Sigmund Freud e o sonho da injeção de Irma

A injeção de Irma é o relato de um sonho que Sigmund Freud teve de 23 para 24 de julho de 1895, quando dormia no Castelo de Bellevue, perto de Viena[1]. O comentário sobre o interessante sonho está no volume 1 do instigante A Interpretação dos Sonhos (Die Traumdeutung).


A interpretação dos sonhos é na opinião de quem conviveu com Freud e o biografou o seu trabalho mais original; “as conclusões fundamentais eram inteiramente novas e inéditas (...) isso se aplica tanto ao tema propriamente, o da estrutura do sonho, quanto a vários outros temas que surgem incidentalmente no livro”[2]. O mais fino exemplo de teorização científica em Freud se encontra em A Interpretação dos Sonhos, segundo outro estudioso do formulador da teoria psicanalítica[3].


Para outro biógrafo, o “sonho da injeção de Irma é um sonho histórico”[4]. E ainda, “o sonho da injeção de Irma é provavelmente o mais famoso da história, depois dos sonhos do faraó interpretados por José”[5]. Muito sinteticamente,



Esse sonho pôs em cena um Freud que observa as manchas acinzentadas na boca de uma mulher de nome Irma. Chamou em seu socorro o Dr. M., que confirmou o diagnóstico de infecção. Dois outros amigos, Leopold e Otto, aproximam-se dela. Otto aplicou-lhe então uma injeção de ácido de trimetilamina[6].



O referido sonho contém certa evidência familiar da história da psicanálise. Nele figuram Oskan Rie (Otto, cunhado de Willhem Fliess, médico da família de Freud), Joseph Breuer (Dr. M), Ernest von Fleischel-Marxow (Leopold), bem como a própria Irma, suposta condensação de Emma Eckstein e de Anna Lichtein[7].


Deve-se insistir também na qualidade dos escritos de Freud, e o fragmento do relato do sonho de Irma é um exemplo, confirmando-se a assertiva, no sentido de que “a grandeza de Freud como escritor capacitou-o a granjear reconhecimento mundial não apenas como representante do espírito cosmopolita da velha Viena dos Habsburgo mas também como uma pessoa com notável compreensão das complexidades da alma humana”[8].


O fragmento relativo ao sonho de Irma é antecedido por um pequeno preâmbulo. A análise que Freud fez do próprio sonho é excerto seminal na teoria psicanalítica. Mostra-se como o passo essencial na concepção da importância dos sonhos, da análise da atividade onírica, e da percepção de que o sonho seja a realização de um desejo. Irma simbolizava uma jovem viúva, que sofria de ansiedade[9].


Mais. Do ponto de vista epistemológico, o sonho da injeção de Irma é um auto- experimento que marca toda uma disciplina, um modo de pensar: Freud fixa metodologia, que vai acompanhá-lo, em seus passos essenciais. O sonho da injeção de Irma pode assinalar uma certidão de nascimento da psicanálise. O relato é documento fundante da teoria psicanalítica.


Na conclusão da análise do sonho de Irma, Freud marcava uma pedra fundamental, testemunhando, e de certa forma adiantando a linha conceitual que vai seguir em trabalhos posteriores:



“ (...) se adotarmos o método da interpretação de sonhos que aqui indiquei, verificaremos que os sonhos têm mesmo um sentido e estão longe de constituir a expressão de uma atividade fragmentária do cérebro, como têm alegado as autoridades. Quando o trabalho de interpretação se conclui, percebemos que o sonho é a realização de um desejo”[10].



Mais tarde, ao que consta, ao se referir ao local qual tivera o famoso sonho, Freud teria sugerido que ali se gravasse uma plaqueta de mármore indicando-se que naquele lugar o segredo dos sonhos fora revelado. Naquele local, ao que parece, um enigma havia sido desvendado. Freud tornava-se o Édipo de nossos tempos, aquele que resolveu enigmas esfíngicos. O preço, no entanto, foi caro, e o incesto, circunstância que tanto preocupou Freud, é a maldição que se abateu sobre Édipo. Mas desse mal Freud não teria padecido.


No preâmbulo, Freud observou que vinha tratando a uma jovem senhora que mantinha laços cordiais de amizade com ele e com sua família. Por isso, observava, a relação de amizade o perturbava, como perturbaria a qualquer outro médico. Teria havido uma interrupção no tratamento de Irma, quando Freud recebera a visita de outro médico, colega mais novo na profissão, que também estivera com a paciente. O médico teria observado que Irma estava bem, porém não totalmente curada. Freud reconheceu que se aborreceu com o tom das palavras do amigo. E justamente naquela noite Freud sonhou com circunstâncias vividas naquele momento, o que nos indica também que sonhos carregam muito dos resquícios do dia vivido, tema que Freud retomará no sonho da monografia de...

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