Patentes e bases legais: escopos internacional e nacional

AutorParanaguá, Pedro
Páginas33-60

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Bases internacionais da propriedade industrial

A Convenção da União de Paris (CUP)

A necessidade de proteger as novas tecnologias desenvolvidas para e pela nova produção em escala industrial culminou com a realização da histórica Convenção de Paris, reunida pela primeira vez em 1883 e tendo como objetivo a harmonização internacional do sistema de propriedade industrial. Daí originou-se o atual Sistema Internacional da Propriedade Industrial. Surge assim o vínculo entre uma nova classe de bens de natureza imaterial e a pessoa do autor, assimilado ao direito de proprie-dade. Os trabalhos preparatórios dessa convenção internacional se iniciaram em Viena, no ano de 1873. Cabe lembrar que o Brasil foi um dos 14 países signatários originais. A Convenção de Paris sofreu revisões periódicas, a saber: Bruxelas (1900), Washington (1911), Haia (1925), Londres (1934), Lisboa (1958) e Estocolmo (1967). A convenção conta hoje com 171 países signatários.2222Ver .

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A CUP, em seu art. 1º, estabelece os objetos da propriedade industrial, quais sejam: as patentes de invenção, os modelos de utilidade, as marcas de comércio, os desenhos ou modelos indus-triais, as marcas de fábrica ou de comércio, as marcas de serviço, o nome comercial e as indicações de proveniência ou denominações de origem, bem como a repressão à concorrência desleal.

A CUP marcou o início da internacionalização da matéria, uma vez que, apesar de prever liberdade para os países signatários estabelecerem suas leis nacionais, exigiu paridade no tratamento dispensado aos inventores, através do princípio da “não discriminação”, homogeneizando os direitos e obrigações de residentes ou não no país de depósito. Tais princípios são de observância obrigatória pelos países signatários. Cria-se um “território da União”,23constituído pelos países contratantes, onde se aplicam os princípios gerais de proteção aos direitos de propriedade industrial.

Esse acordo é administrado pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual (Ompi).

Princípios basilares da CUP

Tratamento nacional

Esse princípio encontra-se no art. 2º da CUP e estabelece que os nacionais de cada um dos países-membros devem gozar, em todos os outros da União, da mesma proteção, vantagens e direitos concedidos (presentes e futuros) pela legislação do país a seus nacionais, sem que nenhuma condição de domicílio ou de estabelecimento seja exigida. Assim, os domiciliados ou os que possuem estabelecimentos industriais ou comerciais efetivos no território de um dos países-membros da CUP (art. 3º) são equi-

23Ver .

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parados aos nacionais do país onde foi requerida a patente ou o desenho industrial.

Ressalva expressamente a CUP as disposições das legislações nacionais, no que tange aos processos judicial e administrativo, relativas à competência, à escolha de domicílio ou de estabelecimento no país ou à designação de mandatário.

Prioridade unionista

Esse princípio tem seu fulcro no art. 4º, que dispõe que o primeiro pedido de patente depositado em qualquer um dos países-membros servirá de base para depósitos subsequentes relacionados à mesma matéria, efetuados pelo mesmo depositante ou seus sucessores legais. O prazo para exercer tal direito é de 12 meses para invenção e modelo de utilidade.

O direito de prioridade unionista é regulado por parâmetros que devem ser observados pelos países da União, entre os quais podemos destacar:

reconhece-se como dando origem ao direito de prioridade qualquer pedido com valor de pedido nacional regular, em virtude da legislação nacional de cada país da União ou de tratados bilaterais ou multilaterais celebrados entre países da União. Deve entender-se por pedido nacional regular qualquer pedido efetuado em condições de estabelecer a data em que o mesmo foi apresentado no país em causa, independentemente do resultado ulterior do pedido (art. 4º, A);

a possibilidade de o direito de prioridade estar fundamentado nos pedidos de patente de naturezas diversas; assim, um pedido de invenção poderá servir de base para um pedido de modelo de utilidade e vice-versa (art. 4º, E);

a possibilidade de que um único pedido ulterior seja depositado com base em diversos pedidos anteriores (priorida-

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des múltiplas), mesmo que provenientes de diferentes países (art. 4º, F);

a impossibilidade de recusar o direito de prioridade de um pedido ulterior com o fundamento de que o mesmo contém elementos não compreendidos no pedido anterior que deu origem à prioridade. Nesse caso, o direito de prioridade cobrirá somente a matéria contida no pedido anterior, e o pedido ulterior dará lugar a um direito de prioridade em relação aos elementos novos apresentados (art. 4º, F);

não é obrigatória a identidade entre as reivindicações do pedido que deu origem ao direito de prioridade e o pedido ulterior, contanto que a matéria esteja totalmente descrita no primeiro pedido (art. 4º, H).

Territorialidade

Esse princípio consagrado estabelece que a proteção conferida pelos Estados através da patente ou do registro do desenho industrial tem validade somente nos limites territoriais do país que a concede.

Note-se que a existência de patentes regionais, como por exemplo a patente européia, não constitui exceção a tal princípio, visto que tais patentes resultam de acordos regionais determinados, pelos quais os países-membros acordam o reconhecimento de patente concedida pela instituição regional como se fora outorgada pelo próprio Estado nacional.

Independência dos direitos

Esse princípio está disposto no art. 4º bis da CUP e complementa o princípio da territorialidade. Por ele se define que as patentes concedidas (ou os pedidos depositados) em quaisquer dos países

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pertencentes à União são independentes das patentes concedidas (ou dos pedidos depositados) correspondentes em qualquer outro país signatário ou não da convenção. Tal dispositivo tem caráter absoluto. A independência está relacionada às causas de nulidade e de caducidade, também do ponto de vista da vigência.

A Organização Mundial da Propriedade Intelectual (Ompi)

A Ompi foi criada através de um convênio firmado em Estocolmo em 1967 e emendado em 1979. Seus objetivos iniciais eram fomentar a proteção da propriedade intelectual em todo o mundo mediante a cooperação dos Estados, em colaboração com outras organizações internacionais, e assegurar a cooperação administrativa entre as Uniões de Paris e de Berna.

Segundo Paranaguá (2006), a Ompi foi concebida por advogados que tinham como clientes empresas interessadas em proteção intelectual. Em 1974, a Ompi passou a ser um organismo especializado do sistema da Organização das Nações Unidas, com a prerrogativa específica de lidar com as questões de propriedade intelectual, mas agora a Ompi não deveria tão somente “proteger” propriedade intelectual, mas sim promover o desenvolvimento econômico, social e cultural dos países membros. Propriedade intelecutal não deveria mais ser vista como um fim em si mesmo, mas sim como um meio para o desenvolvimento econômico, social e cultural.

O papel da Ompi no sistema internacional de propriedade intelectual começou a dar sinais de enfraquecimento quando o tema dos direitos de propriedade intelectual passou a ser discutido no âmbito do comércio internacional, durante a chamada Rodada Uruguai do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (Gatt), ocorrida entre 1986 e 1994. Essa rodada culminou com a criação da Organização Mundial do Comércio (OMC), como veremos a seguir.

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A discussão do tema de propriedade intelectual no Gatt foi consequência de fortes pressões de setores industriais norte-americanos de computadores, softwares, microeletrônicos, produtos químicos, produtos farmacêuticos e biotecnologia.24Com a entrada em vigor do Acordo Trips e a criação da OMC, a Ompi perdeu parte importante do seu espaço de atuação e passou a fornecer assistência técnica nos assuntos relacionados a esse acordo aos países-membros da OMC.

A Organização Mundial do Comércio (OMC)

A OMC estabelece regras comerciais em nível mundial, com efeitos vinculativos para seus membros. Não é apenas uma instituição, mas também um conjunto de acordos. O regime da OMC constitui um sistema multilateral de comércio baseado em regras.

Sua história teve início em 1947, quando foi estabelecido o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (Gatt) para reduzir tarifas, eliminar obstáculos comerciais e facilitar o comércio de mercadorias. Com o passar do tempo, o Gatt se desdobrou em oito rodadas de negociações comerciais multilaterais, sendo a Rodada Uruguai (1986-94) a mais extensa de todas até o momento. A OMC foi estabelecida em Marrakesh em 1º de janeiro de 1995, após a conclusão da Rodada Uruguai. Posteriormente o Gatt deixou de existir, e seus textos jurídicos foram incorporados à OMC com o nome de “Gatt de 1994”.

A OMC buscou cristalizar normas globais para uma economia que se globalizava. Conforme análise de Cruz (2005), o resultado da Rodada Uruguai do Gatt pode ser definido como uma verdadeira reforma constitucional, sobretudo se levarmos em consideração a implementação de um mecanismo de solução de

24Sell, 2005.

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controvérsias e o acordo alcançado na seara da propriedade intelectual. O conteúdo deste último envolve não apenas padrões gerais a serem observados pelas legislações nacionais, mas também disposições detalhadas sobre os procedimentos que deverão ser aplicados para sancionar direitos individuais (e corporativos) de propriedade, conforme veremos no tópico...

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