A sociedade e seus conceitos

AutorEliane Scheidt
CargoMestre em Gestão de Políticas Públicas (UNIVALI) Professora de Direito Constitucional e Direito Administrativo (UNIDAVI)
Páginas15-22

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1. Introdução

É inegável o fascínio que o termo sociedade exerce sobre o homem e em seu amadurecimento democrático. Durante séculos, a ciência, através de teorias consolidadas e pesquisas empíricas, tentou explicar os termos e as modificações progressivas do conceito de sociedade, inclusive de forma cautelosa e condizente com a realidade diária, mas nem sempre a teoria é aplicada à realidade.

O dia a dia do cidadão, a nossa convivência diária em sociedade, as mudanças de expectativas pessoais e coletivas são as formas mais simples de observar as constantes modificações que ocorrem nos conceitos e nas interpretações dos termos. Essas alterações ocorrem em todos os campos de estudo e da vida, do acadêmico ao social, do ideológico ao político, do econômico ao tecnológico e, principalmente, na evolução dos desejos e anseios expressados pelo cidadão no dia a dia. A vida como ela é e não como deveria ser.

As alterações de conceitos, de interpretação dos termos e de atitudes1 não estão somente enraizadas na sociedade do Brasil, ou em locais específicos, elas podem ser observadas, de forma singela, na mídia2globalizada que avança em nossos lares e que se apresenta em todas as regiões mundiais, ou seja, é real a necessidade do cidadão em adequar a sociedade a seu anseio, portanto, nada mais natural do que mudar conceitos e interpretações.

É através de uma nova interpretação, de uma alteração conceitual, que a sociedade fortalece a cidadania, eo homem, investidodestacidadania, sempre buscará concretizar seu desejo e assegurar seus anseios pessoais de forma coletiva. É claro que a forma de concretização de anseios e desejos será efetivada através do Estado de Direito, amparado por normas, princípios e valores fundamentados e consolidados na legislação vigente de seu país.

Basta mudar os desejos e as necessidades da sociedade para depararmo-nos com mudanças de conceitos intrínsecos e políticas públicas de atendimento do cidadão, as quais, devemos recordar, estão sendo implantadas com a força legítima3do Estado de Direito e a fraternidade da sociedade em busca de um objetivo comum, ou seja, o bem-estar do cidadão.

As mudanças conceituais, de anseios e de necessidades da sociedade deslocam-se em linha crescente, apesar da uma apreciável resistência conservadora em alguns setores públicos de decisão. O conservadorismo é uma forma confortável de vida comum, afinal oferece ao cidadão a segurança e tranquilidade, bem como a certeza de que "se está dando certo, para que mudar?" e, afinal, se a sociedade está confortável no sistema proposto, por que se alteram os desejos e anseios sociais?

E é exatamente nesse ponto que nos defrontamos com uma questão: Quando o poder público, em posse do poder de decisão, ouve o clamor dos anseios e desejos do cidadão e da sociedade apesar de uma suposta tranquilidade no sistema jurídico vigente?

O Estado de Direito prioriza e garante os desejos e anseios coletivos da sociedade. Mas o poder público está atento às manifestações da sociedade, que busca segurança, saúde, educação, paz e bem-estar? As discussões em audiências públicas sobre temas específicos representam realmente o pensamento dominante da sociedade? As estatísticas sociais e criminais assombrosas representam que o sistema em vigor é efetivo?

A mudança de anseios e desejos, novas interpretações e conceitos poderão ser observados, neste Estado Contemporâneo, principalmente, por algumas características essenciais, como a troca do poder pela participação popular, a força pelos Direitos Humanos, a centralização pela descentralização, o rígido peloflexível, o dogma pela controvérsia, a ação individual pela atividade em equipe, a quantidade pela qualidade, o trabalho em troca de bem-estar e lazer, o radicalismo pela tolerância e outras modificações visíveis em nossa atual sociedade.

Não podemos negar que a implantação do Estado de Direito, com suas regras dirigentes e programáticas em nome do bem-estar social, representa fator decisivo na aceleração das alterações da sociedade, sempre em resposta aos desejos e anseios da coletividade, afinal, a nossa Constituição Federal protege e garante o poder do povo.

Assim, muitas perguntas surgem sobre os temas em questão, e o poder público desconhece as estatísticas sobre anseios e desejos, tanto do cidadão como da sociedade. O real perigo ocorre no momento da efetiva "tirania de uma minoria", que sufoca a finalidade do interesse coletivo em nome da individualidade ou de um grupo, cujos anseios e desejos não representam a realidade da maioria. E nesse contexto, a presença do Estado na vida da sociedade e no conhecimento de seus desejos e anseios será, sem sombra de dúvidas, nula.

O homem, representando o poder público ou o cidadão, não observando os novos conceitos e novas interpretações das regras sociais, estará fadado a nunca encontrar abrigo e segurança no meio em que vive. Ou seja, a sobrevivência no contrato social será em total desconforto e descontentamento e o sentimento dePage 16 fracasso individual, diante das regras aplicadas para este convívio em sociedade, determinará uma constante desobediência civil.

A capacidade de ação do homem em busca de seu desenvolvimento, e atualmente, em busca de uma vida e sociedade sustentável, favorece, determina e promove a mudança em nossos conceitos, interpretações, em nossas estruturas administrativas, políticas e fiscais, com repercussão sensível nas aspirações dos mais legítimos valores humanos.

2. Afinal, o que é a sociedade?

Para buscar o contexto histórico e a compreensão em um termo de ampla discussão e de muitos conceitos, deve-se, inicialmente, averiguar a explicação através de busca simplificada, ou seja, através do Dicionário Aurélio (2002, p. 629), que apresenta a origem da palavra e sua interpretação na língua portuguesa. "A origem da palavra sociedade vem do latim societas, uma 'associação amistosa com outros'. Societas é derivado de socius, que significa 'companheiro', e assim o significado de sociedade está intimamente relacionado àquilo que é social. Está implícito no significado de sociedade que seus membros compartilham interesse ou preocupação mútuas sobre um objetivo comum. Como tal, sociedade é muitas vezes usado como sinônimo para o coletivo de cidadãos de um país governados por instituições nacionais que lidam com o bem-estar cívico. Pessoas de várias nações unidas por tradições, crenças ou valores políticos e culturais comuns, em certas ocasiões também são chamadas de sociedades (por exemplo, Judaico-Cristã, Oriental, Ocidental etc.). Quando usado nesse contexto, o termo age como meio de comparar duas ou mais 'sociedades' cujos membros representativos representam visões de mundo alternativas, competidoras e conflitantes."

O sentido inicial do termo sociedade está profundamente vinculado ao binômio sociedade e comunidade, onde o homem projeta sua materialidade e espiritualidade pertencendo a um clã ou tribo. Neste mesmo sentido Aristóteles (2000, p. 20) solidifica a conceituação inicial demonstrando que: "Essas considerações mostram, pois, que a cidade está no número das realidades que existem naturalmente, e que o homem é por natureza um animal político. (...) A sociedade, pois, constitui, em essência, o habitat natural em que o homem pode realizar-se de forma proveitosa, provendo suas necessidades econômicas imediatas, adquirindo sua cultura, organizando suas instituições políticas, aperfeiçoando sua técnica e seus conhecimentos."

Nesse mesmo sentido Ralf Linton (1968, p.129) simplifica o seu conceito argumentando que a "sociedade é todo grupo de pessoas que vivem e trabalham juntas durante um período de tempo suficientemente longo para se organizarem e para considerarem como formando uma unidade nacional, com limites bem definidos".

A opção inicial de um grupo de pessoas que buscam viver e trabalhar em conjunto é, sem dúvida, o mesmo objetivo, amparado inicialmente na própria subsistência do homem, ou melhor, o homem, como ser racional, observa e conclui que o esforço conjunto facilita a promoção de suas necessidades, e em ato contínuo, observa que esta será a melhor forma, a mais dinâmica e a mais rápida maneira de desenvolvimento social.

O homem observa que é o esforço real despendido por inúmeras pessoas de um grupo ou de uma organização que reflete as expectativas e ideologias pessoais. O anseio individual poderá se tornar o desejo coletivo de uma maioria, desde que estejam conscientes da importância do anseio e do desejo em sociedade.

É uma visão audaciosa, porém a principal dificuldade que o homem possui, além de viver em agrupamentos sociais, é saber controlar as expectativas e, principalmente, seus desejos pessoais, bem como compreender a diferença entre o desejo individual e o desejo coletivo, que nem sempre corresponde - o desejo individual - aos anseios legítimos da coletividade e que traduzem a realidade social.

Constatadas as dificuldades de se conviver em sociedade diante do choque de opiniões subjetivas, o homem, para criar argumentos e fortalecer seus desejos, passa a coletar e interpretar dados, identificar necessidades da coletividade, comparar com sua linha de pensamento e observar as falhas nas decisões tomadas pelo poder público, sugerindo, desta forma, reformulações de diretrizes coletivas.

Os problemas e os conflitos surgem nesse momento, e a solução nem sempre é harmoniosa, afinal desejos pessoais podem passar longe dos desejos de uma coletividade ou de um grupo específico. A própria natureza do homem sugere que a concretização de seu objetivo de forma individualizada é movida pela paixão e não pela razão em busca do bem comum, assim, o fracasso da argumentação poderá ser a vitória da força.

O...

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