Processo arbitral fictício - parceria público-privada - memorial da requerida

AutorBruna Barletta - Felipe Kachan - Felipe Santana Novais - Ingryd Danielle Jesus - Julia Schulz - Marcella Centofanti - Marcella Massarotto - Viviane Tozzi Moro
Páginas276-290

Page 276

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP

Na segunda edição da Competição Brasileira de Arbitragem, realizada em outubro de 2011,16 equipes formadas por estudantes de direito e jovens advogados se reuniram em Belo Horizonte para as rodadas orais de um procedimento arbitrai fictício. No evento, as peças escritas também foram avaliadas pelos árbitros.

O caso tratava de uma parceria público--privada referente à construção e gestão de um complexo prisional. No contrato, ficou estipulado que a remuneração por detento se basearia em avaliações dos serviços prestados. A partir de um relatório que classificou a qualidade da alimentação como "ruim", o Estado interveio no complexo presidiário e reduziu o montante pago à concessionária. Em resposta, esta iniciou procedimento arbitrai perante a Câmara de Arbitragem Empresarial - Brasil (CAMARB), alegando violação das

Page 277

disposições do contrato de concessão pelo ente estatal.

O trabalho a seguir, de autoria de alunos da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), foi premiado pela comissão julgadora da II Competição Brasileira de Arbitragem como melhor memorial por parte requerida.

Orientadores: Cláudio Finkelstein, Marco AntÔnio Jorge, Napoleão Casado Filho, Thiago Marinho Nunes, Tiago Adão Borges.

Para: O Tribunal Arbitral

Dra. Capitu Santiago

Dr. Bento Casmurro

Dr. Ezequiel Escobar

C.c.: Advogados da requerente e Secretaria--Geral da Câmara de Arbitragem Empresarial-Brasil (CAMARB), Sr. Felipe Ferreira M. Moraes - Rua Paraíba, n. 1.000, 16o andar - Belo Horizonte/ MG.

Ref. Procedimento Arbitral n. 06/2011

Bacamaso Gestão Prisional S/A X Estado de Vila Rica

Ilustríssimo Tribunal Arbitral

O Requerido, ESTADO DE VILA RICA ("ESTADO"), já qualificado neste Procedimento Arbitral em que é Requerente BACAMASO GESTÃO PRISIONAL S/A ("BACAMASO"), por seus advogados que esta subscrevem, vem, em atenção às disposições do Termo de Arbitragem (Anexo 15), apresentar suas ALEGAÇÕES INICIAIS, com base nos argumentos de fato e de direito que passa a expor.

I Breve relato dos fatos
  1. Em janeiro de 2006, o ESTADO decidiu implantar uma Parceria Público-Privada ("PPP") para a construção de um complexo prisional no município de Córrego das Chuvas. Em 14 de março de 2006, foi lançado o edital de licitação, tendo como vencedor o Consórcio BACAMASO, com uma proposta de custo máximo de R$ 2.240,00 (dois mil duzentos e quarenta reais) por detento ao mês, quantia que contemplava o valor de implementação e operação do complexo prisional.

  2. O contrato de Concessão Administrativa ("CONTRATO")1 foi assinado em 28 de novembro de 2006. Em 12 de abril de 2007, o ESTADO e a BACAMASO firmaram o TERMO ADITIVO2 ao CONTRATO, indicando a Câmara de Arbitragem Empresarial - Brasil (CAMARB) como instituição arbitral a reger eventual procedimento arbitral. Frise-se, entretanto, que, para tal fato, não ocorreu a necessária licitação prevista no CONTRATO,3 conforme exige a Lei 8.666/1993.

  3. Em fevereiro de 2010, o complexo prisional foi inaugurado com a transferência imediata de 815 presos. De acordo com o CONTRATO, a BACAMASO estaria encarregada da gestão do complexo "dos muros para dentro",4 o que significa que todas as atividades de gestão interna do complexo, como manutenção da segurança e fornecimento de serviços de saúde, educação e alimentação, estariam a cargo exclusivo da Concessionária.

  4. Ficou ainda estipulado que seriam feitas avaliações bimestrais5 com o objetivo de garantir o melhor desempenho dos serviços prestados. Destas avaliações resultaria o Índice Bimestral de Desempenho ("IBD"), classificando os serviços como: bom, regular ou ruim.6 Esse índice estipularia o montante a ser pago à Concessionária, podendo variar

    Page 278

    de 0,8 a 1, coeficiente este que, multiplicado pelo valor máximo por detento ao mês (R$ 2.240,00), determinaria a remuneração da Concessionária.7

  5. Nos primeiros meses, aBACAMASO foi remunerada ente 98% e 100%, obtendo ótima repercussão na mídia.8 Entretanto, o relatório referente aos meses de setembro e outubro qualificou a prestação do serviço como "ruim".9 Diante dessa avaliação, em 9 de dezembro de 2010, a Associação dos Familiares dos Presidiários de Vila Rica ("AFARP-VR") encaminhou uma reclamação ao jornal localA Nação.10

  6. Em decorrência da má qualidade dos serviços de alimentação dos detentos, em 23 de dezembro de 2010, o ESTADO, por meio do Decreto 2.342,11 no exercício de suas prerrogativas como ente estatal, promoveu a intervenção no complexo presidiário de Córrego das Chuvas. Apartir de então, o próprio ESTADO passou a prestar diretamente o serviço de alimentação aos detentos. Logo, o percentual referente a tal serviço deixou de integrar a remuneração devida à B ACAMA-SO, que foi reduzida de R$ 2.240,00 paraR$ 1.870,00.

  7. Em novo relatório,12 referente aos meses de novembro e dezembro, foi estabelecida à B ACAMASO 90% da remuneração anteriormente percebida, correspondendo a R$ 2.016,00, dado que os resultados da avaliação relativos à alimentação permaneceram no mesmo patamar.

  8. Diante da intervenção do ESTADO, aBACAMASO iniciou, em 25 de janeiro de 2011, procedimento arbitral perante a Câmara de Arbitragem Empresarial - Brasil ("CA-MARB"),13 alegando a ocorrência de suposta violação das disposições do CONTRATO pelo ente estatal.

  9. Em27 de janeiro de 2011, a Audito-ria-Geral do ESTADO, após regular processo administrativo, decidiu anular o TERMO ADITIVO que nomeava a CAMARB como instituição arbitral,14 posto que a indicação da CAMARB para administrar eventual procedimento arbitral, decorrente do CONTRATO, se deu sem a realização do necessário processo licitatório.

  10. No dia 28 de janeiro de 2011, a CAMARB enviou cópia da solicitação de arbitragem realizada pela BACAMASO.15 Em seguida, a Secretaria-Geral intimou as partes para que indicassem os árbitros que atuariam no procedimento.16

  11. O ESTADO, por seu turno, apresentou, em 1o de fevereiro de 2011, sua resposta,17 contestando a jurisdição do Juízo Arbitral para resolver a disputa. A BACAMASO indicou o Dr. Bento Casmurro, enquanto o ESTADO - apesar do protesto quanto a inexistência de jurisdição do Tribunal Arbitral - nomeou para atuar como árbitro o Dr. Ezequiel Escobar,18 renomado professor e autor de diversos livros e artigos acadêmicos sobre Administração Pública.

  12. Aberto o prazo de manifestação sobre a imparcialidade e a independência dos árbitros pela Secretaria-Geral da CAMARB, a BACAMASO contestou a nomeação do Dr. Ezequiel Escobar como árbitro,19 sob o fundamento de que este não figurava na lista de árbitros da CAMARB, fato este, ressalte--se desde já, não exigido pelo regulamento da própria Câmara de Arbitragem ou mesmo pela Lei Federal 9.307/1996.

  13. Após deliberação sobre a questão levantada pela BACAMASO, a Diretoria da

    Page 279

    CAMARB, apoiando-se no art. 3.8 do Regulamento da referida instituição, entendeu que caberia ao próprio Tribunal Arbitral, uma vez constituído, decidir sobre sua competência.20 Os árbitros indicados pelas partes nomearam a Dra. Capitu Santiago, integrante da lista de árbitros da CAMARB, como árbitro presidente.

  14. O ESTADO demonstrará no presente memorial (i) que esse I. Tribunal Arbitral não possui jurisdição para solucionar este conflito; (ii) que o TERMO ADITIVO que nomeia esse Tribunal Arbitral não é válido; e (iii) que a pendência de procedimento administrativo referente à intervenção do ESTADO nos serviços objeto do CONTRATO obsta o prosseguimento da presente arbitragem. Por fim, será demonstrado (iv) que, caso se admita a jurisdição deste Tribunal, o Dr. Ezequiel Escobar é apto para atuar como árbitro no presente procedimento arbitral.

II Da impossibilidade de a matéria em discussão ser submetida ao juízo arbitral
II 1 Esclarecimento inicial: da aplicação limitada do princípio da "compétence-compétence " no presente caso
  1. Antes de demonstrar por que o caso em tela não pode ser submetido ao juízo arbitral, é necessário atentar para a inobservância do princípio da compétence-compétence. Apesar de a Lei Brasileira de Arbitragem ter incorporado esse princípio em seu art. 8o, tal sistema legal não visa estabelecer o árbitro como o único apto a julgar a existência e a validade da cláusula compromissória. Nesse sentido é o entendimento da abalizada doutrina de Philippe Fouchard, Emmanuel Gaillard e Berthold Goldman: "Até mesmo hoje, o princípio da compétence-compétence é por demais interpretado como aquele que confere aos árbitros poderes para serem os únicos juízes de sua jurisdição. Isto não seria lógico nem aceitável. Aliás, o verdadeiro propósito dessa regra é que de forma nenhuma a questão da competência arbitral seja deixada somente nas mãos dos árbitros. Ao contrário, sua jurisdição deve ser revista pelos tribunais no caso de uma ação ser iniciada a fim de reformar ou executar a sentença arbitral".21

  2. Desta forma, conclui-se que o árbitro não é o único capaz de julgar todas as hipóteses de existência e validade das cláusulas compromissórias, bem como que há previsão legal que estabelece a utilização de ações judiciais para resolver controvérsias relativas ao procedimento arbitral.

    1. Apresente controvérsia não pode ser submetida ajuízo arbitral

  3. Conforme se passará a demonstrar, a cláusula compromissória estabelecida no CONTRATO firmado entre o ESTADO e a BACAMASO é nula, tendo em vista que a matéria objeto desta controvérsia diz respeito a interesse público indisponível, que não admite, pois, a resolução por meio de procedimento arbitral.

  4. A submissão de conflito dele decorrente ao juízo arbitral, como o presente caso, implica necessariamente violação de princípios basilares de Direito Público...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT