Teoria do Ordenamento Jurídico: Uma Unificação à Luz da Geometria Euclidiana

AutorCarlos Alberto Bittar Filho
CargoProcurador do Estado de São Paulo. Doutor em Direito pela USP
Páginas9-12

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Dois mundos há que, apesar de distintos, se interpenetram: o mundo do ser e o mundo do dever-ser. Aquele é o mundo da realidade, regido pelas leis naturais, fundadas na causalidade (circular e linear); este, por seu turno, é o mundo do Direito, da fenomenologia jurídica e de suas formas de expressão (Rubens Limongi França). A característica distintiva da norma jurídica é, a nosso ver, a incidência - e não a sanção (Marcos Bernardes de Mello). É por intermédio daquela que a norma jurídica faz com que determinado fenômeno natural entre no mundo do deverser, juridicizando-se.

É a partir do mundo do ser que se forma o do deverser. Em outras palavras, é com lastro na realidade dada que determinada sociedade, de acordo com a sua experiência histórico-cultural, constrói o mundo jurídico, ou ordenamento jurídico, ou mundo do dever-ser, através do acúmulo de normas jurídicas, consubstanciadas apenas no costume (sociedade simples), ou nele e também em outras Page 10 formas de expressão (legislação, doutrina, jurisprudência e princípios gerais), conforme o grau de complexidade do organismo social. Construído o mundo jurídico, passa ele a incidir sobre os suportes fáticos concretos, desde que abstratamente previstos.

No mundo do ser, vislumbram-se quatro dimensões: o comprimento (dimensão plana longitudinal), a altura (dimensão vertical), a largura (dimensão plana transversal) e o tempo (a "quarta dimensão"). O mundo do dever-ser, por sua vez, é formado, do ponto de vista puramente normativo, pela fusão de dois grandes planos (ou semiplanos), unidos por uma relação de instrumentalidade: o direito material e o direito processual (Cândido Rangel Dinamarco). Estes se complementam, fundindo-se em um todo único, que é o ordenamento jurídico, relativamente ao qual também se pode falar em dimensões, que são: a existência, a validade, a vigência e a eficácia jurídica.

Servindo-nos da beleza e elegância da Geometria Espacial, para melhor visualização desses fenômenos, poderíamos considerar o mundo dos fatos como um cubo e o mundo jurídico como uma pirâmide reta quadrada nele inscrita, com a mesma altura, porém com base menor (tanto em comprimento quanto em largura) que a daquele. Isso significa afirmar que o mundo do dever-ser está inserido no mundo do ser, dele partindo e a ele destinando-se. Tudo o que é jurídico importa ao mundo fático, pois o mundo do Direito está calcado na realidade, nela haurindo sentido, mas nem todo fato é juridicamente relevante. A forma piramidal do ordenamento jurídico deriva do fato de ser ele hierarquicamente construído, a partir da sistemática de normas fundantes e fundadas (Hans Kelsen).

À medida que se sobe na hierarquia das normas, vão elas numericamente escasseando; inversamente, à proporção que se desce, são aquelas mais e mais abundantes. Por outro lado, subindo-se em tal hierarquia, os campos de incidência das normas tendem a ampliar-se, até que se alcance a maior das normas, cujo campo de incidência abarca todo o ordenamento. As normas jurídicas compõem a tessitura do mundo do dever-ser, sendo suas formas de expressão; as superiores, mais escassas, dão validade às inferiores, mais abundantes. Dessa maneira, é lícito afirmar que as normas superiores permitem o alargamento do sistema jurídico, por darem fundamento de validade às inferiores, as quais são numericamente mais abundantes e também representam, em última análise, desdobramentos eficaciais das primeiras.

Dada a estrutura hierarquizada do sistema jurídico, é lícito conceber cada degrau da escala como sendo o produto da fusão dos planos do direito material e do direito processual (este e aquele são semiplanos de cuja fusão resultam os planos que, paralelos e superpostos, constituem os degraus hierárquicos do ordenamento). Toda a pirâmide jurídica, por sua vez, apresenta aquilo que a doutrina denomina vigor (Tércio Sampaio Ferraz Jr.), que é sua força, seu poder de império. Dentro da concepção matemática que estamos expondo, o vigor não constitui mais uma dimensão, podendo ser representado como o vetor peso da pirâmide jurídica. Tal não significa que o sistema jurídico seja uma entidade estática; a...

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