'A ira do monstro': a retórica política do Jornal do Brasil sobre protesto popular em tempos de redemocratização

AutorLuciana Pucu Wollmann
CargoMestre pelo Programa de Pós-Graduação em História Social do Território da Faculdade de Formação de Professores da UERJ. Atualmente leciona História em escolas da rede pública e privada de ensino do Estado do Rio de Janeiro
Páginas223-246
1 Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em História Social do Território da Faculdade de Formação
de Professores da UERJ. Atualmente leciona História em escolas da rede pública e privada de ensino
do Estado do Rio de Janeiro.
“A IRA DO MONSTRO”: A RETÓRICA POLÍTICA DO“A IRA DO MONSTRO”: A RETÓRICA POLÍTICA DO
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JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASIL
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JORNAL DO BRASIL
SOBRE PROTESTO POPULAR EM SOBRE PROTESTO POPULAR EM
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TEMPOS DE REDEMOCRATEMPOS DE REDEMOCRA
TEMPOS DE REDEMOCRATEMPOS DE REDEMOCRA
TEMPOS DE REDEMOCRATIZAÇÃO.TIZAÇÃO.
TIZAÇÃO.TIZAÇÃO.
TIZAÇÃO.
Luciana Pucu Wollmann1
Resumo: O presente trabalho tem como objetivo identificar as diferentes opini-
ões publicadas no Jornal do Brasil sobre um protesto popular ocorrido em Brasília
em 27 de novembro de 1986, contra o Plano Cruzado II. Mais do que apresentar
os motivos que precipitaram tal manifestação é nosso interesse perceber a
heterogeneidade dos discursos e as posições divergentes dos produtores do jor-
nal diante deste acontecimento. Trazendo à tona outros assuntos que nem cons-
tavam - ao menos explicitamente - na pauta de reivindicações dos manifestantes,
tais como: recessão, política econômica do governo, FMI, avanços e recuos da
democracia estas reportagens nos conduzem, necessariamente, a um debate mais
amplo sobre a conjuntura política e econômica do período e à análise do comple-
xo processo que envolve a construção da notícia.
Palavras-Chave: Protesto Popular; Imprensa; Plano Cruzado ; Jornal do Brasil;
Brasil; Século XX
Abstract: The purpose of this paper is to identify the various opinions published
in the Jornal do Brasil concerning a demonstration that took place in Brasilia on
November 27, 1986 against the Plano Cruzado II. Other than merely presenting
the motives that led to the demonstration, our interest lies in pointing out the
heterogeneous discourses and diverging positions of the newspaper editors regarding
this incident. Because they bring out other topics which did not formally belong –
at least ostensively – to the claim list of those demonstrating (such as the recession,
the government’s economic policies, the IMF, advances and setbacks of the
democracy those reports, necessarily lead, us to a broader debate on the political
and economical circumstances of the time and analysis of the complex process
that involves the scructuring of the news pieces.
Key-words: Popular Protest; Press; Plano Cruzado II; Jornal do Brasil; Brazil;
XXth Century
224 REVISTA ESBOS Volume 17, Nº 23, pp. 223-246 — UFSC
(...) esse inimigo pode ser o embrião de um monstro: a opi-
nião pública. Assim não adianta mais ficar discutindo quem
está com a bola toda é o Sarney, Funaro ou Ulysses. Agora os
três tem que se cuidar, para evitar a ira do monstro e digerir
juntos essa conseqüência natural da transição que é a mani-
festação popular, seja ela ‘orquestrada’ ou ‘manipulada’
como se dizia até dois anos atrás e começou-se a se repetir
agora – ou simplesmente espontânea, o que de resto, é muito
difícil”. (Eliane Cantanhede. Editorial do Jornal do Brasil, 1/
12/1986. Grifo meu.).
Sexta-feira, 28 de novembro de 1986. Na capa do Jornal do Brasil, uma
manchete em destaque: “Protesto leva arruaça a Brasília”. Abaixo, em maior
evidência, uma fotografia de meia página estampava a nuvem negra das viaturas
policiais em chamas, um dos prováveis registros finais de um dia de protesto que
reuniu milhares de pessoas2 nas ruas da capital federal e que terminou em con-
fronto dos manifestantes com a polícia.
De início, parecia mais uma manifestação como outras tantas daquele perío-
do. “Ninguém estava dando muita importância”, conforme salienta um redator do
jornal. O buzinaço no final daquela tarde de quinta-feira, organizado segundo o
jornal, pelas principais centrais sindicais (CUT, CGT e CNTI) e partidos de esquer-
da (PT, PC do B e PDT) ganhou aspecto de motim popular quando “uma enorme
massa de desconhecidos” juntou-se à carreata “na mais surpreendente e mais vio-
lenta insubordinação popular de Brasília em seus 26 anos de existência.”3
O “monstro” parecia acordar. E segundo a chefe de redação do Jornal do
Brasil em Brasília, de mau humor. Os vinte anos de ditadura militar no país,
seguido dos impasses de um período de redemocratização conturbado, caracteri-
zado por avanços e retrocessos do processo político, alianças políticas, crise eco-
nômica, e ainda, uma “política de conciliação” entre as principais forças políticas
dominantes para eleger indiretamente o primeiro presidente civil após tantos anos
de “chumbo”4, pareciam ter arrefecido o monstro. Por um tempo.
A ausência de legitimidade política do governo de José Sarney (1985-1989),
reconhecidamente um homem de confiança da ditadura, assomada aos altos índi-
ces inflacionários que se fizeram sentir principalmente nos seus dois últimos anos
de governo, mantiveram o monstro à espreita. A efervescência política verificada
nos anos anteriores, quando assuntos como cidadania, conquista de direitos soci-
ais e civis e sobre próprios rumos que democracia recém inaugurada deveria
seguir, ainda que sobre tutela5, ganharam importância no debate público, e exata-
mente por isso, não sairiam tão facilmente da ordem do dia das discussões políti-
cas – travadas no Congresso, no governo, nos partidos, nos sindicatos, mas tam-
bém nos meios de comunicação e sobretudo, na sociedade civil.

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