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AComissão da Verdade poderia aclarar alguns dos assassinatos da tirania. Ela teve quase dois anos para trabalhar no assunto e, como todos esperavam, fracassou. Nas subcomissões que brotaram aqui e acolá, criaram-se cargos às dezenas, teimou-se em revisitar a morte de JK e Jango, descobriram-se documentos que já eram públicos. A Comissão da Verdade fez muita coisa, menos o relatório final que deveria ter publicado em dezembro. Ele foi adiado para o fim do ano - para bem depois do cinquentenário, depois da Copa, depois das eleições presidenciais, depois de depois. Aguardemos sentados.

É de se antever então, na data magna da nacionalidade, os hosanas de praxe à democracia. O silêncio cínico dos chefes militares. O crocitar dos corvos no Congresso. O cicio de saudade de um ou outro general de pijama. Logo se mudará de conversa, de modo a que a caserna e o porão sejam esquecidos. Não é de bom tom lembrar, como fez há pouco o professor Daniel Aarão Reis, que Ulysses Guimarães liderou a Marcha da Família com Deus pela Liberdade. Ou que D. Paulo Evaristo Arns, bispo de Petrópolis, foi para a estrada e benzeu as tropas do general Mourão Filho ("sou uma vaca fardada", ele dizia), que iam ao Rio depor João Goulart.

O insuportável mau cheiro da memória só não esvaneceu devido aos insatisfeitos de sempre. Foram eles que colheram os depoimentos de figurões do regime para a Fundação Getulio Vargas. Retiraram centenas de processos do Superior Tribunal Militar e, na clandestinidade, puseram de pé o projeto Brasil Nunca Mais. Escreveram livros de memória e deram testemunho. Houve e há gente empenhada em estudar o acontecido, pensar o que se passou e continua vivo no presente, aprender com o passado para evitar a sua repetição neurótica.

Elio Gaspari, por exemplo. Foi publicada agora a segunda edição, pela Intrínseca, dos seus quatro volumes sobre a ditadura: a envergonhada, a escancarada, a derrotada e a encurralada. Para quem não leu nada a respeito, Gaspari serve de Virgílio na descida aos infernos. Para quem já conhece a primeira edição, vale reler a segunda porque ela tem novidades. E também porque os 12 anos passados desde o seu lançamento mostram que os livros passaram pelo teste do tempo. Está-se diante de uma grande obra...

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