Para se recuperar, Europa precisa se abrir para Ásia

Entrevista concedida pelo economista e cientista político Theotônio dos Santos ao jornalista Marcelo Lins, para o programa Milênio , da Globo News . O Milênio é um programa de entrevistas, que vai ao ar pelo canal de televisão por assinatura Globo News às 23h30 de segunda-feira, com repetições às 3h30, 11h30 e 17h30.

Hiperinformação, multiplataforma midiáticas, permanente revolução tecnológica. Olhando de relance, o futuro está em nosso cotidiano, mas o passado continua bem presente, seja em questões que ainda não foram resolvidas, como a pobreza e as condições de profundas desigualdade sociais, ou na política, que busca um caminho para se adaptar às novas realidades, por exemplo. Em um momento em que os grandes sonhos e ideologias que moldaram o século XX parecem ter caído por terra, em que muitos defendem a ideia de um mundo apolítico, ainda há quem acredite na necessidade de uma postura, uma vivência e mesmo de uma prática ideológica. O economista e cientista político Theotônio dos Santos, um dos formuladores da teoria da dependência, se enquadra sem dúvida nessa última categoria. E é com essa perspectiva que Theotônio mantém uma intensa atividade intelectual. O livro mais recente Desenvolvimento e Civilização — Uma Homenagem a Celso Furtado traz no título e no subtítulo duas profissões de fé do professor: a paixão pelo estudo dos mecanismos de desenvolvimento e a admiração pelo economista que trabalhava já nos anos 50 do século passado com essas mesmas ideias. Theotônio chegou a ter uma militância política na clandestinidade depois do golpe de 1964, mas, assim como Celso Furtado, deixou o país e viveu anos no exílio. Numa tarde nublada no Rio de Janeiro, Theotônio dos Santos falou ao Milênio.

Marcelo Lins — Eu já li o senhor rejeitando a ideia de dizer que não existe mais um desenvolvimento, que não existe mais Terceiro Mundo. Nesse processo, pensando tudo como uma coisa global, o senhor defende a ideia de que ainda assim existe um Terceiro Mundo, que ainda está em outro patamar de desenvolvimento mesmo em relação a essas potências tradicionais, digamos assim.

Theotônio dos Santos — Veja bem, há uma coisa muito dramática nessa maneira fechada de ver o mundo desde as grandes potências. O século 19 é considerado nos estudos de Relações Internacionais como a época do liberalismo, em que o livre mercado era a forma dominante etc. Ora, a maior parte do mundo está sob o domínio dos centros imperialistas europeus. Eles não podiam comerciar senão com os seus dominadores. Não existia livre comércio pra Índia, não existia livre comércio pro Brasil. No caso do Brasil, sim, porque os portugueses estavam fora e os ingleses assinaram conosco um tratado que pretendia ser de livre comércio, mas era comércio com a Inglaterra. Nós éramos completamente subordinados. Os argentinos assinaram um acordo entre o porto de Buenos Aires e o porto de Londres, a plena igualdade. Os navios ingleses entraram. Agora, nunca chegou um navio argentino em Londres. Você falar que isso é livre intercâmbio, francamente é parte de uma visão ideológica que te cria uma realidade falsa. E todo mundo acredita. Os estudos acadêmicos estão orientados por esse tipo de visão do mundo. Desconhecer a potência da Índia, a potência da China, a potência do Japão... Essas grandes potências que, no momento em que elas puderam romper essa dominação, elas avançam. E avançam no sentido de se converter em potências mundiais. Então, quem estava antes dominando, agora tem que baixar o facho e buscar negociar. E na verdade nós, já nas décadas de 1960, 1970, caminhamos pra essa ideia. Tem um sistema, há uma divisão internacional do trabalho. A evolução dos países chamados, por exemplo, subdesenvolvidos não é um problema interno desse país só. Pelo contrário, é uma forma pela qual essas regiões se adequaram a divisão internacional do trabalho. Nós, por exemplo, questionamos nessa época e foi uma questão muito fundamental. Nós não somos países atrasados. Nós somos os países que representaram um papel...

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