Reflexões sobre entretenimento, educação e distinção em contextos de 'inclusão digital

AutorCarla Barros
Páginas107-122
Reexões sobre entretenimento, educação e distinção em
contextos de “inclusão digital”
Carla Barros81
Contexto da pesquisa
O presente artigo82 pretende discutir a relação entre entretenimento e edu-
cação a partir da análise de determinadas apropriações de tecnologias digitais em
processos de vivências de sociabilidade junto a grupos pertencentes às camadas
populares da cidade do Rio de Janeiro. O estudo se detém, em especial, na pro-
blematização da representação do espaço da lan house como um ambiente de
“não-aprendizagem”. Além deste primeiro contexto de análise, o artigo se propõe,
em um plano mais amplo, a debater a convivência da alteridade na rede, quando
determinados grupos sociais criam estratégias de distinção e de segregação frente
a outros. A análise dos dois contextos leva à ref‌lexão sobre a importância de se
realizarem estudos empíricos acerca do universo digital que se contraponham ao
viés utópico e tecnicista de certa literatura sobre a Internet (WINKIN, 1998).
A opção aqui é pelo entendimento de processos comunicacionais que ocor-
rem em ambientes de tecnologias digitais tendo como pano de fundo os aspectos
culturais relacionados aos temas estudados. Além de Winkin (1998), autores como
Miller e Slater (2004), Maigret (2010) e Wolton (2003) vêm criticando o “determi-
nismo tecnológico” que ronda muitos estudos sobre as “novas mídias”, ao mesmo
tempo em que propõem como alternativa uma abordagem que tenha como foco as
81 Profª da ESPM-RJ (Escola Superior em Propaganda e Marketing), onde também atua como
pesquisadora do CAEPM (Centro de Altos Estudos em Propaganda e Marketing da ESPM) e
do GEC IACS (Departamento de Estudos Culturais e Mídia da UFF).
82 O artigo apresenta resultados de uma pesquisa apoiada pelo CAEPM (Centro de Altos Estudos
em Propaganda e Marketing da ESPM), a quem agradeço o apoio recebido. Uma primeira versão
do texto foi apresentada na Mesa-Redonda “Lan houses para quê e para quem? Um espaço e
seus múltiplos usos nas periferias das cidades contemporâneas”, integrante do VII ENECULT
realizado na UFBA, em agosto/2011.
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práticas culturais que, no uso dessas tecnologias as precedem, criando conf‌igurações
particulares. Para Miller e Slater (2004), a perspectiva determinista tecnológica que
trata a Internet como um meio que por si só provocaria determinados comporta-
mentos em quaisquer contextos deve ser confrontada com estudos empíricos que
enfoquem suas diferentes apropriações em situações bem delimitadas:
Isso signif‌ica desagregar “a Internet” na profusão de processos, usos e “tecno-
logias” sociais que ela pode compor em diferentes relações sociais ao invés de
considerá-la como um “objeto” único com propriedades inerentes que podem,
no máximo, ser expressos de formas variadas em diferentes contextos. [...] Há
uma enorme diferença entre começar uma etnograf‌ia on-line a partir da pressupo-
sição de que a Internet forma inerentemente relacionamentos “virtuais” e pode,
portanto, ser estudada como um cenário auto-contido (ignorando os “contextos
of‌f-line), em oposição a descobrir – no meio de uma etnograf‌ia – que algumas
pessoas estão tratando essas mídias como se fossem virtuais e fazendo tudo ao
seu alcance para separar seus relacionamentos on-line daqueles of‌f-line (como
foi, por vezes, o caso na pesquisa anterior de Slater, mas não foi absolutamente
o caso no estudo de Trinidad). Diferentes circunscrições do objeto e do contexto
surgem através dos seus inter-relacionamentos observados.
(Miller e Slater, 2004, p.45)
O método de pesquisa adotado no trabalho foi a etnograf‌ia, característica da
antropologia – mais que uma técnica, esta metodologia representa a marca da dis-
ciplina, por permitir, através do deslocamento e imersão profunda do pesquisador
no universo do grupo estudado, uma análise dos padrões culturais que fornecem
sentido aos comportamentos sociais (MALINOWSKI, 1978).
O trabalho de campo transcorreu durante o ano de 2009 e 2010 nas favelas83
de Santa Marta e Vila Canoas, localizadas na cidade do Rio de Janeiro. A pesqui-
sa se realizou através de observação participante, entrevistas em profundidade e
83 A denominação “favela” não foi empregada pelos moradores de Vila Canoas nos primeiros
contatos com o grupo; eles se referiam ao local como uma “comunidade”. Vale lembrar que
o termo “favela” costuma ter uma conotação bastante negativa, quando associada às ideias de
“caos”, “sujeira”, “desordem”, “pobreza” e “violência”. Para uma discussão mais ampla sobre as
representações sociais relacionadas a “favela” e “comunidade”, ver VALLADARES, Lícia. “A
invenção da favela: do mito de origem a favela.com”. Rio de Janeiro: FGV, 2005 e BIRMAN,
Patrícia. “Favela é Comunidade? “ In: SILVA, Luiz Antônio M. (Org) “Vida sob cerco: Violência
e rotina nas favelas do Rio de Janeiro”. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.

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