Retrato falado por quem foi ouvido

Isabell Erdmann, "As canções"."Talvez por viver um inferno na própria casa, o Coutinho procurasse a história de outras pessoas"Aparecida Brauns, "As canções"."Eu tinha três amores: meu marido, minha filha e o Coutinho"Rose Carvalho, garçonete do Moviola. "Eu trocava o cinzeiro dele várias vezes por dia''Fotos de Fabio SeixoLeo MartinsGeneroso com seus personagens, Coutinho costumava ser duro e desleixado com sua vida pessoal. Fumava muito, alimentava-se mal. Orgulhava-se, com certa ironia, de não jantar em casa "há mais de 50 anos". Adorava batata Ruffles, croquete e esfirra - palavra que pronunciava sem a letra "r" ("Esfia!"), sob o argumento de não ter pulmão para tanta consoante.Metódico, comia quase sempre sozinho, nos mesmos locais. Na década de 1990, seu quartel-general era o restaurante La Trattoria, em Copacabana. Chegava no fim da tarde, bebia três doses de Teacher's, comia pão de alho, ravióli ou sopa.- Ele tinha uma mesa cativa, a 16, do lado da porta - conta o garçom Roney Bezerra. - Tirava um caderno da bolsa, datava e começava a escrever. Fumava uma barbaridade. Ele não comia fumando, fumava comendo.Deixou de frequentar a casa no dia em que a lei antifumo entrou em vigor, no fim de 2009.- Ele entrou, olhou para a mesa e falou: "Cadê meu cinzeiro? Não é nada pessoal, mas não fico sem meu cigarro" - conta Bezerra. - Nunca mais voltou.A partir de então, Coutinho passou a desbravar e ser expulso, qual cachorro vira-lata, de uma penca de cafés e livrarias da cidade. Tinha, por lei, um único critério: que o lugar o permitisse fumar. Começou pela livraria Argumento, na rua dos restaurantes mais chiques do Leblon, que ele carinhosamente chamava de "leprosário":- O Seu Coutinho ia para o banheiro fumar escondido. Eu tinha que bater na porta e pedir para ele sair - lembra Nirley Afonso de Oliveira, gerente do Café Severino, nos fundos da Argumento.Seguiu, então, para a livraria Ponte de Tábuas, no Jardim Botânico, onde estacionava no domingo do meio-dia às 21h.- Ele passava a tarde e a noite se enchendo de informação e de cigarro, eram pelo menos dois jornais e dois maços - conta o ex-gerente da casa, Carlos Eduardo Fernandes.Quando a livraria fechou, no ano passado, adotou o Café Moviola, em Laranjeiras:- Ele bebia suco de latinha, dois espressos e um licor Amaretto, que compramos só pra ele. Eu trocava o cinzeiro várias vezes - diz a garçonete Rose Carvalho que, na última segunda-feira, homenageou-o com a letra de "Naquela mesa" em sua página no...

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