\'Estado só pode intervir em entidade que recebe verba pública\'

O advogado Carlos Miguel Cástex Aidar é um homem dividido. As manhãs são dedicadas ao escritório Aidar SBZ, fundado há dois anos e meio e que, ele afirma, já pode ser considerado grande. Olhando de sua sala envidraçada para os advogados que atuam no andar abaixo, ele diz em tom de lamento que, de cada 15 profissionais, não conhece dez.


Aidar conta ter se surpreendido uma vez em que, ao questionar no elevador duas mulheres que seguiam para o mesmo andar descobriu que não se tratava de possíveis clientes, mas de suas funcionárias.


Após o almoço, o advogado segue para o Morumbi. Vinte e cinco anos depois de ser substituído pelo também advogado Juvenal Juvêncio na presidência do São Paulo Futebol Clube, ele tem a chance de voltar ao comando do clube, substituindo exatamente Juvenal, que voltou ao comando do clube em 2006 e completará três mandatos consecutivos. Aidar foi escolhido pelo atual presidente para concorrer à sucessão, que ocorre em abril de 2014, e enfrenterá outro colega de profissão, o oposicionista Kalil Rocha Abdalla.


Carlos Miguel Aidar foi um dos idealizadores do Clube dos 13, que uniu os principais clubes do Brasil e assumiu a organização do Campeonato Brasileiro de 1987. Anos depois, colaborou com a redação da Lei Pelé, de 1998, que extinguiu o passe e deu aos atletas o direito de se transferir para onde bem entendessem após o fim de seus contratos.


Entre 2001 e 2003, dividiu seu tempo entre a presidência da seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil e a criação do Estatuto do Torcedor. Foi em sua gestão à frente da OAB-SP que foi aprovada a polêmica resolução sobre pro bono, suspensa no último mês de junho, que restringia a advocacia gratuita por escritórios. Ele afirma, porém, que “não se pode proibir ninguém de advogar de graça”.


Já o Estatuto do Torcedor, criado para regulamentar os direitos e deveres de quem torce por seus clubes no país, completou 10 anos sem que tivesse sanado os problemas enfrentados por quem vai ao estádio. “Eu não acho que ele esteja desprestigiado, mas que algumas leis não são aplicadas de forma adequada”, pondera.


Na contramão das cisões em bancas, em 2011, Carlos Miguel Aidar uniu-se a Antonio Ivo Aidar, Alfredo Zucca Neto e Paulo Sigaud, deixando o Felsberg e Associados para fundar o Aidar SBZ. Responsável pela área de contencioso, que também é sua especialidade, ele recebeu a reportagem da revista Consultor Jurídico na sede do escritório, em um edifício na Avenida Paulista, na manhã de uma quinta-feira (3/10).


Horas antes, o São Paulo havia sido derrotado pelo Santos e a preocupação era visível no rosto de quem vislumbrava a possibilidade de assumir um clube disputando a Série B do Campeonato Brasileiro — risco hoje minimizado após uma sequência de vitórias. O revés da noite anterior, porém, não foi capaz de fazer com que Aidar economizasse palavras para falar sobre Copa do Mundo, Justiça Desportiva, advocacia e gestão legal.


Leia abaixo os principais trechos da entrevista:


Conjur — O Direito Desportivo deve ser uma questão do Estado?

Carlos Miguel Aidar —
Levando em conta que as federações e confederações são sociedades civis autônomas, regidas pelo Código Civil, o Estado não pode intervir na iniciativa privada. O que é a Fifa ou a CBF? Uma sociedade civil sem fins econômicos, imune e fora do alcance do Estado. Mas o artigo 217 da Constituição rege o desporto. Pela primeira vez na história constitucional do país há um dispositivo que constitucionaliza a Justiça Desportiva. E só é possível uma questão seguir para a Justiça Comum depois de esgotados os prazos da Justiça desportiva, que tem 60 dias para decidir em caráter definitivo. Não acho que seja questão do Estado. Porém, se o Estado proporciona recursos financeiros para as entidades, passa a ser. Por exemplo, o Congresso aprova a possibilidade de reeleição única, com mandado máximo de quatro anos. Então, a pessoa pode presidir uma entidade por oito anos. A CBF já disse que não está sujeita, porque não receberia dinheiro público. Não sei se é verdade, mas se não receber verba pública, realmente está isenta.


Conjur — Isso não é uma crise de identidade das instituições? Quando precisam de apoio para renegociar dívida, é questão do Estado, mas na hora de oferecer contrapartida, não.

Carlos Miguel Aidar —
Não acho que seja crise de identidade, mas de oportunismo. As federações e confederações, na medida de suas necessidades, usam as oportunidades. Por exemplo, uma entidade precisa de dinheiro para construir um centro de treinamento. Ela utiliza a Lei de Incentivo ao Esporte, apresenta o projeto, a comissão do Ministério do Esporte analisa, aprova, e permite a captação no mercado. O recurso é dinheiro de Imposto de Renda que o empresário ou a pessoa física deixam de recolher para pagar ao Banco do Brasil, porque a conta é aberta lá, e o BB libera para o projeto, de acordo com a especificidade. É dinheiro público, de renúncia fiscal, que será aplicado em um projeto. Sem projeto algum que envolva verba de renúncia fiscal ou da Lei de Incentivo ao Esporte, como é o caso da CBF, a entidade está fora da restrição.


ConJur — As entidades não abrem mão desse caráter privado.

Carlos Miguel Aidar — Se a nova regulamentação dissesse que todas as entidades estariam sujeitas às normas, algumas questionariam no Judiciário, alegando que é inconstitucional ou não se aplica a elas. Há uma coisa interessante: a análise da Lei Zico e depois da Lei Pelé permite ver que os mecanismos de controle estão sendo melhorados. Atualmente, há mais...

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