O senhor de engenho dentro de nós

luiz antonio simasÉfato fartamente documentado que governos brasileiros, com apoio de parte dos segmentos mais favorecidos e de intelectuais que abraçaram a eugenia, tentaram apagar, nos primeiros anos do pós-abolição, a presença do negro da História do Brasil. Este projeto se manifestou do ponto de vista físico e cultural. Fisicamente o negro sucumbiria ao branqueamento racial promovido pela imigração subvencionada de europeus, capaz de limpar a raça em algumas gerações. Do ponto de vista cultural, houve uma tentativa sistemática de eliminar as formas de aproximação com o mundo e elaboração de práticas cotidianas (jeitos de cantar, rezar, comer, louvar os ancestrais, festejar, lidar com a natureza etc.) produzidas pelos descendentes de africanos, desqualificando como barbárie e criminalizando como delitos contra a ordem seus sistemas de organização comunitária e invenção da vida.Se hoje não temos mais a pregação explícita de uma política de branqueamento, ainda estamos distantes de superar o que Joaquim Nabuco chamou de "obra da escravidão". Há um senhor de engenho morando em cada brasileiro, adormecido. Vez por outra ele acorda, diz que está presente, se manifesta e adormece de novo, em sono leve.Há um senhor de engenho nos espreitando nos elevadores sociais e de serviço; nos apartamentos com dependências de empregadas; no bacharelismo imperial dos doutores que ostentam garbosamente o título; na elevação do tom de voz e na postura senhorial do "sabe com quem você está falando?"; no deslumbre das elites que buscam "civilizar" os filhos em intercâmbios no exterior; na cruzada evangélica contra a umbanda e o candomblé; na folclorização pitoresca dessas religiosidades; nos currículos escolares fundamentados em parâmetros europeus, onde índios e negros entram como apêndices do projeto civilizacional predatório e catequista do Velho Mundo; no chiste do sujeito que acha que não é racista e chama o outro de macaco; no pedantismo de...

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