De Salomão à Escolha de Sofia: Proposta de Legitimação da Decisão Judicial à Luz da Constituição de 1988

AutorElaine Harzheim Macedo
Ocupação do AutorDoutora em Direito; Professora no Programa de Pós-Graduação em Direito da ULBRA/Canoas; Professora da AJURIS - Escola Superior da Magistratura e da Fundação Escola Superior do Ministério Público do Rio Grande do Sul; Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.
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SUMÁRIO: 1 A Função Social da Jurisdição no Paradigma da Constituição de 1988. 2 Legitimação da Atuação Jurisdicional. 3 A Sentença como Ato de Julgamento: Esforço de Superação. 4 A Produção do Direito Através do Processo: Aspectos da Mobilidade da Sentença. 5 Sentença e o Dogma da Separação dos Poderes: Alternativa Viável. 6 Considerações Finais. Referências Bibliográficas.

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1 A Função Social da Jurisdição no Paradigma da Constituição

A Função Social da Jurisdição no Paradigma da ConstituiçãoA Função Social da Jurisdição no Paradigma da Constituição A Função Social da Jurisdição no Paradigma da ConstituiçãoA Função Social da Jurisdição no Paradigma da Constituição de 1988
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A partir do reconhecimento da jurisdição como atividade pública a ser exercida presente efetiva participação da cidadania, nos termos dos arts. 1º, parágrafo único, e , da Constituição Federal – traços fundamentais para se compreendê-la como poder estatal – cumpre explorar a sua função na construção de um Estado democrático de direito, e que só pode ser analisada a partir do art. 3º da Constituição Federal: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras fontes de discriminação.

Em outras palavras, a função da jurisdição confunde-se com a função do Estado democrático de direito, corolário do (novo) paradigma que se extrai da ordem constitucional vigente e que deve ser construído, em

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* Doutora em Direito; Professora no Programa de Pós-Graduação em Direito da ULBRA/Canoas;

Professora da AJURIS Escola Superior da Magistratura e da Fundação Escola Superior do Ministério Público do Rio Grande do Sul; Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.

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oposição ao milenar dogma de que jurisdição é (tão-somente) a declaração da vontade da lei, e como tal, mera reprodução dos conteúdos normativos, nenhuma responsabilidade seus agentes assumindo com o resultado produzido, a exigir uma reformulação de conceitos, categorias, institutos, estruturas que compõem e produzem o processo enquanto espaço do exercício da atividade jurisdicional. A jurisdição adquire nesta nova dimensão comprometimento pelos fins sociais a serem alcançados pelo Estado democrático, a realizar-se através de um espectro que lhe vendo sendo reconhecido, embora mais no campo doutrinário do que no campo prático, e que se tem cunhado de justiça social, que, de um lado, representa fatia considerável da função jurisdicional, mas, de outro, não esgota toda a problemática.

Falar em justiça social implica admitir o caráter da judicialização das relações sociais, uma das faces que traduz o caráter político da função jurisdicional, vencendo, quiçá por definitivo, o caldo cultural no qual o Judiciário é visto, quando muito, como mero poder periférico. Como afirma Dallari, “nunca existiu o direito fora da sociedade, assim como jamais existiu sociedade sem direito”, o que decorre da própria natureza associativa do homem, onde a solidariedade passa a ocupar um espaço de imprescindibilidade, mas nem por isso ficando afastado o fator do conflito, a exigir a intervenção do juiz. Onde a ordem social e jurídica for insuficiente, atuará a jurisdição como forma de superar a insuficiência, muito mais por uma razão prática do que pela “razão pura”, conforme palavras do jurista argentino Roberto Dromi, citado por Dallari1.

Não é outra a lição de Cappelletti2. A pretexto de enfocar a evolução das leis, aqui tomadas em seu sentido mais amplo, as quais evoluíram do plano de simples enunciados normativos de conduta para o estágio de legislação social, isto é, leis que se limitam a estabelecer finalidades e princípios gerais ou, quando criadoras de direitos subjetivos, cuidam mais de direitos sociais do que dos simplesmente individuais, acentua o doutrinador italiano o caráter criativo da jurisdição que a partir deste novo perfil de Legislativo passou a ser exigido, não somente no sentido intrínseco da tarefa de interpretar, mas no de sua atuação nestas novas áreas, que dizem exatamente com a realização dos direitos sociais, onde se faz presente uma dose muito maior de discricionariedade, passando o Judiciário, através de seus juízes nos casos submetidos a julgamento, a dar o devido conteúdo

1 DALLARI, Dalmo de Abreu. O poder dos juízes. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 93-94.

2 CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Ed., 1993, p. 4.

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DE SALOMÃO À ESCOLHA DE SOFIA: PROPOSTA DE LEGITIMAÇÃO DA DECISÃO JUDICIAL... 261 àqueles preceitos principiológicos dos textos legais. Esta transferência de tarefas, diz o mestre italiano, às quais se agrega também a de controlar os atos do próprio legislativo, através da justiça constitucional, implica também um agigantamento do Poder Judiciário, cada vez mais provocado a intervir, frente à inapetência do Legislativo e do próprio Executivo, também receptor de tarefas regulamentadoras, às novas exigências, seja de realização concreta dos direitos sociais, seja do controle de constitucionalidade dos atos legislativos, não sendo de surpreender a conseqüência nefasta, não pretendida mas invariavelmente ocorrente, representada, entre outras, pela morosidade e inefetividade da prestação jurisdicional:

Certamente, o surgimento de um dinâmico terceiro gigante, como guardião e controlador dos poderes políticos do novo estado leviatã, constitui por si mesmo um acontecimento não imune aos riscos de perversão e abuso. Existe, antes, certa semelhança entre esses riscos e os decorrentes de outras manifestações do gigantismo estatal, de natureza legislativa ou administrativa: riscos de autoritarismo, lentidão e gravosidade, de inacessibilidade, de irresponsabilidade, de inquisitoriedade policialesca. Nada obstante, deve-se desde logo afirmar que, com relação ao poder judiciário, cuida-se de risco menos grave, senão por outra razão porque, exatamente por sua própria natureza e estrutura, é o ramo “menos perigoso”. Acrescente-se que existem, todavia, no concernente ao poder judiciário, riscos também mais específicos e prováveis. Consistem eles, em relação à generalidade dos juízes, antes de tudo na dificuldade de controlar o emprego correto da discricionariedade legislativa e administrativa, especialmente nas hipóteses em que um sério controle exija o emprego de conhecimentos sofisticados ou técnicas especializadas, as quais, embora possam estar à disposição do legislador e da administração pública, são amiúde dificilmente acessíveis aos tribunais judiciários, pelo menos por razões financeiras. Com muita dificuldade poderá o juiz, por exemplo, desenvolver ou fazer desenvolver investigações empíricas, cálculos econométricos ou apuradas pesquisas de laboratório. Existe, pois, também o perigo da inefetividade: como podem os tribunais controlar a correta atuação de pronunciamentos judiciários que, operando por definição no campo das obrigações do welfare state, para serem efetivamente obedecidos implicam, freqüentemente, por exemplo, uma atividade continuativa de parte das entidades administrativas ou até do legislador E existe, enfim, o problema da legitimação democrática. Realmente é verdade que no estado moderno este problema, como já observei, apresenta-se também com agudeza em face da legislação e ainda mais da ação administrativa. Permanece, todavia, o fato de que, segundo a opinião de muitos, na criatividade jurídica dos legisladores

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democraticamente eleitos e dos administradores públicos politicamente responsáveis reside maior grau de “legitimação”, de qualquer maneira mais evidente do que no “ativismo judiciário”, vale dizer, na criatividade jurídica da magistratura, caracterizada exatamente pela tradição de independência política e isolamento.3Nesse trecho estão concentrados os principais problemas a serem enfrentados pelo prisma da função social da atividade jurisdicional. Indo por partes, a capacidade criativa, no sentido de realização dos direitos sociais, está atrelada, basicamente, a uma jurisdição não mais comprometida com a declaração da lei, até porque não há basicamente o que ser declarado em sede de legislação social, na medida em que o próprio texto normativo reclama sua integração, é principiológico, insuficiente de por si mesmo compor plenamente a situação concreta sub judice. Exemplos pungentes vêm da legislação consumerista, de nítido caráter social e que traduz uma ideologia de proteção contratual, frente a hipossuficiência do consumidor, cujo objeto é a relação de consumo, microssistema que se assenta cada vez mais como ramo autônomo da ciência do Direito. É nesta esteira que o art. 51, da Lei nº 8.078/90, estabelece que “são nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços” que a seguir arrola. Já pelo caput do dispositivo é possível constatar que o rol contemplado é meramente exemplificativo, nada impedindo que outras cláusulas sejam enquadradas pelo...

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