que esta, a fim de dar consecução a finalidades legais de interesse público, interfira sobre a esfera jurídica de pessoas físicas e jurídicas, independentemente da vontade destas e sem que a estas corresponda uma prestação negativa ou positiva)37

A decadência disciplinar concerne ao esgotamento do prazo legal para o exercício do direito potestativo e, mais do que isso, do dever jurídico do Estado-Adminis-tração de aplicar sanção adminis-alheia sem a exigência de prévia chancela ou de posterior beneplácito do administrado.

José Armando da Costa38 posiciona-se em sentido parcialmente dissonante: embora considere, do ponto de vista teorético, apropriado falar-se em decadência disciplinar, porquanto não se trata da prescrição da ação judicial disciplinar, mas da perda do "direito de a administração punir o funcionário transgressor", reputa "mais cômodo e aconselhável" que seja vislumbrado como prazo prescri-cional, seja porque a legislação alude ao instituto da prescrição, seja porque tais prazos admitem interrupção, o que os descaracterizariam como prazos decadenciais, uma vez que a decadência não comportaria interrupção nem suspensão.

Em que pese o argumento da praticidade de se invocar a locução prescrição disciplinar, em detrimento da expressão decadência disciplinar, por ser aquela o termo disseminado no direito positivo brasileiro e estrangeiro, em uma análise científica da controvérsia...

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