A nova competência da justiça do trabalho (Uma Contribuição para a Compreensão dos Limites do novo Art. 114 da Constituição Federal de 1988)

AutorRodolfo Pamplona Filho
CargoJuiz Titular da 1 Vara do Trabalho de Salvador do Tribunal Regional do Trabalho da Quinta Região (Bahia)
Páginas94-130

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01. Considerações iniciais

Muito se tem debatido e escrito sobr>e a Emenda 45/2004, a chamada “Reforma do Judiciário”.

Um dos temas, porém, que mais tem gerado controvérsia, sem sombra de qualquer dúvida, se refere à nova regra constitucional de competência da Justiça do Trabalho, na medida em que se digladiam correntes ampliativas e restritivas, na sempre salutar busca pela interpretação que melhor atenda à finalidade da modificação e aos interesses da população.

Assim, partindo sempre da premissa de que a diversidade de posicionamentos é fruto das melhores intenções de garantir estabilidade e segurança às relações jurídicas, ousamos apresentar a nossa contribuição pessoal para a compreensão dos limites do novo art. 114 da Constituição Federal.

Para isso, todavia, parece-nos indispensável tecer algumas considerações sobre a ampliação da competência da Justiça do Trabalho no contexto da Reforma do Judiciário, bem como relembrar as regras básicas anteriores de sua competência material, pois acreditamos que não é possível se interpretar isoladamente o novel dispositivo, desprezando todo um arcabouço histórico interpretativo.

02. A Ampliação da Competência da Justiça do Trabalho no contexto da Reforma do Judiciário

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A Emenda Constitucional nº 45/2004 é, na nossa opinião, uma reforma com perfil conservador.

De fato, sem nos aprofundar em cada um dos novos institutos, podemos destacar, como medidas que depõem em favor da conservação das estruturas:

  1. Súmula Vinculante (art. 103-A);

  2. Conselho Nacional de Justiça (art. 103-B);

  3. Interstício para Ingresso na Magistratura (art. 93, I);

  4. “Quarentena” para reingresso na Advocacia (art. 95, V)

Até mesmo aquilo que poderia soar como um grande avanço, que é a previsão do § 3º do art. 5º (“Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”), inserido justamente na Reforma do Judiciário, somente pode ser considerado inovador por força da jurisprudência conservadora do Supremo Tribunal Federal 1 , uma vez que,Page 96para os internacionalistas em geral, a mencionada previsão formalizaria, ainda mais, o processo de adesão do Brasil aos tratados internacionais de direitos humanos, pois estes já se incorporariam automaticamente ao nosso Direito positivo com sua ratificação, por força do § 1º do mesmo dispositivo (“As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”) 2 .

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Nesse contexto, é de se destacar que, na contra-mão da ideologia da reforma, a Justiça do Trabalho, que sempre foi muito mal vista pelos setores mais conservadores da sociedade (a ponto de, há bem pouco tempo, ter sido cogitada, sem êxito, a sua extinção...) ter sido fortalecida, com a possibilidade de uma atuação muito maior do que outrora 3 .

E como era essa atuação?

É o que pretendemos lembrar no próximo tópico!

03. A Competência Material Tradicional da Justiça do Trabalho

Dispunha o caput do art. 114 original da Constituição Federal de 1988, in verbis:

“Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União, e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, bem como os litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças, inclusive coletivas.”

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A análise cuidadosa desse dispositivo nos levou a concluir 4 que, em verdade, o texto constitucional encerrava uma “regra trina”.

De fato, a norma básica de competência material da Justiça do Trabalho se desdobrava em três regras constitucionais de competência material, assim sistematizadas:

  1. Competência material natural, originária ou específica;

  2. Competência material legal ou decorrente;

  3. Competência material executória.

Compreendamos, ainda que rapidamente tais regras.

03.01. Competência material natural, originária ou específica

A competência material natural, também conhecida como originário ou específica, nada mais era do que a atribuição da Justiça do Trabalho para conhecer e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores.

Ante a inviabilidade de falar-se em empregador como um dos pólos de uma relação jurídica sem que no outro pólo o sujeito que se apresenta seja o empregado, interpretava-se por ‘trabalhador’ a figura do empregado.

Assim, de acordo com essa regra da competência material natural, era a Justiça do Trabalho o ramo do Poder Judiciário competente para decidir todas as questões entre empregados e empregadores, os quais se acham envolvidos, a esse título (ou seja, com essa qualificação jurídica), numa relação jurídica de emprego.

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Ou seja, o que importava era a qualificação jurídica de “empregado” e “empregador” para se delimitar a competência. Nessa linha, havia até mesmo quem defendesse que a regra de competência da Justiça do Trabalho fosse mais de natureza pessoal do que material.

Assim, não haveria necessidade de nenhuma outra autorização legal para que ao Judiciário Trabalhista viesse a ser confiada a solução de uma lide entre esses dois sujeitos, pois a previsão constitucional bastava por si mesma.

Registre-se, inclusive, que pouco importava o tipo de relação de emprego (aqui abrangendo-se relações empregatícias urbanas, rurais, domésticas, temporárias, a domicílio, entre outras). Bastava estar-se diante de relação empregatícia para a questão situar-se no âmbito de competência material da Justiça do Trabalho, independentemente de lei.

03.02. Competência material legal ou decorrente

Já a regra de competência legal ou decorrente era entendida da seguinte forma: para solucionar controvérsias decorrentes de outras relações jurídicas diversas das relações de emprego, a Justiça do Trabalho só seria competente se presentes dois requisitos: a expressa previsão de uma lei atributiva dessa competência e se a relação jurídica derivar de uma relação de trabalho.

Esse princípio encontrava fundamento na parte final do art. 114 da Constituição da República, que, depois de situar, na esfera da competência da Justiça do Trabalho, os dissídios entre empregados e empregadores, o fazia, também, na forma da lei, para outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho.

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A correta interpretação desse segundo princípio nos leva à conclusão que visava o mesmo à previsão de possibilidade de competência da Justiça do Trabalho para controvérsias trabalhistas entre sujeitos que não se enquadrem na qualificação jurídica de “trabalhadores” e/ou “empregadores”.

Assim, quando o art. 114 da C.F./88 se referia à competência para julgar “na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho”, não estava se referindo a controvérsias não previstas nas normas trabalhistas entre empregadores e empregados, mas sim a litígios em que figurassem, em um ou nos dois pólos da relação, sujeitos distintos das figuras citadas (afinal, os conflitos entre eles eram de sua competência material natural), embora a controvérsia fosse decorrente de uma relação de trabalho.

Observe-se, porém, que não estávamos a afirmar, naquele momento histórico, que toda e qualquer controvérsia oriunda de relações de trabalho poderia ser decidida pelo Judiciário Trabalhista.

O que inferimos da regra constitucional original é que era possível a existência de competência da Justiça do Trabalho para apreciar lides de outros sujeitos distintos dos previstos na sua regra de competência material natural, desde que houvesse lei específica que preveja tal hipótese.

Era o caso, por exemplo, dos “dissídios resultantes de contratos de empreitadas em que o empreiteiro seja operário ou artífice” (art. 652, III, CLT) ou das “ações entre trabalhadores portuários e os operadores portuários ou o Órgão Gestor de Mão-de- Obra – OGMO decorrentes da relação de trabalho” (art. 652, V, CLT). Em ambas as situações, não há vínculo empregatício, mas, sim, relações de trabalho que eram submetidas, por norma infraconstitucional, à Justiça do Trabalho.

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Outro bom exemplo constava da Lei 8.98495, que, em seu art. 1º, declarava que “Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios que tenham origem no cumprimento de convenções coletivas de trabalho ou acordos coletivos de trabalho...

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