Romper (pre)conceitos sobre jurisdição constitucional

“O controle de constitucionalidade no Brasil nasce com a República”. “O Tribunal Constitucional exerce um papel contramajoritário”. “A jurisdição constitucional é expressão da democracia”. “No debate sobre quem deve ser o guarda da Constituição, Kelsen triunfou sobre Schmitt”.

As frases que abrem esta coluna têm em comum pelo menos dois aspectos: todas — com pequenas alterações de formulação — aparecem com frequência em obras sobre jurisdição constitucional, sejam manuais de graduação ou artigos em revistas científicas; e todas expressam, pelo menos, meias verdades.

Esses são apenas alguns dos lugares comuns impensada e amplamente repetidos, que formam o conjunto de informações básicas a partir do qual os alunos de graduação são chamados a meditar sobre a jurisprudência constitucional.

Como ressaltado por José Levi Mello do Amaral Júnior, na primeira das colunas quinzenais publicadas neste espaço da ConJur, as reflexões a serem aqui desenvolvidas dizem com os temas tratados em sala de aula, na disciplina optativa “Análise de Jurisprudência Constitucional”, ministrada na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo pelo próprio professor Levi – no curso noturno – e por mim, aos alunos do diurno. Trata-se, como bem destacado, de um verdadeiro “diário de classe”.[1]

Nesse contexto, outro não poderia ser o meu primeiro registro nesta coluna que a síntese das questões que — suscitadas por textos de Gilmar Mendes, Jeremy Waldron, Robert Dahl, Carl Schmitt e Hans Kelsen — fizeram com que os alunos colocassem em xeque alguns dos clichês antes mencionados, permitindo que se despissem, num primeiro momento, de (pre)conceitos sobre a jurisdição constitucional e possibilitando que estejam habilitados a fazer, posteriormente, uma análise da produção jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal qualitativamente diferenciada. Serão a seguir, pois, examinadas as duas primeiras afirmações que abrem este texto, deixando-se para minha segunda manifestação neste espaço, no próximo mês, as duas últimas.

Inicialmente, por meio da leitura de Gilmar Ferreira Mendes,[2] foi possível determinar as diferentes fases de evolução do controle de constitucionalidade, registrando o autor – como sói acontecer com nossos constitucionalistas — a inexpressividade dessa atividade jurídica no Império do Brasil.[3]

Entretanto, se é correto afirmar que não havia no Império um controle judicial da constitucionalidade das leis, não menos correto é assentar que se desenvolveu, durante o regime de 1824, um interessante sistema de controle jurídico-político de constitucionalidade, por meio do qual várias leis foram consideradas inconstitucionais e que propiciou, até mesmo, a formulação de técnicas decisórias assemelhadas à moderna interpretação conforme à Constituição.

Tal modelo é resgatado por José Reinaldo de Lima Lopes, na cuidadosa pesquisa que fez sobre o Conselho de Estado no Segundo Império,[4] cabendo aqui simplesmente descrevê-lo em linhas gerais.

Com o advento do Ato Adicional de 1834, as Assembleias Legislativas das Províncias tiveram um considerável incremento em suas competências, assumindo definitivamente poder normativo próprio para dispor sobre assuntos de seu peculiar interesse.[5] Assim, foi reconhecida no Brasil – que continuava a ser um Estado unitário – a existência de duas ordens jurídicas distintas, uma geral e outra local, num movimento muito próximo ao do federalismo moderno. E tal qual ocorre nos Estados federais, tornou-se comum no Império a disputa acerca da competência para legislar sobre esta ou aquela matéria, sendo necessária a instituição de uma instância para dirimir esses conflitos.

Nesse contexto, a Seção de Justiça do Conselho de Estado...

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