Os Princípios do Processo Coletivo

AutorRennan Faria Thamay
CargoEspecialista em Direito do Consumidor e Fundamentais (UFRGS)
Páginas25-36

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"A razão forma o ser humano, o sentimento o conduz."

Jean-Jacques Rousseau (1712-1778)

1. Dos princípios do processo coletivo: aspectos introdutórios

Tratar de princípios1 para um sistema2 jurídico que quer funcionar é necessário, visto que serão base, ou ainda a espinha dorsal, do referido sistema, para que possa ser congruente e ao mesmo tempo eficiente.

Em uma sociedade3 de moderni-dade tardia4, que para alguns é vista como pós-moderna5, percebemos e vivenciamos as mais diversas ocorrências em ritmo acelerado em demasia, característica esta de uma sociedade extremamente consumista6 e calcada em valores capitalistas7.

Esta sociedade liquefeita que hoje conhecemos é fruto de uma grandiosa complexidade de relações sociais, que a cada dia se transmutam de forma abrupta, chegando isso hoje ao processo e, diga-se mais pontuadamente, ao processo cole-tivo, uma recente "novidade"8 descoberta pelos juristas e que é capaz de, em uma única demanda, refletir efeitos a todos ou a um grande grupo de sujeitos.

A re(valorização) da Constituição Federal, que se deu com a ocorrência do constitucionalismo9, fez com que a carta magna, que antes era desprestigiada, passasse a ter maior destaque, o que também dotou os princípios, por natural, de destaque singular para o direito constitucional e, no caso estudado, no processo coletivo10.

O que se percebe é uma mudança da teoria geral do direito e do processo voltada ao direito civil, passando a uma teoria geral do direito e do processo com matriz constitucional11.

Neste peculiar os princípios ganham relevo no âmbito de quem busca a revalorização das atividades criativas do juiz12, pensando em uma nova realidade, que não mais se constitua através do positivismo, mas sim do pós-positivismo13.

Assim, com a maior colocação em evidência dos princípios e do direito constitucional, temática que é em tese mais compacta14 que os demais ramos como direito civil e penal, torna-se natural que os princípios venham a receber destaque, já que com esse giro o direito constitucional se tornou o centro da teoria geral do direito, e os princípios que com esse direito andam alinhados também ganham em importância de uma forma geral15.

Nas constituições modernas o movimento de positivação dos princípios se tornou comum16, o que automaticamente fez com que passassem a ser também matéria legislada e não mais, como antes, normas de caráter subsidiário ou residual17.

Nesta peculiaridade dos princípios, muitos acabaram por atribuir a eles uma concepção jusnaturalista ou ainda juspositivista18. Na primeira corrente os princípios estariam postados como decorrência natural da existência humana, sendo independentes de positivação, mas, certamente, capazes de orientar a correta aplicação do direito. De outra forma, na segunda corrente os princípios estariam observados somente como normas gerais, mas

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encontráveis por sucessivas generalizações das normas particulares do sistema19.

Observe-se que os princípios são naturalmente fontes primárias20 ao direito e que por natural são, como tal, observados com maior cuidado e pontualidade. Reconhecer essa fonte é necessário para que não restemos engessados em uma sociedade extremamente volátil e que muda a cada instante por sua natural força de evolução e desenvolvimento21.

Compreender a diferença entre normas-princípio e normas-regra22 é essencial para a observação dos processos coletivos de forma mais pontuada. Sabe-se que princípios e regras são, naturalmente, normas por exprimirem o dever-ser, visto que podem por sua natureza estar postados como mandado proibição ou permissão, por exemplo23. Nesse sentido, observando através de uma distinção qualitativa, pode ser perceptivo que os princípios são verdadeiros mandados de otimização, sendo normas que ordenam a feitura ou não de algo em maior ou menos medida, sempre considerando as possibilidades fáticas e jurídicas existentes, podendo restar cumpridos ou não em diferentes graus24.

Já as regras são normas que poderão ser ou não cumpridas, não podendo ser feito nem a mais nem a menos, mas seguindo tão somente a regra válida que permita fazer ou não alguma coisa25.

Refira-se, como afirma Robert Alexy com supedâneo em Esser, que os princípios são bases, por mais que não determinantes, para a criação de uma ou algumas regras, visto que sabidamente pela relevância dos princípios teremos razões, critérios e justificativas para a criação da regra, sendo essa regra fruto direto da existência e importância de determinado princípio26.

Assim, tratar de princípios se torna algo atual e eminentemente necessário para que as premissas posteriores sejam compreendidas e, portanto, corretamente aplicadas, visando sempre levar os direitos a sério.

1.1. Dos princípios do processo coletivo

A noção de princípios que serão abordados na tutela jurisdicional coletiva é particular, pois tem forma diferenciada27 de ser observada e, inclusive, de ser compreendida. Vale referir que boa parte da base vem, por natural, do processo civil individual28, calcado na busca da solução individual.

Percebe-se que essa base teórica que foi construída para o processo civil "convencional", ou seja, individual, será, por lógico, utilizada, mas com ressalvas e certa peculiaridade em cada caso, pois frente ao processo coletivo29 o que se busca é a solução da lide30 frente à coletivi-dade e não mais aquele "velho" modelo de solução da lide inter partes, que era, por suposto, individualista.

A perspectiva que será agora construída e observada é coletiva31, portanto a análise será pontuada e focada nas bases e consequências de cada princípio frente à tutela jurisdicional coletiva, sendo os princípios observados tanto na perspectiva das disposições do possível Código de Processos Coletivos como pelos outros princípios que a doutrina vem construindo.

Assim, pode-se dizer que o Brasil vire um "estado de arte" como diria Ada Pellegrini Grinover32, visto que efetivamente foi o primeiro país da civil law a criar um sistema de processos coletivos33.

1.1.1. Princípio do devido processo legal coletivo

No processo individual tradicional o grande norte principiológico é traçado pelo princípio do devido processo legal34, por ser a base para um processo organizado que busca, através de atos concatenados, a obtenção da solução da lide.

Nesse sentido o referido princípio é a base para a ocorrência de todos os demais princípios processuais, vindo da fonte do direito norteamericano. Assim, todos os demais princípios no processo individual tradicional são decorrência deste.

No processo coletivo35 também haverá a aplicabilidade, por natural, do princípio do devido processo legal, então aqui conhecido como devido processo legal coletivo36, por ser aplicado na via do processo coletivo37, seguindo a mesma regra que resta postada no processo civil individual.

Essa vocação coletiva do princípio do devido processo legal deve ser observada sob o aspecto de um devido processo social38 que se preste a desburocratizar o processo, que, via de regra, está mergulhado em um formalismo desvalorativo39 que deve ser rechaçado desde logo para que o Judiciário possa buscar a efetividade40, transpassando e abandonando a velha sistemática estritamente dogmática41.

Sabe-se da necessidade de pensar neste princípio para que o processo coletivo também tenha a sua base forte e possamos compreender o fundamento do sistema e dos princípios que circulam essa forma de processo, seja para os que o compreendem como um novo ramo do direito processual ou ainda para aqueles que entendem ser mais uma decorrência do processo civil42.

Uma coisa é certa, a necessidade de uma codificação própria43, assim como foi tentado pelos autores do anteprojeto de processo coletivo do qual já referimos, sendo essa a forma de deixar as coisas mais claras para um país como o Brasil, que sempre valorizou por demais as disposições legais, quer por sermos um país positivista e quer por sermos,

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em nosso direito, muito apegados aos ensinamentos de Kelsen44.

Ainda hoje passamos por construções diferentes e que almejam superar essa tradicional visão que nos foi "vendida", saindo dessa compreensão para uma compreensão não mais positivista, mas sim póspositivista45, baseados em Dworkin e Hart, visando a superação do positivismo e dando mais enfoque aos princípios e às formas não tabeladas de solução da lide. Saber qual a teoria que vingará ainda não é possível, mas uma coisa resta possível de compreender, que estando em uma sociedade pós-moderna46 muita coisa pode mudar, talvez a forma de pensar o direito e as outras ciências, mas isso em momento oportuno se abordará.

Nesse sentido, muitos podem ser os princípios que decorrem deste princípio do devido processo legal coletivo, sendo tanto os natural-mente decorrentes como no processo civil individual, ou ainda sejam os "novos" princípios que podem proceder diretamente deste. Neste peculiar os princípios diretamente decorrentes são47: princípio da adequada representação48, princípio da adequada certificação da ação49 coletiva50, princípio da coisa julgada51 diferenciada e a "extensão subjetiva" da coisa julgada...

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