Extinção da punibilidade - Extinction of culpability

AutorAmeleto Masini Neto
CargoPós-graduando pela Escola Paulista da Magistratura e Professor de Direito Penal na Faculdade de Direito Professor Damásio de Jesus (FDDJ).
Páginas7-39

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Extinção da punibilidade

Ameleto Masini Neto*

Resumo: o presente trabalho cuida da causa liberatória da pena à luz da teoria do delito, perscruta as suas espécies e traça distinções em relação a outros institutos tradicionalmente estudados. Discorre acerca da comunicabilidade das causas extintivas da punibilidade e examina a eventual influência da Lei n. 11.106/2005, que revogou os incs. VII e VIII do art. 107 do CP, em relação ao novo Código Civil (CC).

Palavras-chave: Penal. Punibilidade. Causas extintivas. Lei
n. 11.106/2005. Influência no novo CC.

Abstract: this work treats with the freedom cause of the sentence under the theory of offense, examines its particularities and outlines the distinctions in comparison with other rules traditionally studied. It also deals with the communicability of the causes of extinction of culpability and examines the possible influence of Law
n. 11,106/2005, which revoked items VII and VIII of article 107 of the Penal Code in relation to the new Civil Code.

Keywords: Criminal. Culpability. Causes of extinction. Law
n. 11,106/2005. Influence of the new Civil Code.

INTRODUÇÃO

Em nosso sistema jurídico-penal, podem-se identificar inúmeras condutas lesivas a bens juridicamente protegidos e, ao mesmo tempo, permitir mecanismos acarretadores da extinção da punibilidade dessas mesmas condutas.

Rodrigo Sánchez Rios (2003, passim), com propriedade, alerta o mundo jurídico a respeito do fato de que a doutrina brasileira tem dado pouca atenção às questões relativas à extinção da punibilidade.

Essa carência justifica-se, provavelmente, porque a comprovação de legitimidade dessas causas liberatórias da pena está constantemente em confronto com categorias do injusto1culpável.

* Pós-graduando pela Escola Paulista da Magistratura e Professor de Direito

Penal na Faculdade de Direito Professor Damásio de Jesus (FDDJ).

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EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE

EXTINCTION OF CULPABILITY

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A maioria da doutrina penal justifica o instituto com simples referência aos termos “conveniência e oportunidade política” (veja Exposição de Motivos do Código Penal – CP – de 1940 – Dec.-lei
n. 2.848)2.

A legislação penal pátria, seja comum, especial3ou extravagante4, apenas reconhece as modalidades extintivas da punibilidade, sem defini-las, cabendo tal tarefa aos doutrinadores, numa função eminentemente dogmática5.

O presente trabalho, partindo do conceito de punibilidade, analisa a causa liberatória da pena à luz da teoria do crime e traça as suas principais distinções em relação a outros importantes institutos tradicionalmente estudados.

Em seguida, perscruta, uma a uma, as causas extintivas da punibilidade – com exceção da prescrição, que será tema de trabalho específico –, com destaque para as novas modalidades válidas para crimes fiscais e previdenciários, trazendo várias indagações e divergências jurisprudenciais e doutrinárias a respeito do assunto.

Discorre, outrossim, acerca da comunicabilidade das causas liberatórias em relação a co-autores e partícipes de um delito e finaliza com a interessante questão da Lei n. 11.106/2005, que revogou os incs. VII e VIII do art. 107 do CP, e sua eventual influência em relação ao novo CC.

1. DISPOSIÇÕES GERAIS

Conceitua-se a extinção da punibilidade como o desaparecimento da pretensão punitiva (ius puniendi no estado latente) ou executória (ius puniendi no estado concreto) do Estado6, em razão de “obstáculos legais” que podem surgir desde a prática da infração penal até o término do cumprimento da pena.

Vejamos alguns conceitos encontrados na doutrina pátria:

1) “São causas que extinguem o direito de punir do Estado” (CAPEZ, 2005, p. 517).

2) “Constituem causas que implicam renúncia, pelo Estado, do exercício do direito de punir, seja pela não-imposição de pena, seja pela não-execução ou interrupção do cumprimento daquela já aplicada” (PRADO, 2006, p. 719).

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3) “É o desaparecimento da pretensão punitiva ou executória do Estado, em razão de específicos obstáculos previstos em lei” (NUCCI, 2007, p. 497).

Ditos obstáculos legais devem surgir entre a data da prática do fato delituoso e o término do cumprimento da pena, sendo o divisor de águas entre a perda da pretensão punitiva e a perda da pretensão executória do Estado a sentença penal condenatória irrecorrível.

Se o obstáculo surgir antes da sentença condenatória transitada em julgado, estaremos diante da perda da pretensão punitiva estatal. Se após, o caso será de perda da pretensão executória.

Na primeira hipótese, de regra, desaparecem todos os efeitos do processo ou da sentença condenatória. Eventualmente, porém, podem restar alguns efeitos da condenação, como nas hipóteses de perdão judicial e do indulto (MIRABETE, 2005, p. 385).

Por outro lado, quando a extinção da punibilidade ocorrer após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, fulmina-se tãosomente a pretensão executória do Estado.

Nesse caso, tão-somente o efeito principal da condenação, qual seja a fixação da pena, é afetado, remanescendo as demais conseqüências, penais e extrapenais, outrossim chamadas de reflexas, acessórias ou indiretas7, tais como propiciar a reincidência, permitir o lançamento do nome do réu no rol dos culpados, tornar certa a obrigação de reparar o dano, entre outros.

Há casos, no entanto, nos quais se extinguem todos os efeitos da condenação e o próprio delito não mais poderá ser considerado. São as hipóteses da anistia e da abolitio criminis, que, como se verá no decorrer do trabalho, excluem qualquer efeito penal decorrente do crime (MIRABETE, 2005, p. 383).

Reconhecida pelo Magistrado a extinção da punibilidade, em qualquer fase do processo, cumpre-lhe declará-la de ofício (art. 61, caput, do CPP).

Se a persecução penal8estiver na fase investigatória ou préprocessual, a ocorrência de uma causa extintiva da punibilidade acarretará o chamado “encerramento anormal” do inquérito policial.

Assim ensinam Ângela C. Cangiano Machado, Gustavo Octaviano Diniz Junqueira e Paulo Henrique Aranda Fuller (2007, p. 38):

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Trata-se o “trancamento do inquérito policial” de uma construção pretoriana (jurisprudencial) calcada na previsão genérica contida no art. 648, inc. I, do Código de Processo Penal, na qual o legislador considera ilegal a coação “quando não houver justa causa”. Entende-se que a existência de um inquérito policial, de per si, implica um constrangimento ao investigado ou ao indiciado, de molde que sua instauração requer a presença de justa causa, o que, em sede de investigação, significa a necessidade de o fato se revestir de tipicidade e não estar extinta a punibilidade.

Dessarte, para a instauração de um inquérito policial prevalece que são consideradas bastantes a tipicidade do fato objeto da investigação e, a par disso, não estar extinta a punibilidade, sob pena de a existência desse procedimento administrativo consubstanciar uma coação ilegal ao investigado ou ao indiciado.

Importante observar, outrossim, que a decisão que julgar extinta a punibilidade não impedirá a propositura de ação civil pelo ofendido ou seu representante legal, conforme reza o art. 67, II, do mesmo codex.

Aqui reside ponto importante.

Não se deve confundir ação civil ex delicto9com ação de execução civil de sentença penal condenatória10.

A ação civil a que se refere o art. 64 do Código de Processo Penal (CPP) é de conhecimento, podendo ser proposta, no Juízo Cível, independentemente de qualquer procedimento penal11.

Na hipótese de coexistirem ações penal e civil, o Juiz da segunda tem a faculdade de suspendê-la até o julgamento definitivo da primeira, não podendo tal suspensão exceder o prazo de um ano (art. 265, IV, “a”, e § 5.°, do CPC).

Por outro lado, o CP, em seu art. 91, I, prevê como efeito extrapenal da condenação penal o fato de tornar-se certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime.

Com isso, infere-se que a condenação penal transitada em julgado consubstancia título executivo no Juízo Cível, tornando indiscutível o an debeatur e, via de conseqüência, dispensando a propositura de ação civil de conhecimento.

Nesse caso, basta ao ofendido promover a apuração do quantum debeatur, por ação de liquidação, e, em seguida, ingressar diretamente com ação de execução (art. 63 do CPP).

Ressalte-se, também, que a extinção da punibilidade de crime que é pressuposto, elemento constitutivo ou circunstância agravante de

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outro não se estende a este. Nos crimes conexos, a extinção da punibilidade de um deles não impede, quanto aos outros, a agravação da pena resultante da conexão (art. 108 do CP) e, no caso de concurso de crimes, a causa liberatória incidirá sobre a pena de cada um, isoladamente (art. 119 do CP).

O recurso cabível contra uma decisão que julgar extinta a punibilidade de um delito é o previsto no art. 581 do CPP, qual seja o recurso em sentido estrito.

A interposição será dirigida e recebida pelo Juiz que prolatou a decisão, no prazo de cinco dias, contados da intimação (art. 586, caput, do CPP). As razões terão prazo de dois dias e serão dirigidas ao Juízo ad quem, porém recebidas pelo Juízo a quo, tendo em vista a possibilidade de retratação.

Mantida a decisão, o recurso seguirá para o Tribunal competente, no prazo de cinco dias.

De outro giro, reformada a decisão, o recorrido poderá, se couber RESE na hipótese, apresentar novo recurso, pleiteando para que as contra-razões ofertadas sirvam como razões recursais e, como contrarazões, as razões oferecidas pelo então recorrente...

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