Reformas garantidas

João Ubaldo RibeiroMarceloNossa memória é fraca e nossa atenção é convocada o tempo todo por um volume de informações e solicitações incalculável e cada vez maior. Cumpre-se a conhecida previsão de Andy Warhol, segundo a qual, no futuro, todo mundo será famoso por quinze minutos. O futuro a que ele se referiu já chegou e a profecia pode ser complementada pela constatação de que novos famosos instantâneos pipocam a cada dia e outros tantos submergem no esquecimento, o prazo de validade vence rápido. Portanto, não é impossível que já exista quem já não recorde direito o episódio do deputado presidiário, apesar de sua divulgação maciça. Mas, ainda que atrasado, pretendo falar no assunto.Alguns outros acontecimentos deixam os dedos coçando para escrever um comentário. Teve o apagão e o curioso resultado que ele costuma gerar no Brasil, ou seja, uma alta figura do governo, em conversa com a imprensa depois de qualquer apagão, elogia copiosamente nosso sistema de energia elétrica e o equipara aos de Nova York, Copenhague ou Tóquio. Novos apagões, novos elogios, é uma rotina que daqui a pouco se tornará tradição venerável e chegaremos ao dia em que, acendendo velas no meio da noite, não reclamaremos, por sabermos que, escuridão ou não, temos um dos melhores sistemas do mundo, o homem disse.Ocorreu-me também o caso do senador boliviano. É claro e inequívoco que o diplomata Eduardo Saboia agiu da forma imposta por princípios e valores universais e humanistas, com os quais o governo alega da boca para fora comungar e usa os pesos e medidas que lhe convêm em cada caso. Não sei se a comparação é inteiramente válida, mas, do ponto de vista de um observador neutro, o tratamento dispensado àquele presidente deposto de Honduras é grotescamente oposto ao recebido pelo senador, em nossa embaixada na Bolívia. Lembro o hondurenho, de chapéu de caubói e riso ancho, despachando e quase numa festa, em nossa embaixada em Tegucigalpa. Os princípios e valores por trás do gesto do diplomata sempre foram superiores até mesmo à lei escrita. Para os juízes dos criminosos nazistas, não colou - e não devia mesmo colar - a desculpa de que estes obedeciam a ordens, ou cumpriam o que as leis determinavam. É claro que Eduardo Saboia agiu como um homem de coragem, brio e retidão moral, arriscando sua carreira, mas não, em última análise, sua honra. Isso, porém, junto a nosso governo, tem efeito contrário ao que devia ter, assim como, sem querer fazer inteira comparação, acontecia durante o...

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