O princípio da asserção no Processo Civil Brasileiro

AutorKühn, Vagner Felipe
Páginas103-169

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Vagner Felipe Kühn

Entendimento ventilado no julgamento do Recurso Especial
n. 731746 – SE, Relator Ministro Luis Felipe Salomão do STJ, que também refere expressamente à aplicação da teoria da asserção:

De acordo com a "teoria da asserção", a verificação das condições da ação fica vinculada à narrativa do autor. Assim, cumpre ao magistrado, em regra, ao apreciar a petição inicial, deliberar quanto ao preenchimento dos requisitos necessários à propositura da ação, com base nos fatos narrados pelo autor. (BRASIL, 2009d).

O julgamento do Recurso Especial n. 832370 – MG, Relatora Ministra Nancy Andrighi do STJ, bem acentua a utilização, portanto, de instrumento de separação entre pressupostos de constituição e a validade do processo e mérito. Nesse recurso, a análise do conteúdo da sentença, se de mérito ou não, demonstravase relevante para determinar se cabível ou não os Embargos Infringentes, que impõem a observância da contagem da decisão do primeiro grau (art. 530 do CPC). (BRASIL, 1973):

Na espécie, verifico que o juiz somente se pronunciou acerca da legitimidade ativa depois que toda a prova documental havia sido carreada aos autos. Ademais, dispensou nada menos do que oito páginas da sentença (fls. 240/247) para tratar da questão, analisando a fundo quem a ora recorrida representa e, principalmente, os interesses e direitos que emergem das relações contratuais bancárias.

Dessa forma, a despeito da extinção ter se dado “sem julgamento do mérito”, para decidir acerca da legitimidade ad causam, o juiz se imiscuiu no mérito da ação. Ora, a natureza da sentença, se processual ou de mérito, é definida por seu conteúdo e não pela mera qualificação ou nomen juris atribuído ao julgado, seja na fundamentação ou na parte dispositiva.

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Portanto, também sob esse prisma, entendida como de mérito a sentença de fls. 237/248, indiscutível o cabimento dos embargos infringentes. (BRASIL, 2007c).

No Recurso Especial n. 972766 – SP, por sua vez, é apreciada a possibilidade de um concessionário denunciar à lide o fabricante, por não ter sido este incluído no polo passivo da demanda originária. A Relatora Ministra Nancy Andrighi, ponderando os fatos, aplica o princípio da asserção, pois considera que, independente do mérito, o artigo 88 do Código de Defesa do Consumidor prevê, em abstrato, a tutela do direito de regresso do vendedor em relação ao fabricante, o qual pode ser dirimido nos mesmos autos:

Toda a problemática decorre, na verdade, de uma situação inusitada: Um ato que deve ser praticado no início do processo (a citação) estará correto ou equivocado, dependendo do que se decidir ao final (a existência de relação de consumo).

Situações como essa sempre causam muitas dificuldades para o aplicador do direito. Hipótese semelhante ocorre, por exemplo, quando o juízo a quem um processo foi distribuído deve decidir se a causa envolve relação de trabalho , para definir acerca de sua competência para a causa; ou nos casos em que se solicita à Justiça Federal que decida se há, de antemão, interesse da União que desloque a competência. Em todos esses exemplos, um pequeno elemento ligado ao mérito constitui um pressuposto processual que tem de ser estabelecido imediatamente, antes mesmo do saneamento. Isso gera, via de regra, um impasse. A solução desse impasse está em sempre tomar a causa, inicialmente, em status assertionis. Ou seja, da mesma forma como ocorre nas hipóteses de competência, a questão deve ser decidida,

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não com olhos voltados para a resolução do mérito, mas para o pedido e para a causa de pedir. Havendo a mera afirmação de uma relação de consumo, portanto, a denunciação da lide deve ser indeferida, salvo clara improcedência dessa afirmação, ou teratologia em seu fundamento. (BRASIL, 2008b).

O princípio da asserção, que impõe uma análise em abstrato, foi utilizado em dois momentos pela apontada Ministra: primeiro foi considerado se era impossível a denunciação da lide em relação de consumo, segundo o que era estabelecido pela inicial. Depois, diante do processamento da denunciação e da ponderação de direitos, foi observada a perspectiva do recurso especial, em que já havia sido processada a denunciação da lide, tendo eventual prejuízo com a demora se observado para o consumidor, e, em abstrato, o vendedor também teria um direito não vedado pelo ordenamento de denunciar a lide, segundo o mesmo padrão in status assertionis.

Note-se, portanto, que o escopo desse artigo é duplo. Ao lado do interesse do consumidor, protegido pela vedação da denunciação da lide, também se estabelece uma compensação para o vendedor, possibilitando o exercício imediato e célere de seu direito de regresso. (...)

Não é possível, neste julgamento, recuperar o prejuízo que já foi causado ao consumidor pela admissão da denunciação da lide. O tempo perdido com a citação da litisdenunciada, com a sua contestação, com a réplica, com a produção de provas requerida pela Litisdenunciada, tudo isso não se recupera. A finalidade principal do art. 88, portanto, especificamente na hipótese sub judice, perdeu-se.

Todavia, é possível resgatar sua finalidade subsidiária. Se o referido dispostivo procura tutelar também o direito do vendedor ao célere

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exercício do direito de regresso, não há motivos para não convalidar a denunciação da lide que já foi promovida. Ora, o Litisdenunciado compareceu regularmente ao processo, depois de citado e exerceu à exaustão seu direito de defesa, inclusive apresentando todos os recursos que entendeu cabíveis. Este recurso especial, que ora se encontra em julgamento, foi apresentado por ele, e não pelo réu originário. Nada há, portanto, no processo, que permita afirmar a existência de restrição ao direito de defesa do Litisdenunciado. O devido processo legal foi integralmente respeitado.

Nesse contexto, deixar de convalidar a denunciação da lide, além de não trazer qualquer vantagem para o consumidor, também não representaria a tutela de direito algum do Litisdenunciado. A sua única consequencia seria a de prejudicar a imediata tutela do direito de regresso do Réu Litisdenunciante, direito esse que o CDC também procurou, de maneira expressa, assegurar. Tal solução, portanto, contraria os princípios que informam a legislação consumeirista. (BRASIL, 2008b).

Essa sorte de decisão revela que o princípio da asserção não se opera apenas para averiguar as condições da ação, tendo outras aplicações no processo civil. Além disso, como princípio, deverá ser ponderado, segundo as peculiaridades de cada caso, e, conforme a perspectiva do processo, isto é, segundo a posição jurídica subjetiva que o sujeito processual se encontre, estabelecer-se-á a decisão.

Na verdade, a teoria da asserção chega a ser considerada por decisões do Superior Tribunal de Justiça como sinônima de teoria da ação como direito autônomo e abstrato em contraponto à teoria da ação como direito concreto. É o que se percebe no voto do Ministro Relator Francisco Falcão do STJ, no Agravo Regimental no Recurso Especial n. 877161 / RJ:

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No particular, inclusive, é de se aplicar a

Súmula n. 283/STF, porquanto fundou-se o julgado ora hostilizado na argumentação de que vigente no direito processual a teoria da asserção e não a teoria concretista da ação, motivo por que "as condições da ação são verificadas em abstrato". Sobre este fundamento, suficiente à mantença do acórdão, não se contrapôs a recorrente.

Veja-se que a alegativa de violação do art. 3º do Código de Processo Civil, por si só, não tem o condão de reformar o acórdão recorrido, visto que a Corte ordinária justificou a existência da legitimidade passiva, in casu, tendo como base, à justa, a teoria da asserção. A recorrente, todavia, prende-se à alegativa de que "não é crível manter uma ação civil pública contra a fornecedora de energia elétrica se ela não produz o dano e muito menos está responsável pela operação de equipamentos que podem, em tese, evitá-lo (...)". Aí é que reside o nó górdio da questão: pela teoria da asserção é possível sim que isto aconteça. (BRASIL, 2007a).

A teoria da asserção, como se percebe das decisões citadas, tem demonstrado uma função de norma de direito, mais especificamente, de princípio de direito processual civil. Cumpre, nessa etapa, proceder à investigação das características as quais permitem a identificação de um princípio, bem como o seu papel, como norma cogente, na aclaração das incertezas cognitivas, de modo a verificar se é possível considerar o que se convencionou designar por teoria da asserção (ou teoria da prospettazione) como um princípio da asserção.

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6.1 A utilização dos princípios no processo civil e a

relativização das formas: o nascimento, o

reconhecimento e a utilização dos princípios

processuais civis

Cambi (2009, p. 79-80) leciona que os países da Europa Continental tendem à identificação entre direito e lei. O legislador é, dessa forma, considerado capaz de conferir unidade ao sistema, esgotando em suas previsões, por meio de códigos, os diversos aspectos da vida social.

Ressalta, entretanto, Cambi (2009, p. 81) que “o dogma da completude do ordenamento jurídico [...] é insustentável na sociedade moderna, caracterizada por rápidas transformações socioeconômicas e por uma multiplicidade de idéias, informações e opiniões”.

Com uma nova visão do positivismo jurídico, com base na influência do neoconstitucionalismo, é possível considerar que a norma não está contida integralmente no trabalho do legislador; “o direito nunca está concluído nos textos legislativos”. (CAMBI, 2009, p. 87).

Conforme Almeida (2007, p. 38), “o neoconstitucionalismo...

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