Pelo fim da 'Clásula de Reserva de Plenário

AutorFábio Carvalho Leite
CargoProfessor de Direito Constitucional dos cursos de graduação e pós-graduação da PUC-Rio
Páginas91-131
Pelo m da “Cláusula de
Reserva de Plenário”
Fábio Carvalho Leite*
1. Introdução
A chamada cláusula de reserva de plenário, uma constante na história
constitucional brasileira desde o texto de 1934, determina que, no âmbito
dos tribunais, a declaração de inconstitucionalidade de um ato normativo
somente pode ocorrer por decisão da maioria absoluta dos magistrados
que compõem a Corte (ou seja, o pleno do tribunal). Nesse sentido, quan-
do uma questão de inconstitucionalidade for suscitada perante um órgão
fracionário de um Tribunal (Câmara ou Turma do Tribunal), no julgamento
de um caso concreto, o relator, depois de ouvir o representante do Ministé-
rio Público, deverá, independentemente do entendimento deste, submeter
a questão aos demais magistrados que integram o referido órgão fracioná-
rio. Caso os magistrados, por maioria, entendam que a norma impugnada
é constitucional, deverão prosseguir com o julgamento. Caso entendam,
por maioria, que se trata de lei inconstitucional, deverão suspender o jul-
gamento, lavrar acórdão nesse sentido, e encaminhar a questão ao pleno do
Tribunal. Caberá a este, composto por todos os magistrados que integram
o Tribunal (incluindo os membros do referido órgão fracionário suscitante),
* Professor de Direito Constitucional dos cursos de graduação e pós-graduação da PUC-Rio. Mestre em
Teoria do Estado e Direito Constitucional (PUC-Rio) e Doutor em Direito Público (UERJ). Coordenador
do Núcleo de Estudos Constitucionais da PUC-Rio. Assessor Jurídico da Reitoria da PUC-Rio. Membro da
Comissão de Ensino Jurídico da OAB-RJ.
Email: fabiojur@puc-rio.br
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decidir sobre a questão, só podendo declarar a inconstitucionalidade da
lei se a maioria absoluta dos seus membros votarem neste sentido. Chega-
-se, desse modo, a uma verdadeira “posição do Tribunal” (pleno) sobre a
inconstitucionalidade de uma lei, com destaque para o fato de que este
resultado só pode ser alcançado se a maioria absoluta de seus integrantes
também entender pela incompatibilidade da lei com a Constituição.
É verdade que a cláusula foi introduzida no direito constitucional bra-
sileiro num processo constituinte (1933-34) marcado, no que tange ao
tema do controle de constitucionalidade, por uma forte preocupação com
o poder conferido ao Judiciário no exercício da judicial review. Mas as ra-
zões de ordem democrática que justif‌icam esta regra superam eventuais
excessos nesse sentido – tanto que foi reproduzida nas Constituições pos-
teriores, sempre imune a críticas de qualquer espécie (diferente, por exem-
plo, da competência atribuída ao Senado, art. 52, X, CRFB, também criada
no mesmo período, e que tem sido alvo constante de críticas por parte da
doutrina).
Penso, contudo, que é chegado o momento de lançarmos um olhar
crítico sobre esta regra, cuja prática tem revelado dif‌iculdades e problemas
de ordem democrática que a sua irretocável teoria oculta e – vou além –
que até comprometem a legitimidade de que ela aparentemente se reveste.
Considero pontos importantes para a legitimidade da referida cláusula
os seguintes aspectos: (i) há uma posição do tribunal sobre a constitucio-
nalidade da lei, (ii) tomada pela maioria absoluta (iii) de todos os seus
membros, (iv) o que inclui a participação dos magistrados que integram o
órgão suscitante – e que, portanto, irão julgar o caso concreto a partir do
que for decidido sobre a constitucionalidade da lei (ponto que considero
relevante por razões a serem abordadas adiante).
Estes aspectos estarão necessariamente presentes nos julgados de Tri-
bunais de Justiça (TJs) como o de Roraima (que conta com um total de 7
Desembargadores), o do Acre e o do Amapá (ambos com 9 Desembarga-
dores), mas absolutamente ausentes nos julgados dos Tribunais de Justiça
como o do Paraná (com 120 Desembargadores), o do Rio Grande do Sul e
o de Minas Gerais (ambos com 140 Desembargadores), o do Rio de Janeiro
(com 180 Desembargadores) e o de São Paulo (com 355 Desembargado-
res), onde a questão constitucional, por razões compreensíveis, não pode
ser apreciada pelo pleno. No caso destes tribunais, o controle de consti-
tucionalidade é exercido por um órgão especial, composto por no máximo
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25 magistrados (art. 93, XI, CRFB), afastando assim todos os aspectos aci-
ma relacionados que legitimam a referida cláusula.
Tomemos como exemplo o Tribunal de Justiça de São Paulo, cujo pleno
conta com 355 desembargadores, e o órgão especial, com 25. No âmbito
desta Corte, se 13 desembargadores que integram o referido órgão (maioria
absoluta) entenderem que uma lei é inconstitucional, esta será “a posição
do Tribunal”, ainda que (hipoteticamente) todos os outros 342 desembar-
gadores que integram o mesmo tribunal entendam de outra forma – e com
a agravante, deve-se lembrar, de que as leis presumem-se constitucionais.
Ou seja, o controle é exercido por uma minoria, e seu resultado, imposto
à maioria. A diferença, convenhamos, é gritante – de modo que, para os
f‌ins do presente estudo, e nos momentos em que for relevante ressaltar
a diferenciação, chamarei de “cláusula de reserva de órgão especial” a regra
prevista no art. 97 da CRFB quando o controle de constitucionalidade for
exercido por este órgão.
Os problemas decorrentes desta “cláusula de reserva de órgão espe-
cial”, contudo, afetam somente parte dos tribunais do País – ainda que par-
te expressiva (11, dos 27 TJs, por exemplo, contam com órgão especial).
A crítica mais contundente à regra do art. 97, CRFB, e que afeta todos os
tribunais indistintamente, refere-se às limitações que ela, efetiva ou po-
tencialmente, impõe à interpretação e à aplicação do texto constitucional
pelos magistrados que integram os órgãos fracionários dos Tribunais, que,
por sua vez, interpretam e aplicam as leis aos casos concretos. A idéia
de “reserva”, quando efetivamente relacionada ao pleno, sugere um fórum
mais amplo e, portanto, mais democrático para a análise da constituciona-
lidade de uma lei, reforçando a legitimidade da cláusula. Por outro lado, a
mesma idéia de reserva também anuncia uma espécie de vedação aos ór-
gãos fracionários para o exercício desta análise. É este outro lado da moeda,
ocultado pela legitimidade que a idéia mais visada de “reserva” confere à
cláusula, que pretendo explorar neste ponto do trabalho.
Entendo que a cláusula de reserva de plenário não impede os órgãos
fracionários apenas de declararem a inconstitucionalidade da lei, mas de,
potencial ou efetivamente, exercerem a chamada “jurisdição constitucio-
nal”, que é um conceito mais amplo do que a idéia de controle de consti-
tucionalidade. É dizer, a cláusula mira no que vê, mas acerta o que não vê.
Consideremos, a título de ilustração, uma determinada lei ordinária,
que, como qualquer outro ato normativo, está sujeita a interpretações. No
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