A Argumentação no Processo Judicial

AutorAlexandre Chini - Marcelo Moraes Caetano
CargoJuiz de Direito do Estado do Rio de Janeiro - Professor de Língua Portuguesa da UERJ e do IBMR/Laureate International Universities
Páginas291-310

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Introdução

Este artigo parte da sinopse ou resenha crítica do texto "Argumentação"1, a que acrescemos, entretanto, criteriosa gama de textos atinentes ao mesmo tema, colacionados de bibliograias outras de semelhante escol. Usamo-lo, preponderantemente, no que tange à exemplar divisão didática empreendida por Chaïm Perelman no texto citado.

O ilósofo, que pesquisa profundamente a chamada "Nova Retórica", baseada sobretudo nos livros Ética, Política, Poética e Retórica, de Aristóteles, cria um profícuo guia, pedagogicamente dividido, das principais forças que atuam na faculdade humana de convencer e/ou persuadir2. Usamos o texto citado, pois, sobretudo no que diz respeito à estrutura didática da questão da argumentação e da lógica3, o que se dará, adiante, em subtítulos sempre que possível idedignos à obra original, como homenagem à divisão escorreita que Perelman empreendeu.

Como parte de estudo de caso mais concreto ou empírico, aduzimos análise sobre o especíico da argumentação no decurso do processo penal, e os meios de que o magistrado pode lançar mão para o seu deslinde (parte 3.1, infra).

Asseveramos, munidos por pesquisas a que nos lançamos, que a teoria da argumentação se desenvolveu na retórica antiga, que engloba a Antiguidade Clássica Greco-Romana e a Idade Média, e obteve revigorado alcance no Renascimento e, posteriormente, no Iluminismo, ganhando ainda mais fôlego nas ilosoias dos séculos XX e XXI, "cujos efeitos se revelam especialmente relevantes na renovação do estudo do raciocínio jurídico e ilosóico" (PERELMAN, 1987, p. 264). Desse modo, um capítulo que se ocupe dos meandros da técnica argumentativa precisa apresentar distinções e pressupostos, oriundos, há longa data, de preeminentes pensadores de variados campos do saber humano, com que o leitor discirna postulados básicos para a detecção de mentiras e/ou falácias.

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Dada a constatação da vasta existência histórica e antropológica do assunto, portanto, perquirimos, para além da obra de Perelman, que nos serviu, antes do mais, como guia, outras referências bibliográicas, como, em tempo, icou dito: contribuímos com exemplos retirados de outros textos, inclusive legislativos ou doutrinários. Isto, a im de indicarmos, de modo sinóptico e sucinto, a importantíssima tarefa de persuadir e convencer, com uso de argumentos válidos, retórica adequada a situações e contextos diversos (sobretudo o jurídico), noções preliminares de oratória e de organização do raciocínio, diferença entre o pensamento lógico e o pensamento analítico, ou entre a lógica e a argumentação, a verdade e a verossimilhança, o que pode ser demonstrado e o que deve ser construído sobre convicção e persuasão, os fatos e as interpretações, o quantitaivo e o qualitativo no raciocínio, a detecção do conjunto mais frequente de falácias a que se pretende (com intenção ou sem ela) submeter o interlocutor e, finalmente, como esses vetores devem ser calculados e articulados de modo a atingir o receptor de forma eicaz.

Preocupamo-nos, outrossim, com a exposição dos principais métodos de chegar-se à conclusão de uma ideia, procurando-se levar o receptor à aceitação da sua verossimilhança: o método indutivo e o dedutivo. Além deles, esboçamos questões sobre a dialética e a controvérsia, bem como conceitos relativos à contradição e, por im, à possibilidade de aplicação desses princípios todos à interpretação e produção de textos (orais e escritos).

Na verdade, há poucos livros editados sobre tão importante tema. Mesmo fora do Brasil, no ambiente universitário e acadêmico, em que a necessidade de desenvolvimento crítico, tanto lógico como retórico, é condição sine qua non para o desenvolvimento intelectual do nascituro cientista, a produção bibliográica sobre o assunto é pequena e, em geral, muito prolixa e voltada aos cursos de ilosoia e lógica matemática. Não há a necessária profusão de obras que sejam a um só tempo didáticas, completas, objetivas, atualizadas e que, sobretudo, lancem mão de conceitos claros e organizados de modo a dissertar sobre o tema em todos os campos em que ele deve estar presente, como o discurso jurídico e, no fundo, como salientamos, o discurso crítico-universitário de uma forma geral.

Desse modo, pretendemos desdobrar as ideias de argumentação tendo como base, repita-se, este artigo lapidar de Perelman. Fizemo-lo por considerarmos que sua compreensão é de capital importância à interpretação de textos, sobretudo os jurídicos, como vimos, pois Perelman nos fornece bases de julgamento sobre eicácia e ineicácia de argumentos.

Na obra Eles, os juízes, vistos por um advogado, de Piero Calamandrei (vide referências bibliográicas ao final deste artigo), por exemplo, mostra-se, de forma bastante ilustrativa, que o convencimento obtido por um magistrado não provém necessariamente da quantidade exaustiva de argumentos complexos e emaranhados, mas, em geral, exatamente do oposto disso: argumentos diretos, coerentes, conexos, irrefutáveis, que se coligam, inclusive, ao uso correto e expressivo, sem afetações, de nosso vasto vernáculo, a língua portuguesa.

Sobre esse quesito, cite-se a seguinte passagem:

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O juiz, ao proferir a sentença, enuncia a sua convicção e procura convencer. Por isso, como lembra Pierre Mimin4, não enuncia senão proposições úteis, pertinentes, claramente ordenadas. Devem ser evitados a difusão, os pormenores, ociosos, a repetição de ideias, as relexões pueris, as considerações distanciadas do debate. Enim, no dizer do ilustre Presidente da Corte de Apelação de Angers, a sentença judiciária deve impor-se pela vigorosa concisão.

(...)

Há que lembrar que a linguagem das decisões judiciais está comprometida com a linguagem culta e representa determinado nível de cultura. Por isso, importa que o prolator da sentença escolha com cuidado as palavras e dê atenção à propriedade dos termos, respeite as regras de pontuação, evite os pleonasmos e as palavras repetidas ou redundantes, e bem assim os solecismos ou vulgarismos, que não se coadunam com esse tipo de exposição escrita. Até mesmo ‘as graias errôneas, às vezes irrelevantes em si mesmas, no dizer de J. Mattoso Câmara Jr., ganham vulto e importância, porque são tomadas como índice de cultura geral de quem escreve, mostrando nele, indiretamente, pouco manuseio de leituras e pouca sedimentação escolar’5 (ARRUDA, 1997, pp. 1-23).

Ainda sobre o uso da língua portuguesa e sua invariável necessidade na interlocução entre o juiz e as partes envolvidas no processo, citamos, para não haver prolongamento excessivo, o artigo 156 de Código de Processo Civil brasileiro, que assim se expressa:

Art. 156. Em todos os atos e termos do processo é obrigatório o uso do vernáculo. Selecionamos alguns eminentes juristas de cuja doutrina se extrai o quanto queremos enfatizar com a lacônica e loquaz enunciação do artigo supracitado.

Humberto heodoro Júnior, Luiz Guilherme Marinoni, Daniel Mitidiero, heotonio Negrão, entre outros, retrocedem à gênese do artigo do CPC ora perquirido:

Vernáculo. Em todos os atos processuais é obrigatório o uso do idioma nacional (língua portuguesa, art. 13, CRFB). Razões ligadas à soberania nacional e ao direito fundamental ao contraditório impõem essa solução (STF, Pleno, HC72.391-8/df, REL. Min. Celso de Mello, j. em 08.03.1995, p. 5.791). Assim, é vedada a citação de trechos de obras estrangeiras em peças processuais sem a respectiva tradução para o vernáculo (STJ, 1ª Turma, Resp 780.905/RS, rel. Min. Denise Arruda, j. em 11.06.2007, DJ 22.06.2007). (MARINONI & MITIDIERO, 2011, p. 196)

A regra do art. 156 do CPC vincula-se ao disposto no art. 13 da Constituição, que adota a língua portuguesa como o idioma oicial do Brasil, motivo pelo qual nenhum documento redigido em língua estrangeira será juntado aos autos senão depois de vertido para o vernáculo (art. 157). Indicação Doutrinária: Moacyr Lobo da Costa, Agravo no Direito Lusitano, p. 24 - sobre a obrigatoriedade do uso do português em documentos públicos em Portugal. (THEODORO JÚNIOR, 2010, p. 152)

Carreira Alvim, por seu turno, encarecendo a teleologia do âmbito da discussão forense, assim se manifesta:

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Comentários - Sendo o processo o campo onde se desenvolve uma atividade pública, como é a função jurisdicional, nem precisaria o art. 156 impor a obrigatoriedade do uso do vernáculo na prática de atos processuais e na lavratura de termos processuais, porque este seria utilizado. (...) Se as partes não souberem falar o português, devem ser assistidas por intérprete nomeado pelo juiz (art. 151). (CARREIRA ALVIM, 2009, pp. 23-4)

Embora enfatize a tautologia do artigo em tela ao preconizar o uso da língua portuguesa no ato público que constitui o decurso de um processo judicial, Carreira Alvim reconhece, em nota de pé de página, que o alerta contém relevância ao afirmar:

O CPC-39 não continha o preceito do art. 156, ao contrário do direito português, cujo art. 139 estabelece que "nos atos judiciais usar-se-á a língua portuguesa" e do direito italiano, cujo art. 122 prescreve que " in tutto processo è prescritto l´uso della lingua italiana" (em todo processo...

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