A Sarbanes-Oxley Act como instrumento de valores éticos, socioeconômicos e ambientais na governança corporativa: seus impactos no Brasil

AutorCharlene Maria C. de Ávila Plaza; Nivaldo dos Santos; Maria Cristina V. B. Tarrega
Páginas195-234

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1 Introdução

Governança corporativa123, expressão originária do inglês corporate governance, pertencente ao Direito Consuetudinário dos países anglo-saxônicos, foi importada como subproduto da globalização, ao inserir as empresas nas melhores práticas corporativas nos âmbitos socioeconômicos, ambientais e éticos baseados nos princípios de transparência, equidade, obediência às leis e senso de justiça.

Atualmente, a governança corporativa não se refere apenas a um conjunto de princípios que propõem a regular as organizações das Sociedades Anônimas, mas também a um sistema que integra as sociedades empresariais em geral, dado o grau de importância que as empresas estão considerando para a inserção no comércio internacional.

Mas a idéia que impera sobre a universalização da responsabilidade corporativa necessita de melhores reflexões sob a ótica de mercado, pois, mesmo que ela seja um mecanismo global, não se restringe a unificá-lo porque não atua da mesma forma na economia, pois os padrões transnacionais existentes nesse modelo nem sempre se convergem devido às divergências e distinções entre os mercados e a maneira de sua inserção nas empresas de cada país.

Na verdade, o efeito da globalização nos países e nas empresas encoraja a serem diferentes, a procurarem uma forma distinta de reduzir a competição internacional ao invés de convergirem para o melhor modelo. Talvez não seja tão simples adaptar a governança corporativa para padronizar as regras em um sentido global, pois a globalização sugere muito mais para alavancar diferenças em um mundo que desenvolve em constante fluidez as fronteiras.

Em contrapartida, o efeito globalização é irreversível e a tendência será sempre de aproximação de um Direito Internacional na tentativa de harmonizarPage 197 as normas para que sejam supranacionais, uma vez que nem o dinheiro e nem a ética possuem pátria e a governança corporativa, através de seus princípios, é uma opção segura entre os mercados e as empresas, sejam em âmbitos regional, nacional ou global.

Desenvolver a governança corporativa necessita muito mais do que a visão teórica de mercados; exige a prática de transposição cultural das empresas para que venham a minimizar as assimetrias existentes sobre as informações entre seus diversos agentes envolvidos na busca de maior transparência e credibilidade, com o objetivo de colher maiores investimentos e competitividade, baseados na ética e nas boas práticas de gestão configuradores do novo mercado que se descortina.

As crises e escândalos corporativos acontecidos nos últimos anos, principalmente nos mercados norte-americanos, despertaram as empresas para a relevância estratégica da governança corporativa como mecanismo de auxiliar na administração de seus riscos. Mas, para o bom estrategista que consegue extrair oportunidades em tempos de crise, as empresas, mesmo que a passos lentos, estão adequando-se a um novo modelo de gestão empresarial, baseadas nas melhores práticas de governança corporativa, relevando que não basta somente a existência de regras rígidas para o controle, como também a ética por parte de quem as administra.

Sob essa perspectiva, a Lei Sarbanes-Oxley, criada em 2002, promoveu várias mudanças fundamentadas nas melhores praticas de governança, agrupadas por quatro princípios: conformidade legal ou compliance; prestação responsável de contas ou accountability; transparência ou disclosure; e senso de justiça ou fairness, punindo severamente com sanções civis e penais as empresas e seus administradores que violarem suas normas.

A princípio, acreditava-se que a Lei Sarbanes-Oxley atingiria somente as empresas norte-americanas ou estrangeiras que negociassem nos mercados de valores dos Estados Unidos. No entanto, verificou-se que é muito interessante o efeito dessa lei para as empresas e para os investidores porque restaura o equilíbrio dos mercados por meio de mecanismos que asseguram a responsabilidade da alta administração de uma empresa no que concerne à confiabilidade da informação por ela fornecida.

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Por mais que a lei Sarbanes-Oxley seja protagonista de muitas controvérsias, desde as severas penas aplicadas a seus infratores até os altos custos para sua implantação, ela é um instrumento para coibir em grande parte as falcatruas perpetradas pelas corporações, por meio de seus administradores, em detrimento aos investidores minoritários.

Muitas empresas brasileiras que atuam nos mercados de valores americanos já aderiram às suas regras para a promoção da melhoria de seus controles internos com ética e transparência, elementos essenciais nos balanços empresariais com o fulcro de maior competitividade no cenário internacional.

Os objetivos do presente artigo visam, em um primeiro momento, discutir os efeitos da globalização nos mercados, na soberania dos países e nas empresas diante dos novos modelos de governança corporativa.

Discute-se em seguida, a responsabilidade corporativa e suas contradições éticas e sociais em busca de um consenso nos modelos de administrar os processos organizacionais de forma eficiente e sustentável aos moldes deste novo século que exige empresas cidadãs.

Logo após, analisa-se a Lei Sarbanes-Oxley como mecanismo regulador da gestão das melhores práticas corporativas, sua composição, as fraudes empresariais no âmbito global que impulsionou a sua criação, as tendências das empresas brasileiras baseadas nos modelos atuais, emergentes e de Novo Mercado de governança corporativa, encerrando o tópico e analisando comparativamente a Lei Sarbanes-Oxley e a Lei Societária Brasileira.

Ao final, descreve-se o rol das empresas brasileiras operantes nas bolsas de valores norte-americanas, suas certificações e adesões na SOX (Sarbanes-Oxley), mencionam-se as empresas que participam dos níveis I, II e Novo Mercado na BOVESPA e conclui discorrendo sobre os Índices de governanças corporativos lançados em 2005 por essa Bolsa.

Para maior compreensão e desenvolvimento desta pesquisa, procurou-se realizar, com relação aos tópicos elencados, um estudo comparativo mediante pesquisa bibliográfica e documental, partindo de uma perspectiva analítica entre a Lei Sarbanes-Oxley e a legislação societária nacional.

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A abordagem metodológica consiste, essencialmente, na exposição analítica e comparativa do pensamento basilar de autores de diferentes ideologias que tratam, de maneira sistematizada, a questão das melhores práticas de governança corporativa.

Buscar-se-á, em argumentações teóricas, a evolução de dados que apontam evidências empíricas e os elementos que permitem deduzir acerca da questão.

Como referencial teórico, a pesquisa será originada de estudos realizados no âmbito do pensamento administrativo neoclássico, bem como nos estudos das principais leis societárias. Essas duas vertentes – a corrente neoclássica e o Direito – pautam por elaborar indicadores de sustentabilidade coorporativa. Será realizada revisão bibliográfica a partir de material já publicado, constituído principalmente de livros e revistas especializadas no assunto e outros meios disponíveis como intuito de avaliar criticamente o quadro teórico de referência, esperando oferecer contribuições originais.

2 A sustentabilidade do pós-capitalismo no século XXI e a governança corporativa mundial

A globalização, muito embora não seja um fenômeno recente, é uma realidade fática que traz consigo crescentes assimetrias e descompassos entre nações como forma de aprofundar a característica estrutural do sistema capitalista mundial.

Crescentes assimetrias e descompassos, porque a globalização em si não é um fenômeno único; há a existência de diversas globalizações que avançam em velocidades díspares, afetando os conceitos de soberania e democracia entre as nações, gerando cada vez mais a diminuição da influência dos governos nacionais.

Nesse diapasão, a globalização apresenta-se como fenômeno de perspectivas distintas tanto na história e na sociedade quanto na economia e na cultura, por vezes, gerando complexas interpretações dialéticas entre o que é regional global e local, ou mesmo o que seja de responsabilidade pública ou privada.

Como fenômeno de abertura das economias nacionais, a globalização não resulta de uma mundialização homogeneizada, pois escolhe alguns lugares, certas atividades, determinados setores e alguns grupos ou segmentos sociais para serem mundializados.

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De acordo com Moreira4, “enquanto muitos lugares e grupos de pessoas globalizam, outros, às vezes bem próximos, ficam excluídas do processo”, gerando a heterogeneidade do espaço mundial com relação à lucratividade laboral e as fortes concentrações de riqueza, fazendo com que cresçam as desigualdades sociais e econômicas entre os países.

Paradoxalmente ao aforismo predominante, “pense globalmente, aja localmente”, hoje, a possibilidade concreta da nova ordem mundial faz com que os povos tenham condições de governar por meio de instituições internacionais em vez de fazê-lo em âmbito exclusivamente nacional.

Desse modo, emerge a globalização como superação das fronteiras, das barreiras locais e nacionais sob vários contextos, desde o mundo das finanças, nas relações de poder por meio das tecnologias e das revoluções energéticas, bem como nas questões sociais, éticas, filosóficas e políticas, uma vez que as idéias do colonialismo e imperialismo não mais se sustentam moral e eticamente.

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