OAB deve adequar linguagem pela igualdade de gênero

A gramática, segundo os dicionaristas, é o “estudo ou tratado dos fatos da linguagem, falada e escrita, e das leis naturais que a regulam” (Aurélio. p.862). E o dicionário, também segundo o mesmo, é o “conjunto de vocábulos de uma língua ou termos próprios de uma ciência ou arte, dispostos, em geral, alfabeticamente, e com o respectivo significado, ou a sua versão em outra língua” (Aurélio, p.587).


Neste sentido é que diariamente ouvimos as expressões: “procura no dicionário/gramática”; “ver como é no dicionário/gramática”. E nós, de forma constante, somos obrigados a procurar o dicionário/gramática para vermos “como é o certo”. É, portanto, o dicionário/gramática algo que define como é, como deve ser ou não ser, em termos de vocabulário.


Constitui-se, tal instrumento — o dicionário/gramática — como o definidor do significado das palavras, de forma pretensamente neutra. Como se o dicionário/gramática se encontrasse acima das contradições que regem essa nossa “moderna” sociedade. Sendo que, por ser apresentado desta forma e por ocupar tal lugar, o dicionário/gramática funciona como um estabilizador da linguagem, como algo que estabiliza o instável. Contribuindo, desta forma, para manter o “estabelecido”, e assim, de acordo com Paulo Freire, obscurecendo novas concepções ou possibilidades e realidades.


Tem certas regras contidas no dicionário/gramática que são determinantes para a construção/preparação de uma sociedade machista. Vejamos. Desde cedo somos instruídos, e instruímos, nas escolas algumas regras determinantes desse quadro.


Ensina-se, prega-se, cumpre-se a regra da superioridade do masculino perante o feminino sem nenhum questionamento ou ponderação de qual é o impacto desse ensinamento, nas salas de aulas do pré-escolar até o ensino médio, sobre o caráter/personalidade dos adultos em construção. Qual é a percepção de um adolescente, sentado ao lado das colegas, que passou dez anos ouvindo e ‘aprendendo’ que o masculino prevalece sobre o feminino; que o masculino absorve o feminino; que o masculino precede ao feminino?


O ensino dessas ‘regras’, transmitidas de forma neutra, isenta, supostamente desprovidas de qualquer valoração, influencia em que e sustenta o que nas relações de gênero dentro de nossa sociedade? Essa construção pedagógica é determinante na formação de imaginários masculinos autoritários e femininos submissos.


Resgato aqui um fato histórico emblemático, ocorrido em 1930: em entrevista a jornalista e escritora Regina Echeverria, o político José Sarney explica o motivo do bordão brasileiras e brasileiros. Diz o ex-presidente da república que cunhou a frase “inspirado no veto à primeira mulher que tentou entrar para a Academia Brasileira de Letras” (ECHEVERRIA, Regina. SARNEY. A Biografia. Leya. 2011. P. 403).


Tratava-se da escritora Amélia Carolina de Freitas Beviláqua, esposa de Clóvis Beviláqua, que teve sua candidatura a imortal vetada pela ABL sob o argumento de que o “brasileiros” contido no estatuto e no Código Civil de 1916 era um “substantivo masculino”.


Não basta a Constituição da República abrir seu Título II “dos direitos e garantias fundamentais” com a afirmação da igualdade entre homens e mulheres. É necessária a sua concretização. A começar pela linguagem — censor e condutor de todo porvir. Lembre-se o ensinamento bíblico de que “a perdição do homem não está no que entra, mas no que sai de sua boca”.


A edição da Lei de 12.605/12 significa um avanço extraordinário na concretização da igualdade de gênero no Brasil. Festejada Lei “Determina o emprego obrigatório da flexão de gênero para nomear profissão ou grau em diplomas”. Determinando em seu artigo 1° que “as instituições de ensino públicas e privadas expedirão diplomas e certificados com a flexão de gênero correspondente ao sexo da pessoa diplomada, ao designar a profissão e o grau obtido”.


Assim, a graduação em direito deve ser nomeada bacharel ou bacharela, com o desdobramento lógico jurídico imperativo na designação da profissão: advogado e advogada — com a obrigatória flexão de gênero refletida na nominação da Entidade de Classe, que tem por finalidade representar a advocacia brasileira, a OAB (artigo 44, da lei de 8.906/94). Neste sentido a OAB deve designar, segundo as regras da boa educação, Ordem das Advogadas e Advogados do Brasil. A sigla permanece a mesma.


Cabe registrar que hoje temos um número de advogadas quase igual ao de advogados, com uma previsão de superação pelas advogadas no ano de 2020, mantida a atual taxa de crescimento, fato que já aconteceu em relação ao quadro de estagiárias e...

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