Há solução jurídica para a demarcação de áreas indígenas

Algumas distorções nos trabalhos da Funai que causaram indignação aos atingidos ocorreram em processos realizados sobre a égide do Decreto 1.775/96, cuja aplicação não é possível na maioria dos casos de demarcações atuais.


A Constituição Federal de 1988 definiu expressamente que as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios são bens da União, reiterando a de 1967, e reconheceu aos índios os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam e a posse permanente, competindo à União demarcá-las.


O erro central de quem tem operado as demarcações indígenas é aplicar diretamente o Decreto 1.775/96, como se o art. 231 da Constituição Federal fosse por ele regulamentado, o que seria uma inconstitucionalidade formal. Contudo, a regulamentação das demarcações não é feita diretamente pelo Decreto 1.775/96, mas pela Lei 6.001/73 (Estatuto do Índio), que foi recepcionada pela Constituição de 1988 em sua maior parte.


A Lei 6.001/73 diferencia as áreas indígenas em quatro tipos: a) Terras Ocupadas - são aquelas com posse efetiva e permanente por índios que as habitam, independentemente de demarcação, definindo como bens inalienáveis da União. Essas são as terras a que se refere o caput do art. 231, da CF; b) Áreas Reservadas - o Estatuto do Índio define que a União pode estabelecer áreas indígenas reservadas através de compra ou desapropriação. Não se confunde esse tipo com as de posse imemorial, tradicionalmente ocupadas. As áreas reservadas podem ser: b.1) reserva indígena – é o habitat com meios para subsistência; b.2) parque indígena – é área contida na posse de índios integrados e para preservação ambiental, como o Parque do Xingu; b.3) colônia agrícola indígena – área para exploração agropecuária, administrada pela Funai, onde convivam índios aculturados e membros da comunidade nacional; c) Território federal indígena – entende-se que não foi recepcionado pela CF/88; d) Terras de domínio indígena – aquelas adquiridas na forma da lei civil. Equivale à propriedade civil comum.


A interpretação das normas aplicáveis às demarcações deve ser feita de modo a preservar o sistema jurídico, pois o Decreto 1.775/96 regulamenta o Estatuto do Índio e não diretamente a Constituição Federal. A interpretação isolada a partir do decreto desintegra o conjunto normativo, levando a consequências desastrosas.


Do que se demonstrou anteriormente, somente as terras ocupadas, de que trata parte do Estatuto do Índio, são passíveis de demarcação administrativa na forma do Decreto 1.775/96, que nunca pretendeu desconstituir propriedades seculares, protegidas pelo art. 5º da CF.


O estatuto garante aos indígenas a posse permanente das terras que habitam, determinando a demarcação administrativa conforme processo estabelecido em decreto do Poder Executivo. Assim como o art. 231 da CF/88, a demarcação administrativa só pode ser feita em terras da União e apenas em terras ocupadas pelos indígenas ao tempo da Constituição de 1988.


A nulidade e a extinção de atos jurídicos são apenas para os títulos que tenham por objeto o domínio, a posse ou a ocupação das terras habitadas pelos índios ou comunidades indígenas. A exceção é para as terras que tenham sido desocupadas em virtude de ato ilegítimo de autoridade ou particular, mas que tem de ser devidamente comprovada e não apenas pelo laudo antropológico unilateral.


Assim, tanto o caput do art. 231 quanto o Decreto 1.775/96 destinam-se unicamente às áreas ocupadas pelos indígenas em 1988. Isso decorre do corolário lógico de que a demarcação meramente administrativa somente pode ser feita em área que seja da própria União Federal, como são as áreas indígenas ocupadas.


Proibido riscar

Assim como qualquer particular, a União em suas áreas pode criar administrativamente divisões e modificar destinações. Não pode, no entanto, riscar o mapa de áreas privadas como se...

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